Aos oito meses de vida, Raiza passou pela primeira cirurgia para corrigir o l�bio. No total, ela j� fez quatro procedimentos, incluindo um enxerto labial
-
12:00 - 07/10/2019 Hospital da Baleia oferece tratamento gratuito para crian�as com l�bio leporino
-
07:36 - 19/12/2022 'Me arrependo de ser m�e, n�o da minha filha': as mulheres com sentimentos negativos sobre a maternidade
-
06:51 - 08/12/2022 Mulheres est�o ficando mais 'bravas'? O que mostram 10 anos de pesquisa
"O meu diagn�stico foi uma surpresa, a minha m�e n�o sabia do que se tratava e na minha fam�lia n�o havia caso da fissura labiopalatina. Naquela �poca, n�o tinha internet, as informa��es eram mais escassas, minha m�e conta que teve que buscar informa��o tudo de forma manual, conversando com as pessoas e com os m�dicos", conta a maquiadora.
Logo aos oito meses de vida, Raiza passou pela primeira cirurgia para corrigir o l�bio. No total, ela j� fez quatro procedimentos, incluindo um enxerto labial - os procedimentos fecharam a fissura no l�bio, no c�u da boca e repararam a malforma��o na gengiva. A fissura de Raiz � unilateral e afeta o nariz e a boca do lado esquerdo do rosto. Outras duas cirurgias ainda devem ser feitas.
"Tamb�m coloquei um aparelho interno no ouvido esquerdo - por causa da malforma��o, tive perda da audi��o. Para terminar meu tratamento, ainda falta fazer uma cirurgia para reparar o meu nariz e outra para deslocar a mand�bula", acrescenta Raiza.
Leia tamb�m: � poss�vel ser gorda e feliz: modelo argentina luta contra gordofobia.

Raiza passou pela primeira cirurgia para corrigir a fissura labiopalatina aos oito meses
Arquivo pessoalJ� s�o mais de duas d�cadas de tratamento e acompanhamento com uma equipe multidisciplinar composta por diversos especialistas como fonoaudi�logo, dentistas, otorrinolaringologistas, psic�logos e cirurgi�es pl�sticos.
Preconceito
Raiza afirma que os procedimentos cir�rgicos e a recupera��o nunca foram um problema. Por�m, lidar com os olhares das pessoas e o preconceito foi algo que a fez por muito tempo tentar se esconder do mundo.
Leia tamb�m: Fissura labiopalatina: m�-forma��o cong�nita.
Segundo a maquiadora, a adolesc�ncia foi a pior fase. Por ser v�tima de bullying na escola, ela tentava cobrir a cicatriz e corrigir imperfei��es causadas pela fissura labiopalatina com maquiagens e evitava at� mesmo falar para que os outros alunos n�o fizessem piadas com sua voz, que tinha tom anasalado devido � malforma��o.

'Para terminar meu tratamento, ainda falta fazer uma cirurgia para reparar o meu nariz e outra para deslocar a mand�bula', diz Raiza
Arquivo pessoal"A minha inf�ncia foi bem tranquila, eu brincava, sorria, n�o tinha muito entendimento da situa��o e, para mim, era tudo normal. J� na adolesc�ncia foi quando eu conheci o preconceito. Ter que ir para escola era muito dif�cil porque eu queria me enquadrar no meio dos outros alunos, mas nem sempre conseguia, ent�o evitava sair, conversar e tive um bloqueio psicol�gico onde eu nunca falava sobre a minha fissura, o assunto me machucava bastante", conta.
Exposi��o nas redes sociais
Foi aos 21 anos que a maquiadora conta que passou a se aceitar novamente e ent�o decidiu come�ar a falar sobre o assunto nas redes sociais. Al�m do seu perfil pessoal, ela criou a p�gina Beleza Fissurada no Instagram, dedicada totalmente ao tema.

Para Raiza, lidar com os olhares preconceituosos foi o maior desafio
Arquivo pessoalNas redes sociais, a maquiadora produz conte�dos sobre autoestima, empoderamento feminino e aborda a quest�o do padr�o de beleza irreal imposto pela sociedade em geral. A maioria dos seguidores, cerca de 80%, s�o pessoas com fissura labiopalatina, e Raiza se tornou uma ativista da causa.
"Hoje a fissura, para mim, � um prop�sito. Quando eu era adolescente, nunca tive uma pessoa que fosse fissurada para eu me inspirar, ent�o eu tive que ser a minha pr�pria inspira��o. Por isso, busco falar do assunto mostrando as dificuldades e tamb�m que � poss�vel ter uma vida normal", diz.
E foi justamente atrav�s das redes sociais que Raiza foi ganhando espa�o e tamb�m passou a fazer palestras sobre o tema. Durante uma a��o social que foi como convidada, ela conheceu a modelo Isabel Hickman, que tem um filho que nasceu com a fissura, e foi indicada para ser a primeira mulher com a condi��o a fazer um ensaio fotogr�fico para a revista Vogue de Portugal.
Ap�s as fotos, publicadas na edi��o de dezembro, diversas portas se abriram para a maquiadora, que recebeu convites de marcas de maquiagem para propagandas, principalmente de batons.

'Hoje a fissura �, para mim, um prop�sito', afirma a maquiadora
Arquivo pessoal"Representar a causa, para mim, tem sido um legado. A gente precisa trazer mais informa��es sobre o tema, ainda existe uma car�ncia muito grande para essas pessoas. � preciso desmistificar o assunto, trazer a verdade e n�o romantizar os desafios", finaliza.
O que � a fissura labiopalatina
A fissura labiopalatina � a malforma��o craniofacial mais comum no nascimento, atingindo um a cada 650 beb�s no Brasil. Durante a gesta��o, podem ocorrer falhas na forma��o facial, levando ao aparecimento da fissura labial (l�bio aberto) e da fissura palatina ("c�u da boca aberto").
H� dois tipos de fissuras e a distin��o entre elas est� ligada aos fatores que levam a sua ocorr�ncia. As fissuras n�o sindr�micas - mais comuns, com 70% dos casos registrados -, t�m origem multifatorial, ou seja, intera��es entre fatores ambientais e gen�ticos. Os fatores ambientais mais conhecidos que s�o de risco para as fissuras s�o: bebida alco�lica, cigarros e alguns medicamentos como corticoides e anticonvulsivantes, quando utilizados pela m�e no primeiro trimestre da gesta��o.
J� as fissuras sindr�micas podem ser causadas por muta��es g�nicas e por altera��es cromoss�micas. "J� nos primeiros ultrassons, normalmente feitos aos tr�s meses de gesta��o, � poss�vel diagnosticar a presen�a das fissuras. Ap�s o diagn�stico, a gestante precisa ser encaminhada para servi�os especializados para receber a orienta��o de todos os cuidados que o beb� vai precisar receber ap�s o nascimento", explica Daniela Franco Bueno, cirurgi� dentista, membro do corpo cl�nico do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus e Hospital S�rio-Liban�s.
O Hospital Municipal Infantil Menino Jesus (HMIMJ), gerido pelo Instituto de Responsabilidade Social S�rio Liban�s, � refer�ncia para os pacientes nascidos com fissuras labiopalatinas na capital paulista. Por meio do programa M�e Paulistana, os beb�s de maternidades p�blicas da cidade de S�o Paulo que nascem com a malforma��o s�o encaminhados para o HMIMJ, onde fazem o tratamento com a equipe multidisciplinar gratuitamente.
Tratamento
O tratamento da fissura labiopalatina � complexo, envolve uma equipe multidisciplinar e se estende por grande parte da vida do paciente. Tudo � oferecido gratuitamente pelo SUS (Sistema �nico de Sa�de).
O indicado � que logo nos primeiros meses de vida sejam colocados modeladores nasais e aparelhos ortop�dicos funcionais intra-bucais, quando necess�rio, e ent�o, entre 3 e 6 meses de idade, � realizada a cirurgia de queiloplastia (para fechar o l�bio).
"O acompanhamento deve come�ar na gesta��o porque essas crian�as v�o ter alguma dificuldade de alimenta��o, principalmente no caso de fissuras mais amplas, e a depender da extens�o, pode comprometer a amamenta��o e alimenta��o desse beb�", explica o m�dico Cristiano Tonello, chefe do departamento Hospitalar do HRAC-USP (Hospital de Reabilita��o de Anomalias Craniofaciais da USP), refer�ncia no tratamento da fissura labiopalatina, no interior de S�o Paulo. Atualmente, cerca de 50 mil pessoas fazem acompanhamento no hospital pelo SUS.
Com aproximadamente 18 meses, � realizada a palatoplastia (para fechar o palato) e, aproximadamente, entre 7 e 12 anos � realizado o enxerto �sseo alveolar - onde se tira o osso da crista il�aca (bacia) e coloca para fechar o osso alveolar (osso embaixo da gengiva). Esse procedimento tamb�m pode ser realizado na fase adulta.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-64343736
*Para comentar, fa�a seu login ou assine