
Um pequeno — e controverso — grupo de m�dicos estava fomentando preocupa��es sobre um procedimento pioneiro, que inclu�a pegar um v�rus que infectava o gado com var�ola bovina e us�-lo para proteger as pessoas contra var�ola.
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A t�cnica foi chamada de "vacina��o", nome que deriva do termo em latim "vaccinus", que significa "da vaca" — e as primeiras evid�ncias sugeriam que era extraordinariamente eficaz, protegendo 95% das pessoas de uma infec��o que geralmente matava cerca de 30% de suas v�timas e desfigurava permanentemente a maior parte do resto.
Havia at� mesmo uma expectativa inicial de que pudesse acabar com a doen�a para sempre.
Mas n�o demorou muito para os primeiros c�ticos em rela��o � vacina aparecerem. Em particular, estes m�dicos dissidentes estavam convencidos de que o "humor bestial" — o v�rus da var�ola bovina (cowpox) — n�o tinha lugar no corpo humano.
Entre as alega��es mais absurdas, estava a insinua��o de que as crian�as vacinadas haviam come�ado a desenvolver caracter�sticas bovinas, como as manchas das vacas leiteiras, ou que corriam risco de ter pensamentos semelhantes aos de bois. Um proeminente defensor destas teorias disse que as mulheres vacinadas podiam come�ar a sentir atra��o por touros.
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O fato � que os primeiros c�ticos em rela��o �s vacinas tinham entendido tudo errado. � claro que a nova t�cnica n�o transmitia a ess�ncia bovina para pessoas — o cowpox era apenas um v�rus normal e, nos s�culos seguintes, levaria � extin��o da var�ola. Mas tamb�m pode nunca ter tido nada a ver com vacas.
Na verdade, at� hoje ningu�m sabe de onde veio o v�rus que erradicou a var�ola.
No entanto, este micr�bio misterioso ainda est� sendo usado — inclusive nas vacinas que est�o sendo aplicadas atualmente contra a var�ola dos macacos, que agora foi declarada uma emerg�ncia de sa�de global pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS).

Depois de ser encontrado principalmente na �frica nas �ltimas cinco d�cadas, o v�rus causador da var�ola dos macacos (monkeypox) come�ou a se espalhar pelo mundo em maio de 2022.
Para combat�-lo, os cientistas recorreram a duas vacinas usadas anteriormente contra a var�ola — ACAM2000 e JYNNEOS.
Estas s�o as �nicas licenciadas nos EUA para proteger contra o v�rus emergente (a Uni�o Europeia tamb�m aprovou recentemente a vers�o JYNNEOS).
Ambas s�o excepcionalmente seguras e consideradas altamente eficazes, mas tamb�m fazem parte do enigma.
Por mais de um s�culo, a comunidade cient�fica sup�s amplamente que a vacina contra a var�ola foi feita a partir do v�rus cowpox — esta � a explica��o ainda encontrada em muitos sites e salas de aula em todo o mundo.
Mas em 1939, quase 150 anos ap�s a inven��o da vacina��o, testes moleculares revelaram que n�o. Mais recentemente, o sequenciamento gen�tico confirmou esta conclus�o.
Em vez disso, as vacinas que foram usadas para erradicar a var�ola, e aquelas em uso hoje contra a var�ola dos macacos, s�o baseadas em um v�rus desconhecido que ningu�m conseguiu identificar — um pat�geno "fantasma" que s� foi encontrado na forma de vacina.
Apesar de uma busca de 83 anos, ningu�m sabe como, por que ou exatamente quando este "impostor" apareceu na vacina contra a var�ola, ou se ainda existe na natureza.
Apenas uma coisa � clara: milh�es de pessoas que sobreviveram ao reinado da var�ola devem suas vidas � sua exist�ncia.
Sem ele, o atual surto de var�ola dos macacos provavelmente se espalharia ainda mais r�pido.
"Por muitos anos, at� 1939, as pessoas supunham que o que chamamos de (v�rus) vaccinia, da vacina contra a var�ola, era o mesmo que cowpox", diz Jos� Esparza, virologista e membro do Instituto Robert Koch, na Alemanha.
"Descobriu-se ent�o que eram diferentes. E, desde ent�o, aceitamos que o cowpox � um v�rus, e o vaccinia � outro v�rus de origem desconhecida."
Como isso aconteceu? De onde este v�rus pode ter vindo? E ser� que um dia vamos ser capazes de encontr�-lo em seu hospedeiro natural?
Uma afli��o bem inglesa
O homem que recebe universalmente o cr�dito por inventar a vacina��o � Edward Jenner, um cirurgi�o que anunciou sua descoberta em 1796.
A hist�ria habitual de como ele fez isso � um conto atraente que envolve belas ordenhadoras de leite, momentos "eureka" e experimentos eticamente question�veis. Mas acontece que n�o � totalmente preciso.
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A vers�o mais conhecida � mais ou menos assim. Jenner notou que as ordenhadoras de leite geralmente tinham a pele excepcionalmente lisa, sem as marcas de var�ola que afligiam grande parte da popula��o — at� 85% daqueles que se recuperavam da var�ola podem ter ficado com um n�mero significativo de cicatrizes caracter�sticas da doen�a no rosto.
Ele percebeu que as ordenhadoras que contra�am var�ola bovina, que � mais branda, durante seu of�cio, eram menos propensas a pegar var�ola.
Para provar isso, ele infectou um menino de oito anos com var�ola bovina, e depois o exp�s intencionalmente � var�ola para ver se ele ainda era suscet�vel e ficaria doente (por sorte, ele n�o era e sobreviveu).

Na verdade, a descoberta fortuita aconteceu quase tr�s d�cadas antes, por meio de um m�dico do interior que acabara de se mudar para a cidade mercantil de Thornbury, em Gloucestershire.
L�, John Fewster estabeleceu a pr�tica da "variola��o" — um antigo m�todo para proteger as pessoas contra a var�ola, que consistia em esfregar uma pequena quantidade de pus proveniente de uma p�stula de var�ola em uma incis�o no bra�o de um indiv�duo n�o infectado.
O procedimento havia sido usado em toda a �sia, da �ndia ao Tibete, durante s�culos — mas era amplamente desconhecido para os europeus at� que Lady Mary Wortley Montagu tomou conhecimento do mesmo em Istambul (ent�o Constantinopla), e o popularizou no Reino Unido do s�culo 18.
Se corresse bem, a t�cnica geralmente gerava uma �nica marca de var�ola no local da infec��o, o que indicava que o sistema imunol�gico da pessoa havia aprendido a reconhecer o v�rus.
Se desse errado, e a infec��o se espalhasse — como em cerca de 2% a 3% dos casos —, o paciente geralmente morria. Mas em Thornbury, v�rios moradores n�o reagiram � "variola��o" — nenhuma marca de var�ola foi gerada e, apesar das repetidas tentativas, o procedimento n�o teve sucesso. Fewster estava perplexo.
At� que, um dia, um agricultor explicou que havia sido infectado recentemente com var�ola bovina — e j� tinha imunidade. "A var�ola bovina estava confinada em grande parte ao sudoeste do Reino Unido [na �poca]", diz o patologista aposentado Arthur Boylston, autor do livro Defying Providence: Smallpox and the Forgotten 18th-Century Medical Revolution (Desafiando a Provid�ncia: a Var�ola e a Revolu��o M�dica Esquecida do S�culo 18, em tradu��o livre).
Ele conta que nunca foi particularmente comum — surtos s� ocorriam a cada poucos anos — e, embora os agricultores da regi�o geralmente estivessem cientes de que existia, apenas a gera��o mais jovem havia associado � prote��o contra a var�ola.
Acredita-se que esta sabedoria popular acabou chegando a Jenner, que frequentava a mesma sociedade m�dica que Fewster.
Em 14 de maio de 1796, Jenner pegou ent�o um pouco de pus de uma marca de var�ola bovina da m�o de uma ordenhadora de leite que havia contra�do a doen�a de uma vaca chamada Blossom. O material coletado foi usado para vacinar o menino de oito anos.
Seis semanas depois, a crian�a foi "variolada" e, quando n�o reagiu desenvolvendo uma p�stula, Jenner percebeu que a t�cnica pioneira havia funcionado. "O que eles estavam observando � o que sabemos hoje, que todos os poxv�rus produzem imunidade entre esp�cies", explica Esparza.

Mas, em 1939, at� mesmo esta vers�o dos acontecimentos esbarrou numa quest�o. Quando os cientistas testaram os anticorpos do v�rus cowpox (da var�ola bovina) na vacina contra a var�ola que supostamente era feita a partir dele, descobriram que no fim das contas n�o eram iguais — eram dois v�rus totalmente diferentes.
Um grande grupo
O que acontece � que os humanos n�o est�o sozinhos em sua batalha contra os poxv�rus. Esta vasta e abrangente fam�lia inclui dezenas de v�rus, cada um com seu pr�prio nicho em uma ampla variedade de animais — at� mesmo os escaravelhos apresentam suas pr�prias vers�es. Dentro dela, h� o grupo dos ortopoxv�rus, ao qual pertence o v�rus da var�ola, que poderia ser chamada de var�ola humana.
No mesmo grupo, est�o outros v�rus de mam�feros, incluindo horsepox (cavalos), camelpox (camelos), buffalopox (b�falos), rabbitpox (coelhos), mousepox (camundongos), monkeypox (macacos) e raccoonpox (guaxinim).
O vaccinia � apenas mais um v�rus membro deste grupo — que foi usado para inocular quase todos os nascidos antes do in�cio da d�cada de 1970 contra a var�ola, at� que a vacina��o fosse interrompida.
Mas encontrar seu ancestral selvagem entre os diversos ortopoxv�rus mostrou-se algo complicado. Um poss�vel candidato � o horsepox.
No artigo original de Jenner sobre vacina��o, ele descreve suas suspeitas de que a var�ola bovina pode, na verdade, se originar em cavalos — nos quais � conhecida como "graxa".
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Em um caso, o jardineiro do Conde de Berkeley notou que os cavalos com os quais trabalhava estavam contraindo a doen�a e, mais tarde, a passaram acidentalmente para o rebanho de vacas que ele estava ordenhando — e para ele pr�prio.
Vinte e cinco anos depois, o mesmo homem apareceu com a fam�lia para uma sess�o de "variola��o" conduzida por Jenner.
N�o funcionou — embora o procedimento tenha sido repetido v�rias vezes, nada aconteceu.
Mais tarde, quando toda a fam�lia do homem adoeceu com var�ola, ele "n�o sofreu qualquer dano por exposi��o ao cont�gio". Sem saber se estava trabalhando com cowpox ou horsepox, ou um v�rus que rotineiramente pula entre ambos, Jenner seguiu em frente.
Ap�s inventar a vacina, ele dedicou o resto de sua vida a distribu�-la e aperfei�oar as formas de aplica��o. Mas os surtos de cowpox eram raros e, � medida que a t�cnica ganhava popularidade, encontrar material infeccioso suficiente se tornou um grande desafio.
Ap�s a primeira experi�ncia de vacina��o de Jenner, ele n�o p�de fazer mais pesquisas por dois anos, quando a doen�a desapareceu temporariamente da regi�o.
As primeiras tentativas subsequentes de Jenner de vacina��o foram baseadas na transfer�ncia do v�rus protetor de pessoa para pessoa — cada novo paciente infectado se tornava um estoque de pus que poderia ser usado para vacinar outra pessoa.
N�o havia etapas de purifica��o e nenhum suprimento refrigerado de ampolas de vacina.

Um m�todo mais sofisticado envolvia embeber peda�os de linha em material infeccioso e depois sec�-lo — isso possibilitou espalhar rapidamente a vacina para os cantos mais distantes do planeta.
Em 1800, Jenner enviou uma linha revestida de pus em uma viagem de 3.656 km at� Newfoundland, no Canad�, onde foi usada com sucesso para vacinar centenas de pessoas.
Infelizmente, estas t�cnicas n�o eram totalmente confi�veis %u200B%u200B— e se a cadeia de transmiss�o fosse quebrada, todo o processo teria que recome�ar do in�cio. Isso significava encontrar uma nova vaca com v�rus. Uma solu��o era simplesmente ampliar a base animal envolvida, e os cavalos eram uma segunda escolha �bvia.
Logo ficou claro que o poxv�rus colhido diretamente de cavalos funcionava t�o bem quanto o de vacas — t�o bem que, em 1817, Jenner abandonou a "vacina��o" e voltou toda sua aten��o para a "equina��o" (que seria a inocula��o com horsepox).
E aqui suas redes de distribui��o — assim como as de outros que dependiam do poxv�rus de cavalos —come�aram a ter impacto.
Em 1817, Jenner enviou um estoque de linfa, fluido infeccioso retirado de indiv�duos equinados — que na �poca estava sendo preservado em lancetas de ouro, em vez de linhas secas — para o National Vaccine Establishment.
A partir deste centro em Londres, foi enviado para muitos outros m�dicos. Poderia ter sido a� que a inocula��o � base de cowpox come�ou a ser substitu�da por uma feita a partir de horsepox? Ou o v�rus sempre foi o horsepox que havia sido passado para as vacas?
Reviravolta inesperada
Embora tenham se passado s�culos desde as primeiras vacina��es contra a var�ola, ainda h� rel�quias dos antigos v�rus usados %u200B%u200Bescondidas em museus e cole��es ao redor do mundo — principalmente na forma de cascas de feridas e linfas de kits de vacina��o.
Em 2017, uma equipe internacional de cientistas liderada por Esparza descobriu uma vacina que havia sido fabricada na Filad�lfia em 1902.
Os ortopoxv�rus possuem genomas extraordinariamente grandes que consistem em DNA de cadeia dupla, e os pesquisadores conseguiram reunir um genoma quase completo a partir da amostra hist�rica que tinham.
"Estas vacinas s�o mantidas em temperatura ambiente h� mais de 100 anos", diz Esparza.
Segundo ele, s� foi poss�vel sequenciar o material gen�tico degradado por causa das sofisticadas t�cnicas modernas.

O que os cientistas descobriram refor�ou a suspeita de longa data sobre a confus�o em rela��o ao v�rus da vacina : n�o havia evid�ncia de cowpox na cepa que eles testaram e, em vez disso, era intimamente ligada a um v�rus horsepox identificado na Mong�lia em 1976. "Esta � a �nica sequ�ncia que temos para horsepox — a �nica", diz Esparza. "E � muito parecido."
Desde ent�o, a equipe sequenciou muitas outras vacinas hist�ricas.
"Em 31 amostras, n�o encontramos cowpox em nenhuma delas", diz Esparza.
Outro estudo conclu�do por uma equipe diferente encontrou resultados semelhantes. Al�m do horsepox, as vacinas — da Filad�lfia de meados do s�culo 19 — apresentavam boa compatibilidade para um v�rus end�mico do Brasil, o v�rus Cantagalo, que causa surtos peri�dicos em bovinos.
Mais uma vez, n�o era cowpox — acredita-se que tenha descendido de uma vacina contra a var�ola que escapou para a natureza h� muitos anos.
Tudo indica que a maioria destas vacinas do s�culo 19 e in�cio do s�culo 20 realmente foram feitas a partir de horsepox — ou o cowpox nunca foi usado, ou foi substitu�do por seu primo equino notavelmente r�pido.
Mas este n�o � o fim do enigma.
"H� um mist�rio que ainda n�o resolvemos", diz Esparza.
Sua equipe descobriu recentemente evid�ncias —ainda n�o publicadas — de uma mudan�a radical nas vacinas usadas para prevenir a var�ola, que aconteceu por volta de 1930.
"Estamos investigando isso agora", afirma.
Quando a equipe sequenciou as vacinas mais recentes contra a var�ola, descobriu que nesta �poca elas passaram por uma transforma��o.
Em vez de serem compostas essencialmente do v�rus horsepox, foram baseadas principalmente no v�rus misterioso encontrado nas vacinas atuais.
"A [sequ�ncia] principal que costumava ser do v�rus horsepox at� 1930 mudou para o moderno vaccinia, que tamb�m � uma sequ�ncia de ortopoxv�rus, mas n�o sabemos a origem deste v�rus. N�o � cowpox", explica Esparza. Mas como substituiu a vacina anterior? De qu� podia ser feita? E ser� que ainda poderia existir na natureza?

Um v�rus desaparecido
Na opini�o de Esparza, o salto repentino de um tipo de vacina contra a var�ola para outro provavelmente se deve � forma como as vacinas foram distribu�das. "Nos primeiros 100 anos [de vacinas], elas eram mantidas de bra�o em bra�o em humanos", afirma Esparza.
"Em 1860, cientistas na It�lia e na Fran�a introduziram a vacina animal — em vez de passar o v�rus de humano para humano, eles descobriram que poderiam coloc�-lo de volta nas vacas e mant�-los nas vacas."
Posteriormente, este sistema de produ��o em massa se expandiu para incluir outros animais, como ovelhas, cavalos e burros.
Em algum momento, um v�rus de um animal desconhecido come�ou a ser usado como vacina contra a var�ola.
N�o h� registros de quem fez isso, ou de quando, por que ou como fizeram isso, mas � poss�vel que tenha sido apenas um acidente — algu�m coletou o que pensava ser cowpox ou horsepox de um animal de fazenda, quando era, na verdade, um "impostor" aleat�rio n�o identificado.
Como funcionou bem, ningu�m percebeu.
Algum tempo depois de 1930, este v�rus misterioso se tornou a base da vacina mais comum — e, em meados do s�culo 20, havia centenas de vers�es diferentes circulando pelo mundo.
Em 1966, a OMS anunciou a campanha de erradica��o da var�ola e escolheu apenas seis cepas como base para as vacinas que seriam usadas para atingir este objetivo. A cada d�cada que passava, a domina��o do v�rus desconhecido se tornava mais arraigada.
Mas onde ele est� agora — e por que ningu�m nunca encontrou o hospedeiro natural do vaccinia?
Embora o surgimento da var�ola dos macacos possa parecer indicar que os poxv�rus est�o prosperando, por muito tempo, v�rios estiveram altamente amea�ados de extin��o — e o causador da var�ola pode n�o ser o �nico que desapareceu.
Acredita-se que o horsepox j� causou surtos regulares em partes da Europa — pode at� ter sido comum —, mas n�o � identificado na natureza desde 1976, quando cavalos come�aram a adoecer com les�es e sintomas semelhantes ao da febre na Mong�lia.
Acredita-se que melhores pr�ticas de cria��o animal e melhores diagn�sticos podem t�-lo levado � extin��o. "O horsepox basicamente desapareceu da Europa no in�cio do s�culo 20", diz Esparza, explicando que o v�rus misterioso usado nas vacinas modernas contra a var�ola pode ter tido o mesmo destino. "N�s especulamos sobre esta possibilidade."
No entanto, Esparza lamenta que n�o tenham sido feitas pesquisas suficientes. Uma vez que o v�rus causador da var�ola foi erradicado, o interesse em estudar seus parentes acabou — e hoje s�o poucos os grupos de pesquisa que buscam identificar novos poxv�rus, como aquele que pode ser o ancestral do vaccinia.
"Ent�o, talvez o atual surto [de var�ola dos macacos] estimule mais ci�ncia... significando mais concorr�ncia por trabalho", ri Esparza.
Um novo uso
Na verdade, hoje o v�rus misterioso � mais �til do que nunca.
A var�ola dos macacos � um parente pr�ximo da var�ola geralmente encontrada na �frica central tropical, onde tende a infectar roedores e primatas n�o humanos.
� mais dif�cil de pegar do que sua prima e � transmitida principalmente por contato pr�ximo com fluidos corporais ou objetos contaminados, como roupas de cama.
Diferentemente da var�ola, a var�ola dos macacos raramente � mortal, mas h� relatos de casos mais graves que se assemelham a infec��es sexualmente transmiss�veis.
Geralmente causa febre, seguida de les�es que podem ter pus e ser extremamente dolorosas. O v�rus monkeypox foi descoberto pela primeira vez em 1970 e, at� recentemente, as infec��es estavam confinadas principalmente � �frica.
Mas, em maio de 2022, come�ou a se espalhar pelo mundo — uma dissemina��o sem precedentes. Para desacelerar a propaga��o, muitos pa�ses encomendaram milh�es de doses de duas vacinas.
Ambas s�o "descendentes diretas" do mesmo v�rus enigm�tico que se tornou a vacina dominante contra a var�ola na d�cada de 1930.
Em primeiro lugar, h� a vacina JYNNEOS, desenvolvida pela empresa de biotecnologia Bavarian Nordic. Esta vers�o nova e mais segura da vacina antiga contra a var�ola foi desenvolvida por acidente na d�cada de 1960, quando um cientista notou que seu estoque de uma cepa turca do vaccinia — que vinha cultivando em embri�es de galinha h� anos — havia sofrido uma muta��o.
O v�rus ankara vaccinia modificado (MVA), que mais tarde se transformou na vacina JYNNEOS, ficou t�o alterado que, embora ainda pudesse fazer mais c�pias de si mesmo em embri�es de galinha, perdeu a capacidade de se replicar em humanos.
Os pesquisadores perceberam rapidamente que isso o tornaria mais seguro para uso em imuniza��es — acredita-se que a vers�o antiga tenha salvado de 150 a 200 milh�es de vidas apenas entre 1980 e 2018, mas em casos raros pode levar a infec��es que se espalham pelo corpo. Esta nova vacina representou uma alternativa menos arriscada.
Inicialmente, o MVA n�o foi amplamente utilizado. Na d�cada de 1960, ainda n�o estava claro se a vacina era t�o eficaz quanto a vers�o anterior, por isso foi administrada principalmente em pessoas imunocomprometidas como uma dose extra.
Mas experimentos em outros animais e militares do Ex�rcito sugeriram desde ent�o que � prov�vel que funcione — por isso est� em alta demanda hoje.
A outra vacina, ACAM2000, � uma op��o menos cotada no atual surto de var�ola dos macacos.
Desenvolvida pela primeira vez no in�cio dos anos 2000 como uma alternativa �s cepas de vaccinia usadas para erradicar a var�ola, foi armazenada por v�rios pa�ses ao redor do mundo, incluindo os EUA e o Reino Unido, para emerg�ncias, como um ataque de var�ola por terroristas.
H� relatos recentes de que a ACAM2000 est� sendo usada contra a var�ola dos macacos, mas ainda n�o est� licenciada para isso.
Embora seja segura para a grande maioria das pessoas, apresenta alguns riscos — o v�rus pode fazer c�pias de si mesmo no corpo humano, por isso n�o � adequada para indiv�duos imunocomprometidos.
Em julho de 2022, o governo dos EUA encomendou quase sete milh�es de doses de ambas as vacinas contra a var�ola para serem entregues no pr�ximo ano, e agora h� uma escassez global.
A ironia � que acredita-se que o surto de var�ola dos macacos s� foi poss�vel porque suspendemos as vacina��es contra a var�ola.
"O que vemos agora com a var�ola dos macacos � muito interessante", diz Esparza.
"A var�ola foi declarada erradicada em 1980. E desde ent�o, a vacina��o contra a var�ola parou na maioria dos pa�ses, e a imunidade da popula��o contra todos os ortopox[v�rus] diminuiu. E � isso que provavelmente est� por tr�s da eclos�o da var�ola dos macacos no mundo."
Outros v�rus podem estar aproveitando a mesma oportunidade.
Embora a var�ola bovina — a doen�a em si desta vez, n�o a vers�o com "crise de identidade" usada nas vacinas — agora seja rara em gado, ainda � end�mica em roedores em todo o mundo.
E desde que a vacina��o em massa contra a var�ola foi interrompida no in�cio da d�cada de 1970, cada vez mais casos est�o sendo relatados em crian�as.
Hoje, as pessoas s�o mais propensas a contrair var�ola bovina de ratos ou gatos que, por sua vez, pegam a doen�a de roedores na natureza — em um caso inusitado, ela foi adquirida de um elefante de circo.
A maioria das infec��es � leve, produzindo les�es nas m�os ou no rosto — e, diferentemente da var�ola dos macacos, ainda n�o est� sendo transmitida de pessoa para pessoa.
Mas foram registradas mortes.
E, assim como a var�ola dos macacos, o aumento dos casos tem sido associado ao fim da vacina��o generalizada contra a var�ola.
Alguns especialistas chegaram ao ponto de descrever a var�ola bovina como uma amea�a emergente � sa�de.
Por isso, o v�rus vaccinia ainda � muito procurado. Mas ser� que algum dia vamos saber de onde veio o poxv�rus favorito da humanidade? Esparza � c�tico. "Ainda temos mais perguntas do que respostas", afirma.
Mas o virologista insinua que ele e seus colegas fizeram algum avan�o — e v�o divulgar detalhes mais tentadores sobre o mist�rio nos pr�ximos meses.
Seja l� qual for sua origem, sem a vacina contra a var�ola, h� pouca d�vida de que o mundo seria um lugar radicalmente diferente — ainda lutando contra uma antiga praga que desfigurava e matava pessoas h� mil�nios. E assim como no in�cio do s�culo 19, temos muito mais medo de evitar a imuniza��o do que de nos transformar em vacas-humanas...
Leia a vers�o original desta reportagem (em ingl�s) no site BBC Future.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-62319031
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