
Em 2015, Vitor Ramos, na �poca estudante de administra��o, come�ou a sentir sintomas gripais. "Era s� uma garganta inflamada e um mal-estar leve. Quem seria capaz de associar isso com HIV?", indaga ele, que s� recebeu o diagn�stico tr�s anos depois.
Vitor conta que a hip�tese demorou muito a passar pela sua cabe�a. "Eu achava que nunca tinha me relacionado sexualmente com algu�m portador do v�rus, porque na minha cabe�a essa pessoa seria acamada e estaria muito fraca", diz.
Dois anos depois do aparecimento dos sinais mais gen�ricos, em 2017, Vitor teve quadros intensos de diarreia que o fizeram perder cerca de 20 quilos e passar por oito hospitais em busca de um diagn�stico na cidade de Ara�ariguama, onde morava no interior de S�o Paulo, e em munic�pios pr�ximos.
"O gastroenterologista pediu uma colonoscopia que voltou inconclusiva para doen�a de Crohn [uma doen�a inflamat�ria do trato gastrointestinal], a principal suspeita do m�dico. Mesmo assim, ele decidiu me tratar como se eu tivesse o quadro", lembra.
"Na ocasi�o, minha m�e chegou a perguntar: 'Doutor, n�o pode ser HIV?', e ele respondeu que n�o era 'comum em homens'. Entendi aquilo como uma suposi��o equivocada de que eu seria um homem h�tero, j� que o HIV ainda � muito associado aos homossexuais."
- Combate ao HIV: por que redu��o nas infec��es teve pior n�mero desde 2016
- O que torna a popula��o negra mais vulner�vel ao HIV e a morrer por complica��es da Aids
A infec��o pelo v�rus, na realidade, pode acontecer com qualquer pessoa, independentemente da sua orienta��o sexual. O HIV est� presente em secre��es (fluidos) como sangue, esperma, secre��o vaginal e leite materno. Por isso recomenda-se sempre o uso de preservativos no sexo, e que m�es soropositivas alimentem seus beb�s com f�rmula infantil.
Al�m do diagn�stico incorreto, o m�dico que atendeu Vitor receitou um medicamento imunossupressor, efetivo para o tratamento de doen�a de Crohn, mas extremamente nocivo para quem vive com HIV.
"Os medicamentos imunossupressores podem atuar enfraquecendo diferentes partes do sistema imune a depender de qual � o rem�dio receitado. Considerando um paciente que j� estava com imunidade celular baixa, se usar medica��o que piora a imunidade, h� o risco de deix�-lo muito suscet�vel �s infec��es oportunistas, que �s vezes somente o HIV n�o seria suficiente para causar", aponta o m�dico infectologista acreano Dyemison Pinheiro, que n�o acompanhou o caso de Vitor.
"A partir do dia que comecei a tomar o medicamento, a piora foi muita r�pida. Eu digo que fui ladeira abaixo, e uma ladeira bem �ngreme. Comecei a andar devagar, as diarreias n�o paravam, eu s� ficava em casa porque poderia precisar do banheiro a qualquer momento. Precisei trancar a faculdade", lembra Vitor.
Com o quadro cada vez mais grave, sua fam�lia insistia para que ele procurasse um pronto-socorro. "Eu tentava disfar�ar dizendo que estava bem. Mas um dia, minha irm� chegou decidida a me levar. Eu fui at� o carro andando, e quando chegamos no hospital, j� n�o sentia minhas pernas. Precisei ser tirado por um seguran�a e fiquei na cadeira de rodas. Ali, senti que algo estava muito errado."
Foi neste dia, 8 abril de 2018, que Vitor recebeu o diagn�stico de HIV.

A contagem de das c�lulas imunol�gicas CD4 em seu corpo estava extremamente baixa. Para compara��o, o �ndice em uma pessoa saud�vel deve ser acima de 500. Quando est� abaixo de 350, indica que a pessoa sofre de Aids. A contagem de CD4 de Vitor no momento do diagn�stico era 2.
"Com tratamento, � poss�vel melhorar o n�mero, mas o �ndice n�o leva em conta a recupera��o imunol�gica. Algumas pessoas apresentam falhas qualitativas importantes nas c�lulas de defesa, e por isso, h� pesquisadores que advogam que, uma vez que o n�mero esteve abaixo de 350, a pessoa sempre ter� Aids", explica Pinheiro.
Na primeira semana de interna��o, Vitor s� lembra de flashes. Algo que o marcou foi uma conversa que ouviu dos m�dicos, que falaram que n�o tratariam o HIV no primeiro momento, j� que haviam outras doen�as oportunistas deixando seu corpo fraco.
Al�m do v�rus da Aids, exames constataram neurotoxoplasmose (infec��o no sistema nervoso central), sarcoma de Kaposi (c�ncer que acomete as camadas mais internas dos vasos sangu�neos) e as infec��es sexualmente transmiss�veis s�filis e HPV.

"Apesar de o HIV ser perigoso, ele pode n�o ser o quadro principal respons�vel pelo �bito. Pelo excesso de medica��es, em um caso com diferentes infec��es oportunistas, � prefer�vel focar no que oferece mais risco", aponta Pinheiro.
Ao todo, Vitor passou quatro meses internado, incluindo dois per�odos na unidade de tratamento intensivo (UTI).
"Perdi os movimentos das pernas e dos bra�os e fiquei dependente dos outros para tudo. Meu corpo do�a muito, e em uma das noites comecei a enxergar tudo vermelho. Foi quando me levaram para a UTI pela segunda vez. L�, fiquei sem visitas, olhando para o teto e sem me mexer. S� ouvindo barulhos de gente morrendo ou aparelhos apitando. Foram dias extremamente dif�ceis", lembra.
A primeira alta aconteceu depois de cerca de tr�s meses, mas, ap�s uma semana em casa tomando rem�dio para uma suposta conjuntivite, Vitor perdeu a vis�o de um olho.
De volta ao hospital, uma oftalmologista especialista em Aids diagnosticou a presen�a de citomegalov�rus ocular (infec��o causa por v�rus da fam�lia da herpes) e recomendou interna��o urgente.
"Eu n�o queria voltar de jeito nenhum, chorei muito, mas fui internado. Tamb�m segui fazendo fisioterapia, e, para me ajudar a recuperar os movimentos, minha m�e colocava uma toalha embaixo do prato de comida e me pedia para tentar fazer a refei��o sozinho. Eu parecia uma crian�a sujando tudo, mas, aos poucos, fui conseguindo", diz.

"Nos meses que passei internado, perdi autonomia, liberdade e privacidade. Meu pai me perguntou: 'Qual � a primeira coisa que voc� quer fazer quando sair daqui? Viajar, ir ao shopping...' E eu respondi que queria tomar um banho em p�, sozinho.
Ele ficou surpreso."
Vitor conta que toda sua fam�lia foi muito carinhosa e essencial no per�odo de tratamento. "Se hoje falo abertamente sobre viver com HIV nas redes sociais e incentivo outras pessoas a fazerem o teste, � s� porque tive rede de apoio muito forte."
As sess�es de fisioterapia para recuperar os movimentos eram dolorosas. "Quando as enfermeiras entravam, fingia estar dormindo para n�o ter passar pelos exerc�cios, que, ao meu ver, n�o ajudavam em nada. Foi s� quando me emocionei ao ver meu polegar do p� se movimentar sutilmente que fiquei mais motivado."
Da cadeira de rodas, Vitor passou a usar um andador, depois um par de muletas e, por fim, andava com o aux�lio de uma bengala - uma evolu��o que levou um ano.

Quando recebeu alta, o CD4 de Vitor era de 40, um n�mero considerado ainda bastante baixo. Por isso, a condi��o para voltar para casa foi que ele retornasse ao hospital todos os dias para receber medicamentos na veia.
"Diziam que eu n�o passaria de 200, que meu caso era muito grave. Foram dias muito dif�ceis. Os medicamentos tiravam minhas for�as." Nos �ltimos dois exames feitos, seu CD4 passava de 470.
Apesar de a taxa n�o representar que ele est� curado, mostra uma boa resposta ao tratamento, que Vitor diz que segue � risca at� hoje, com medicamentos que obt�m no SUS.
Al�m disso, pouco tempo depois de iniciar o tratamento, Vitor chegou ao est�gio de HIV indetect�vel, ou seja, ele n�o transmite o v�rus sexualmente (mesmo que sem prote��o).
De acordo com o infectologista Dyemison Pinheiro, � plenamente poss�vel que, mesmo em quadros graves como foi o de Vitor, nos quais as pessoas t�m sua imunidade parcialmente comprometida irreversivelmente, ainda se possa chegar ao n�vel de HIV indetect�vel conforme o tratamento avan�a - um fator n�o est� atrelado ao outro.
Ele pratica exerc�cios f�sicos regularmente, na academia ou jogando v�lei com a fam�lia, terminou a faculdade e conseguiu um emprego recentemente.
"Por conta do diagn�stico tardio, que levou quase tr�s anos, a Aids me fez perder a vis�o do olho direito, parte da audi��o, e me causou sequelas de um certo atraso de movimento na perna esquerda. Mas me sinto �timo, considero que minha recupera��o foi muito boa, e, hoje, vivo bem."
Nas redes sociais, Vitor incentiva outros homens e mulheres a procurar um teste antes que o v�rus avance no organismo. "Se eu pudesse voltar no tempo, esse seria o conselho que eu daria a mim mesmo. Falaria tamb�m para pesquisar sobre o v�rus e n�o ser influenciado pelo que qualquer pessoa diz. H� vida depois do diagn�stico", diz.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62443380
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!