Depois de muita investiga��o, Susannah foi diagnosticada com doen�a que ataca habilidades fundamentais do c�rebro
Cahalan estava apavorada e seus m�dicos, desconcertados. At� que, depois de v�rias convuls�es e uma s�rie de diagn�sticos errados, ela foi hospitalizada. Isso aconteceu em Nova York, nos Estados Unidos.
A seguir, conhe�a sua hist�ria.

Depois de v�rias convuls�es e uma s�rie de diagn�sticos errados, Susannah foi hospitalizada
Arquivo pessoalA Times Square � um dos lugares mais desagrad�veis da cidade de Nova York, repleta de outdoors, lojas e cadeias de restaurantes. E, para chegar � reda��o do The New York Post, eu precisava atravessar o inferno de Times Square.
Enquanto caminhava pela multid�o naquela manh�, entre os outdoors com luzes brilhantes, alguma coisa pareceu muito diferente, como se eu fosse hipersens�vel aos sons, � vis�o, ao olfato. Tudo foi amplificado.
Senti que as luzes brilhantes estavam me deixando fisicamente doente, senti uma press�o no cr�nio. As luzes me deram n�useas e eu quis sair dali o mais r�pido poss�vel.
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Eu n�o sabia naquele momento, mas existe algo chamado fotofobia, que � uma sensibilidade aguda � luz, que pode ocorrer antes de uma convuls�o.
Quando cheguei ao jornal, minhas emo��es estavam � flor da pele. Eu falava muito r�pido e tinha muitas ideias grandiosas sobre a minha carreira. Cheguei a levar meu editor para um canto e contei a ele todos os meus sonhos, o que foi muito perturbador fora de contexto. Ele n�o entendia o que estava acontecendo.
Sou uma pessoa entusiasmada. N�o foi necessariamente um desvio completo da minha personalidade, mas sim uma amplifica��o. Tive em seguida uma sensa��o estranha no corredor, que estava repleto de primeiras p�ginas emolduradas. O New York Post � um tabloide conhecido por suas manchetes escandalosas e elas estavam me olhando com lasc�via. Senti que as paredes respiravam e que o teto, de repente, estava nas nuvens.
Mas nem tudo era euforia. Eu me escondi embaixo da mesa porque estava chorando histericamente. Caminhei por aquele corredor aos trancos e uma amiga me retirou da sala da reda��o. Ela percebeu que algo estava acontecendo.
No m�s anterior, eu havia ficado muito deprimida. Tinha dificuldade para me levantar da cama e uma n�voa mental completa. N�o tinha motiva��o. Eu estava esgotada.
Dias depois, Susannah Cahalan come�ou a sentir algo mais f�sico e realmente alarmante.
Eu tinha uma sensa��o de intumescimento do lado esquerdo e nos dedos das m�os e dos p�s. Aquilo me assustou o suficiente para ir a um neurologista e fazer alguns exames. Todos deram negativo. Stephen, meu namorado, acordou um dia com o ru�do dos meus dentes rangendo muito forte. Ele me chamou pelo nome e meus bra�os voaram � minha frente muito r�gidos, quase como Frankenstein ou como uma m�mia caminhando.

'A ideia de que grande parte do mundo era um cen�rio era um del�rio que eu tinha com muita frequ�ncia'
Arquivo pessoalNaquele momento, comecei a tremer com movimentos irregulares. Foi uma convuls�o em todo o corpo. Ele nunca havia visto algo assim, mas me colocou de costas, que � exatamente o que se deve fazer caso algu�m tenha um ataque para n�o se afogar, e ligou para o telefone de emerg�ncia.
Uma ambul�ncia a levou para o hospital e Cahalan voltou a si em um quarto com outros pacientes. E viu o caos ao seu redor.
Aquele ambiente amplificou minha psicose e paranoia.
Eu acordei com a certeza de que os m�dicos haviam me dado um diagn�stico errado, que eu estava morrendo, e comecei a gritar com eles. Foi uma total mudan�a de personalidade depois daquela convuls�o. Em muitos sentidos, a primeira convuls�o representa uma quebra. H� um antes e um depois.
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Parei de dormir. Eu passeava pela casa em vez de dormir. Houve um momento em que acordei minha m�e no meio da noite porque estava parada ao lado da cama, olhando para ela.
Cheguei ao ponto em que ela precisou dormir comigo para ter certeza de que eu n�o iria me machucar. Tamb�m comecei a ter um novo sintoma, de lamber os l�bios quase o tempo todo.
E, enquanto tudo isso acontecia, eu continuava tendo convuls�es.
Assim que voltei ao m�dico, ele me disse que eu tinha um v�rus e me fez uma s�rie de perguntas. Uma delas foi quanto eu bebia por dia. Respondi que tomava uma ou duas ta�as de vinho � noite.
Mas o m�dico anotou uma ou duas garrafas de vinho por noite, o que mudou completamente a forma como ele me observava e via o que estava acontecendo comigo – e, mais tarde, o que veriam outros m�dicos quando observavam o mesmo hist�rico cl�nico.
Cahalan foi tomada pela paranoia, at� que, um dia, fez um eletroencefalograma.
A t�cnica respons�vel pela eletroencefalografia disse que o exame n�o mostrava nada e que ela sempre via isso acontecer com pessoas de Wall Street, que chegavam estressadas e n�o acontecia nada. “Tudo est� na sua cabe�a”, ela garantiu.
Ao sair dali, voltei para a sala de espera do consult�rio. Minha m�e e meu padrasto estavam sentados me esperando. Eu me lembro de olhar pelo quarto e acreditar que minha m�e e meu padrasto haviam contratado todas as pessoas em volta e que todos eram atores – at� a t�cnica que me fez o estudo – que estavam tentando me dar uma li��o.
Esta artificialidade, esta ideia de que grande parte do mundo era um cen�rio, era um del�rio que eu tinha com muita frequ�ncia. Eu me senti superior porque acreditava que havia descoberto a eles, que era mais inteligente do que todos eles e sabia o que estava acontecendo. A psicose pode transformar-se em uma deifica��o de voc� mesmo, um sentimento de que voc� � Deus e tem superpoderes. Eu sentia que tinha controle total.
A m�e de Cahalan acompanhava muito de perto o que acontecia para tentar ajud�-la. Ela procurava estar sempre com a filha, mas, um dia, decidiu deix�-la passar a noite na casa do seu pai.
Naquela �poca, meu pai e eu n�o �ramos t�o pr�ximos como somos hoje e eu n�o conhecia bem a casa dele. Foi um elemento totalmente novo que me inquietou e amplificou minha psicose.
A casa do meu pai tem um quarto cheio de recorda��es da guerra civil. Minha percep��o naquele momento foi que aquele era um ambiente muito assustador.
H� um grande quadro de um trem. Lembro que a fuma�a sa�a da moldura e parecia mover-se, como em uma ilus�o de �ptica.
Em algum momento, olhei para o busto de Abraham Lincoln que o meu pai guardava e tinha certeza de que ele me seguia com o olhar. Depois, comecei a ouvir sons do meu pai machucando minha madrasta. Eu a ouvi gritar, eu a ouvi lutando.
Nada estava acontecendo, tudo estava na minha cabe�a. Mas ouvi muito claramente. Subi correndo tr�s andares e me escondi no banheiro.
Meu pai me ouviu gritar e tentou entrar no banheiro, mas n�o deixei. Pensei seriamente em pular pela janela para escapar dele, j� que estava certa de que seria a pr�xima v�tima.
At� que uma est�tua de Buda no banheiro sorriu para mim. Por alguma raz�o, aquilo me acalmou e n�o pulei. Mas meu pai levou horas para me convencer a sair dali. Eu n�o queria nenhum contato com ele, estava apavorada.
Quando ele me tirou do banheiro, ligou para minha m�e e disse: “precisamos fazer algo, isso est� saindo do controle”.
Eles levaram Cahalan de volta ao hospital e ela teve uma convuls�o assim que chegou. Ela foi levada diretamente � sala da epilepsia, onde passou um m�s. Come�ava ali o “m�s de investiga��o da loucura”.
T�nhamos imunologistas fazendo diversos exames, reumat�logos, pessoas vinham ver se era c�ncer, se era doen�a de Lyme, alguma doen�a autoimune... Fizeram pun��es lombares, resson�ncias magn�ticas, tomografias computadorizadas, tomografia PET – e tudo dava negativo.

'Tentei fugir v�rias vezes, dei socos e pontap�s nas enfermeiras. Colocaram um guarda me vigiando 24 horas por dia'
Arquivo pessoalNas duas primeiras semanas, fiquei muito, muito psic�tica. Meu del�rio sobre o meu pai e minha madrasta continuava no hospital. Eu acreditava que meu pai realmente havia assassinado minha madrasta e achei que os outros pacientes fossem rep�rteres disfar�ados, coletando informa��es sobre mim.
Meu estado emocional era de medo extremo e paranoia, como se estivesse sendo atacada, sofrendo ass�dio. Mas tamb�m era marcado por momentos quase m�sticos, como se eu tivesse o poder de rejuvenescer ou envelhecer as pessoas com a mente. Era uma arma extremamente comovente e poderosa.
Um dia, enquanto estava internada, Cahalan estava na cama segurando um telefone celular desligado. Ela estava muito agitada, com os olhos um tanto saltados.
Ela exclamou “estou no notici�rio”. Ela pensava que estava vendo a si pr�pria na televis�o e que seu celular havia sido interceptado.
Arranquei o soro, tirei os fios do eletrocardi�grafo e corri de um lado para outro no corredor. Na verdade, eu estava tentando fugir.
Tentei fugir v�rias vezes, dei socos e pontap�s nas enfermeiras. Colocaram um guarda me vigiando 24 horas por dia. Um dia, a psicose foi embora, mas veio algo pior no seu lugar. Eu parei de falar, conseguia apenas caminhar, tinha problemas para engolir l�quidos e comecei a me deitar r�gida como uma t�bua, deixando os bra�os levantados e im�veis por horas.O m�dico descreveria aquilo como catatonia e a evolu��o seguia no caminho errado.
At� que veio o doutor Souhel Najjar. Ele me entregou uma folha de papel e pediu para desenhar um rel�gio. Parece que desenhei o c�rculo v�rias vezes, foi muito dif�cil. Depois, comecei a escrever os n�meros de 1 a 12 e tamb�m levei muito tempo.
Por fim, consegui desenhar tudo e, quando ele viu o que eu tinha feito, ficou sem f�lego. Eu havia colocado todos os n�meros, do 1 ao 12, no lado direito do rel�gio. O lado esquerdo estava completamente em branco.
Ali ele percebeu que havia algo de errado com o lado direito do meu c�rebro, que � respons�vel pelo campo de vis�o esquerdo. De alguma forma, aquela foi a comprova��o de que algo no meu c�rebro estava acontecendo em n�vel neurol�gico.
Ele saiu do quarto com meus pais e as primeiras palavras que sa�ram da sua boca foram: “o c�rebro dela est� em chamas. Seu c�rebro est� sendo atacado pelo pr�prio corpo.”
Ele me tomou as m�os e disse: “vamos resolver isto”.
Quando Najjar disse que o c�rebro de Susannah Cahalan estava em chamas, ele quis dizer que havia uma inflama��o dentro do c�rebro. Os sintomas s�o parecidos com os comportamentos de doen�as psiqui�tricas como a esquizofrenia, mas existem causas f�sicas conhecidas.
Najjar suspeitou que a causa fosse uma doen�a autoimune – e ele tinha raz�o. Um m�dico da Universidade da Pensilv�nia, nos Estados Unidos, viria a diagnosticar Cahalan como a 217ª pessoa do mundo a ter encefalite autoimune contra o receptor NMDA.
Esta doen�a ataca alguns dos elementos mais fundamentais do c�rebro, relacionados � mem�ria, ao aprendizado e ao comportamento.
Quando foi diagnosticada, Cahalan j� n�o conseguia ler, escrever nem falar. Ela conseguia apenas caminhar. Foi receitado um tratamento com esteroides.
Najjar estava otimista. Ele disse que eu recuperaria 80% a 90% de mim mesma. E, cerca de um ano e meio depois, pude dizer: “aqui estou de volta, completamente”.
* Esta reportagem � um resumo do depoimento de Susannah Cahalan para o programa de r�dio “Outlook”, do Servi�o Mundial da BBC.
Ou�a o epis�dio “They Said My Brain was ‘on Fire’” (em ingl�s), que deu origem a esta reportagem, no site BBC Sounds.
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