
Pela primeira vez, um medicamento se mostrou capaz, em experimentos com volunt�rios, de desacelerar a destrui��o do c�rebro pela doen�a de Alzheimer.
O sucesso da pesquisa, divulgada na ter�a-feira (29/11) na revista cient�fica New England Journal of Medicine, encerra d�cadas de fracassos em tratamentos experimentais contra o Alzheimer, a forma mais comum de dem�ncia.
No entanto, o medicamento, o lecanemab, ainda mostrou algumas limita��es: seu efeito foi moderado e trouxe alguns riscos. Exames de imagem mostraram a ocorr�ncia de hemorragias cerebrais em 17% dos participantes e de incha�o cerebral em 13%. Entre os volunt�rios, 7% tiveram que deixar os testes devido a efeitos colaterais.
O lecanemab ataca a gosma pegajosa que se acumula no c�rebro de pessoas com Alzheimer, a chamada beta-amiloide. A droga funciona nos est�gios iniciais da doen�a, ent�o boa parte das pessoas n�o se beneficiaria com ela, j� que � frequente que a condi��o s� seja investigada ap�s a apari��o de sinais — muitas vezes, em est�gios relativamente avan�ados.
O centro de pesquisa brit�nico Alzheimer's Research UK afirmou que os resultados s�o "importantes".
Um dos primeiros pesquisadores do mundo a propor tratamentos que atinjam a amiloide, h� mais de 30 anos, o professor John Hardy avaliou que o experimento � "hist�rico" e mostra que "estamos vendo o in�cio de tratamentos contra o Alzheimer".
A professora Tara Spires-Jones, da Universidade de Edimburgo, afirmou que os resultados s�o "importantes porque tivemos uma taxa de falha de 100% por muito tempo".
Atualmente, pessoas com Alzheimer recebem medicamentos para controlar seus sintomas, mas nenhum muda o curso da doen�a diretamente.
O lecanemab � um anticorpo — como aqueles que o corpo produz para atacar v�rus ou bact�rias — projetado para mandar o sistema imunol�gico limpar a amiloide do c�rebro.
A amiloide � uma prote�na que se aglomera nos espa�os entre os neur�nios no c�rebro e forma placas bastante caracter�sticas da doen�a de Alzheimer.
O estudo em larga escala envolveu 1.795 volunt�rios em est�gio inicial da doen�a de Alzheimer. Infus�es de lecanemab foram administradas quinzenalmente.
Os resultados, apresentados na confer�ncia Clinical Trials on Alzheimer's Disease em S�o Francisco, Estados Unidos, n�o revelam uma cura milagrosa. A doen�a continuou a deteriorar as fun��es cerebrais das pessoas, mas esse decl�nio foi retardado em cerca de um quarto ao longo dos 18 meses de tratamento.
Os dados j� est�o sendo avaliados por �rg�os reguladores dos EUA, que em breve decidir�o se o lecanemab pode ser aprovado para uso mais amplo. Os desenvolvedores da droga, as empresas farmac�uticas Eisai e Biogen, planejam solicitar essa permiss�o no pr�ximo ano em outros pa�ses.

David Essam, que tem 78 anos e � de Kent, no Reino Unido, participou dos ensaios cl�nicos.
A doen�a o obrigou a abrir m�o do trabalho como marceneiro — ele n�o se lembrava mais de como usar suas ferramentas ou construir um arm�rio. Ele agora usa um rel�gio digital, pois n�o consegue ver as horas usando um rel�gio anal�gico.
"Se algu�m puder desacelerar [o Alzheimer] e, eventualmente, par�-lo de uma vez, seria brilhante. � simplesmente uma coisa horr�vel", diz David, referindo-se � doen�a.
Sua esposa, Cheryl, lamenta mudan�as j� muito percept�veis no marido, mas afirma que a participa��o nos ensaios cl�nicos trouxe esperan�a � fam�lia.
"Ele n�o � o homem que j� foi. Ele precisa ajuda com a maioria das coisas e, em geral, sua mem�ria quase n�o existe mais", diz a esposa.
Existem mais de 55 milh�es de pessoas no mundo como David e o n�mero de pessoas com a doen�a de Alzheimer deve passar de 139 milh�es at� 2050, segundo proje��es.
Limita��es
H� um debate entre cientistas e m�dicos sobre o impacto do lecanemab no "mundo real".
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Os melhores resultados foram encontrados nas avalia��es individuais de sintomas. Trata-se de uma escala de 18 pontos, variando de normal � dem�ncia grave. Aqueles que receberam o medicamento tiveram 0,45 ponto a mais.
A professora Tara Spires-Jones disse que foi observado um "pequeno efeito" da droga na doen�a, mas "mesmo que n�o seja algo t�o impactante, eu aceitaria".
Susan Kohlhaas, do Alzheimer's Research UK, disse que foi um "efeito modesto, mas que nos d� um pouco de ch�o". Para ela, a pr�xima gera��o de medicamentos contra o Alzheimer deve ser melhor.
Uma quest�o crucial � o que acontecer� ap�s os 18 meses do experimento, e as respostas ainda s�o especula��es.
A m�dica Elizabeth Coulthard, que trata pacientes na rede p�blica de Bristol, diz que as pessoas t�m, em m�dia, seis anos de vida independente desde que o comprometimento cognitivo leve come�a.

Se o decl�nio for reduzido em um quarto, como observado nos ensaios cl�nicos, isso daria mais 19 meses de vida independente — mas, por enquanto, isso � apenas uma suposi��o, diz ela.
� at� cientificamente plaus�vel que a efic�cia possa ser maior em ensaios mais longos.
O surgimento de medicamentos que alteram o curso da doen�a levanta grandes quest�es sobre se os servi�os de sa�de estariam prontos para us�-los.
As drogas devem ser administradas no in�cio da doen�a, antes que ocorram muitos danos ao c�rebro, mas um percentual muito pequeno de pessoas faz exames precoces para detectar o Alzheimer.
"H� um enorme abismo entre o atendimento prestado hoje e o que precisamos fazer para oferecer tratamentos que alteram o curso da doen�a", diz Coulthard.
Alguns cientistas tamb�m enfatizaram que a amiloide � apenas uma pe�a do complexo quadro da doen�a de Alzheimer e n�o deveria ser o �nico foco das terapias.
O sistema imunol�gico e processos inflamat�rios est�o fortemente envolvidos na doen�a, al�m de outra prote�na t�xica, chamada tau — encontrada onde as c�lulas cerebrais est�o realmente morrendo.
"� onde eu apostaria meu dinheiro", opina Spires-Jones. "Estou muito animada por estarmos prestes a entender suficientemente o problema. Devemos ter algo [tratamento] que far� uma diferen�a maior em uma d�cada ou mais."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63803472