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Estado de Minas SA�DE

O que n�o dizer a algu�m com c�ncer e outros conselhos de uma sobrevivente

Sarah McDonald enfrentou dois tipos de c�ncer e escreveu um livro que ela espera que sirva de guia para aqueles que sofrem da doen�a e seus c�rculos de apoio


22/11/2022 09:32 - atualizado 22/11/2022 09:33

Sara McDonald no hospital, sorrindo
Sarah McDonald foi diagnosticada com dois c�nceres simult�neos e submeteu-se a tratamentos que duraram nove meses (foto: Sara McDonald)
Receber um diagn�stico de c�ncer � muito dif�cil.

Ningu�m sabe realmente como ir� reagir � not�cia. E o tratamento que vem a seguir � um caminho longo e repleto de incertezas.

A situa��o tamb�m � complicada para amigos e familiares: o que fazer ou o que dizer quando voc� fica sabendo que um ente querido contraiu essa doen�a t�o devastadora?

Em um livro publicado recentemente, uma paciente relata em detalhes sua pr�pria hist�ria, de forma clara, direta e at� engra�ada, oferecendo uma s�rie de conselhos. Ela espera incentivar uma melhor compreens�o entre todas as pessoas afetadas pelo c�ncer.

Em janeiro de 2012, Sarah McDonald, alta executiva no Vale do Sil�cio, foi diagnosticada com uma forma pouco comum de c�ncer chamada carcinoma adenoide c�stico — basicamente, c�ncer de gl�ndula salivar. A doen�a � t�o rara que o pr�prio m�dico que a diagnosticou confessou a ela sua ignor�ncia a respeito.

Ela ainda n�o havia se refeito do impacto quando, dois meses depois, recebeu um segundo diagn�stico: desta vez, de carcinoma ductal invasivo, mais conhecido como c�ncer de mama. A doen�a estava no est�gio 3, ou seja, ela j� havia se disseminado para al�m do tumor.

Aos 44 anos de idade, McDonald havia passado por uma terapia de fertilidade porque queria ter filhos. Mas, agora, enfrentava um tratamento de c�ncer duplo longo e doloroso, que inclu�a sess�es de radia��o e quimioterapia. Suas perspectivas de sobreviv�ncia n�o eram muito boas.

Mas, com a mesma energia, determina��o e organiza��o do seu trabalho rigoroso, ela coordenou os m�dicos, mergulhou fundo nos tratamentos mais agressivos — incluindo os alternativos — e planejou detalhadamente como aproveitar melhor o pouco tempo que ela pensava que ainda tinha de vida.

Leia tamb�m: Sobreviventes do c�ncer: menos rancor e mais disposi��o.
 

Dez anos depois, Sarah McDonald n�o apresenta evid�ncias da doen�a, tem uma filha de seis anos e acaba de escrever um livro sobre suas experi�ncias, The Cancer Channel ("O canal do c�ncer", em tradu��o livre). Ela espera que o livro possa servir de guia n�o s� para as pessoas diagnosticadas com c�ncer, mas tamb�m para o c�rculo mais pr�ximo dos pacientes.

"Eu quis descrever a montanha-russa que � o c�ncer", contou McDonald � BBC News Mundo, o servi�o em espanhol da BBC. "Descrever os momentos muito intensos de desespero ao receber o diagn�stico."


O livro Cancer Channel, de Sarah McDonald
No seu livro, Sarah McDonald compartilha suas experi�ncias e oferece uma s�rie de recomenda��es para as pessoas diagnosticadas com c�ncer e seu c�rculo de amigos e familiares (foto: Sarah McDonald)

O c�ncer produz uma profunda sensa��o de solid�o, segundo a autora. E ela deseja que os pacientes que lerem o livro "sintam-se menos sozinhos, mais reconhecidos e [percebam] que existem outras pessoas que se sentem da mesma forma".

McDonald tamb�m procura oferecer perspectivas �s pessoas que t�m um ente querido com c�ncer. Como relacionar-se com ele, o que fazer por ele, o que dizer e, o mais importante, o que n�o dizer a um paciente com a doen�a.

Mas, al�m de abordar o terror do diagn�stico e a consequente incerteza, suas observa��es tamb�m incluem "os momentos rid�culos, graciosos e at� indignos que a pessoa atravessa", afirma ela.

"� dif�cil n�o achar engra�ado ter ficado sentada em um quarto de um centro m�dico, com o peito nu, enquanto dois m�dicos injetavam no mamilo uma subst�ncia radioativa", explica ela. "Nesse momento, o sentimento � horroroso, mas, com um pouco de tempo e distanciamento, voc� consegue achar engra�ado. � inacredit�vel, mas � a mais absoluta verdade."


Sarah McDonald em tratamento
O tratamento de Sarah McDonald inclui quimio e radioterapia simult�neas (foto: Sarah McDonald)

'Uma hist�ria maluca'

Um dos conselhos ressaltados por McDonald, citando sua pr�pria experi�ncia, � ter a certeza de n�o deixar tudo nas m�os dos m�dicos.

Na primeira vez em que sentiu um caro�o na base da boca, ela foi ao dentista porque achava que fosse uma infec��o. O odontologista explicou que poderia ser uma s�rie de condi��es e a mais grave seria uma forma rara de c�ncer que ele se apressou em descartar.

Leia tamb�m: Acolhimento e individualiza��o s�o novos aliados contra o c�ncer.

Depois de consultar diversos especialistas e submeter-se a uma resson�ncia magn�tica e uma bi�psia, o diagn�stico, de fato, foi de carcinoma adenoide c�stico, um c�ncer das gl�ndulas salivares.

Quando pediu ao m�dico mais explica��es, ele respondeu: "realmente, n�o sei. Estive pesquisando no Google, mas voc� � inteligente e ir� resolver isso."

Neste caso, ela precisou investigar sozinha, mas, por ser uma doen�a muito rara, n�o havia muitas informa��es a respeito, nem sobre a expectativa de vida. "Foi um momento de muita incerteza", relembra ela.

E n�o terminou por a�. Seis meses antes, ela havia sentido um caro�o no seio. Depois de uma mamografia e duas bi�psias, os m�dicos disseram que provavelmente era apenas um cisto. Mas, considerando seu diagn�stico anterior de c�ncer das gl�ndulas salivares, ela pensou que talvez fosse um carcinoma metast�tico.

Os m�dicos garantiram que esse c�ncer n�o se comportava desta forma. Se houvesse met�stase, era mais poss�vel que fosse nos pulm�es ou no c�rebro e isso tamb�m n�o costumava ocorrer em algu�m t�o jovem. Mas eles disseram que poderiam realizar mais exames "se isso a fizesse se sentir melhor".

Ela fez os exames e o resultado foi um c�ncer de mama em est�gio 3.

"Nos dois casos, fui eu que descobri os caro�os e, nos dois casos, eu pressionei os m�dicos para que me fizessem os testes que determinaram o que era aquilo", comenta ela.


Sarah McDonald
Foi preciso pressionar os m�dicos para obter os diagn�sticos precisos e pesquisar a fundo a natureza do c�ncer (foto: Sarah McDonald)

Os dois diagn�sticos a deixaram entorpecida, sentindo-se sozinha. Ela entrou em p�nico, pensando que n�o chegaria ao final do ano.

Ao se recuperar do choque, ela aceitou seu destino e pensou: "se tenho apenas um ano de vida, como quero viver? Como posso morrer de forma mais digna?"

Ela come�ou a ler tudo o que podia sobre a doen�a, incluindo textos complexos, na biblioteca da Universidade Stanford, na Calif�rnia (Estados Unidos). E decidiu com seus m�dicos seguir os m�todos mais agressivos dispon�veis na medicina ocidental, incluindo tratamentos simult�neos de radia��o para o c�ncer de gl�ndula salivar e quimioterapia para o c�ncer de mama.

McDonald p�s em pr�tica suas capacidades administrativas para coordenar os diferentes grupos de m�dicos que tratavam dos dois c�nceres, de forma que um tratamento n�o interferisse nem anulasse o outro.

Curiosamente, a oncologista respons�vel pelo seu c�ncer de mama comentou que n�o havia melhor momento para ter essa doen�a, gra�as ao montante que foi investido na pesquisa e em todos os novos tratamentos existentes.

Mas, com rela��o ao c�ncer de gl�ndula salivar, a situa��o era diferente. N�o existem muitos dados sobre as taxas de sobreviv�ncia. A �nica coisa que se sabia no momento � que ele era incur�vel, segundo ela.

Foram nove meses de tratamento, com efeitos devastadores. A radia��o se intensifica quando administrada ao mesmo tempo que a quimioterapia. "A consequ�ncia � que a minha boca era um lugar muito t�xico", explica McDonald. "Cheguei a contar 21 feridas na boca, sentia como se ela estivesse queimada."


Sarah McDonald fazendo exame
Os efeitos da radia��o s�o intensificados com o tratamento simult�neo de quimioterapia (foto: Sarah McDonald)

Houve um per�odo de tr�s semanas em que ela n�o podia comer e a quimioterapia, �s vezes, tamb�m a deixava exausta. "Uma hist�ria maluca", resume ela. "Estava passando por tratamentos de fertilidade, recebi dois diagn�sticos de c�ncer, o c�ncer do meu pai voltou, tivemos tratamentos simult�neos, eu sobrevivi e ele n�o. Esta � a minha hist�ria."

Seu livro descreve detalhadamente todas essas sensa��es, dores e complica��es, mas ela tamb�m inclui anedotas engra�adas e oferece recomenda��es pr�ticas sobre como superar momentos complicados ou embara�osos.

Alguns exemplos referem-se � queda de cabelo, que � comum com os pacientes que passam por quimioterapia. McDonald comenta os olhares das pessoas ao verem uma mulher completamente careca, sem sobrancelhas nem pestanas. Ela recomenda cobrir a cabe�a com len�os de l�, porque "os len�os de seda escorregam".

E tamb�m conta, com certa gra�a, que a quimioterapia deixa as pessoas com o rosto brilhante. "� um dos melhores desfoliantes da pele. [O processo] tamb�m mata as c�lulas da pele, que s�o rapidamente substitu�das."


Sarah McDonald antes de cortar o cabelo
A queda gradual dos cabelos � uma das consequ�ncias da quimioterapia. Sarah McDonald pediu para ter a cabe�a raspada quando a sua alopecia ficou muito evidente (foto: Sarah McDonald)

Recomenda��es de Sarah McDonald para os pacientes diagnosticados com c�ncer

  • Ningu�m est� preparado para o c�ncer, nem ningu�m � sua volta. Prepare-se para diferentes rea��es por parte das pessoas. Algumas ter�o a��es ou palavras bonitas, outras se isolar�o porque estar�o aterrorizadas com o diagn�stico, mas isso n�o � responsabilidade sua.
  • Informe-se o mais que puder sobre o seu c�ncer antes de comunicar a not�cia � fam�lia, amigos e colegas. Assim, voc� poder� responder melhor �s in�meras perguntas que ir�o surgir.
  • D� adeus �s manicures, pedicures e jacuzzis. S�o poss�veis fontes de infec��o. Os pacientes de quimioterapia t�m o sistema imunol�gico debilitado e � mais dif�cil combater poss�veis v�rus ou bact�rias.
  • Pense duas vezes antes de cozinhar para outra pessoa. Os pacientes de quimioterapia podem perder o paladar e sentir um sabor met�lico na boca. Eles costumam colocar sal demais nos alimentos.

'Silenciar e ouvir'

McDonald tamb�m combinou seus tratamentos m�dicos com terapias alternativas, como ioga e medita��o. Elas ajudaram a lidar com o estresse mental, a mant�-la mais calma, recuperar suas energias e fortalecer sua vontade de seguir adiante.

Ela tirou um ano de licen�a do seu rigoroso trabalho para conhecer melhor sua cidade — S�o Francisco — e suas vizinhan�as, aproveitando tudo o que ela oferecia, como os museus, galerias, concertos e caminhadas ao ar livre pelas praias, bosques e montanhas.

Embora precisasse dirigir por longa dist�ncia para ir aos seus tratamentos, McDonald entrou na academia, fez exerc�cios com pesos e come�ou a correr. Ela administrou seu tempo cuidadosamente para ficar com seu marido e n�o se esquecer de incluir um caf� com uma amiga.

Ela tamb�m incluiu no livro seu contato com o que ela chama de seu "c�rculo pr�ximo", pois o c�ncer � uma doen�a que n�o afeta apenas quem o sofre, mas tamb�m seus parentes e amigos.


Sarah McDonald e marido caminhando em sua cidade
Sarah Mc Donald dedicou-se a conhecer melhor sua cidade - S�o Francisco, nos Estados Unidos - e a fazer longas caminhadas (foto: Sarah McDonald)

"Uma das coisas que os amigos fazem com a melhor das inten��es � perguntar: 'o que posso fazer por voc�?'", ela conta. "Mas, para uma pessoa com c�ncer, � como dizer, 'd�-me uma tarefa' e a pessoa pensa 'meu Deus, al�m de tudo o que preciso administrar, agora tenho que administrar outra pessoa!' Isso pode oprimir voc�."

Em vez disso, ela sugere que a pessoa proponha diretamente o que se oferece a fazer: "gostaria de passar para deixar um sorvete" ou "quero levar seu cachorro para passear", "�s 2 da tarde est� bem para voc�?".

Toda esta comunica��o agora � mais f�cil gra�as � internet. McDonald recomenda usar websites para pacientes, onde eles podem publicar blogs informando como est�o os tratamentos ou como est� a sua agenda. Assim, os interessados podem ler e ficar informados sobre como podem ajudar.

� perfeitamente normal que algu�m tenha curiosidade pelo estado de um amigo ou parente com c�ncer, mas, �s vezes, suas perguntas podem n�o ser sensatas.

"'Quanto tempo voc� tem de vida?' definitivamente n�o � algo que voc� queira ouvir, embora voc� pense muito nisso e seja a realidade", afirma ela. "Talvez, o melhor que voc� pode fazer � silenciar e ouvir. Assim voc� ir� aprender quais assuntos deve abordar, incluindo os mais sens�veis, quando abord�-los e o que fazer."

McDonald criou um website (thecancerchannelbook.com), no qual ela publica suas listas do que fazer e do que dizer para pacientes e seus familiares pr�ximos.

Coisas que voc� n�o deve dizer a algu�m com c�ncer

  • "Diga o que posso fazer por voc�." Isso � injusto, pois a pessoa com c�ncer j� tem muito com o que lidar e agora precisar� buscar uma tarefa para voc� fazer.
  • "Eu nunca conseguiria passar pelo que voc� est� passando." Pode parecer um elogio, mas ningu�m decide ter c�ncer, nem se torna um her�i quando desenvolve a doen�a. A pessoa simplesmente faz o melhor que puder para manter-se vivo, como voc� tamb�m faria.
  • "Sua atitude me encanta." Na verdade, me d� raiva ter c�ncer, mas receio que, se expressar como me sinto, as pessoas � minha volta n�o ir�o se sentir muito bem comigo. Por isso, finjo ter boa atitude.
  • "Tenho uma tia que teve c�ncer." Cada c�ncer � diferente e seus tratamentos e protocolos mudam todos os dias. A experi�ncia da sua tia ser� muito diferente da minha.

'N�o � necessariamente uma senten�a de morte'

O livro The Cancer Channel surgiu do impulso de querer descrever sua experi�ncia, com seus altos e baixos f�sicos e emocionais, para que outras pessoas rec�m-diagnosticadas possam se identificar, n�o se sentir t�o sozinhas e entender o que podem esperar.

Os m�dicos podem falar do ponto de vista cient�fico, do tratamento, dos medicamentos etc. Mas Sarah McDonald queria compartilhar sua hist�ria no dia a dia, com as coisas pr�ticas, as curiosidades e disparates, "como se estivesse explicando � minha melhor amiga o que ela deve esperar se estiver passando pelo mesmo que eu".

Quando estava no meio do tratamento, j� havia perdido o cabelo e precisava desenhar as sobrancelhas a l�pis, McDonald conta que uma mulher a abordou em uma loja. "Ela me disse, 'sa� do tratamento h� cinco anos e s� queria mostrar que estou aqui, com vida, e que existe algo esperando voc� do outro lado'."Foi incr�vel ouvir algu�m que teve c�ncer e me dizia que n�o precisa necessariamente ser uma senten�a de morte. Agradeci muito", ela conta.

Dez anos depois do seu duplo diagn�stico, McDonald encontra-se no estado conhecido como "nenhuma evid�ncia da doen�a".


Sarah McDonald, marido e filha
Sarah McDonald suspendeu seu tratamento com medicamentos inibidores de horm�nios para poder ficar gr�vida e ter sua filha, Rory (foto: Sarah McDonald)

� claro que ela precisa monitorar permanentemente o seu estado, especialmente o c�ncer de gl�ndula salivar, e continuar tomando medicamentos.

Mas, alguns anos depois do fim da radia��o e da quimioterapia e de come�ar o tratamento com rem�dios inibidores dos horm�nios, McDonald considerou a possibilidade de ter um filho por meio de uma m�e substituta. At� que ela conheceu um estudo na Europa sobre mulheres que interromperam sua medica��o, conseguiram ficar gr�vidas e, depois de dar � luz, retomaram o regime farmacol�gico.

"No tempo que resta, na sua curta, mas preciosa vida, o que voc� quer fazer?", perguntou-se ela. A resposta veio na forma da sua filha Rory, que agora tem seis anos de idade. "Depois de um diagn�stico de c�ncer, tudo se reduz a uma �nica coisa: viver. O resto � ru�do", afirma McDonald. "Priorizo acima de tudo minha filha, meu marido e minhas amizades. No final, o que vale � como n�s amamos e quem n�s amamos."

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63703509


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