De acordo com a Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, uma em cada quatro gesta��es conhecidas termina em aborto espont�neo
De acordo com a Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, uma em cada quatro gesta��es conhecidas termina em aborto espont�neo.
A estimativa � de que a porcentagem real seja ainda maior, j� que a grande maioria dos abortos espont�neos (que ocorrem principalmente devido a uma anormalidade cromoss�mica) ocorre nas primeiras semanas, �s vezes at� mesmo antes de a mulher descobrir a gesta��o.
Leia tamb�m: Uma mulher morre a cada dois minutos seja na gravidez ou no parto, diz ONU.
No entanto, para muitos especialistas em luto gestacional ou perinatal — que trata da perda do embri�o desde qualquer idade at� a morte ap�s o nascimento —, esse sigilo em torno das primeiras semanas de gravidez pode ser contraproducente.
N�o falar sobre um aborto espont�neo caso ocorra, dizem especialistas e mulheres que j� passaram por isso, invalida e torna invis�vel um luto que para muitos costuma ser um per�odo extremamente doloroso.
‘Ningu�m conseguiu am�-lo’
Os estudos de luto perinatal mostram que, de fato, "quando houve um aborto na 8ª ou 9ª semana, para dar um exemplo, a dor dessa m�e que perdeu o filho se mistura � dor de perder um filho que nunca existiu e que nunca conseguiu contar sobre ele a ningu�m.”
� assim que explica � BBC News Mundo (servi�o em espanhol da BBC) Andrea Von Hovelin, ginecologista que fez parte da equipe de assessoria da Lei Dominga, promulgada no Chile em 2021, que estabelece um protocolo universal em hospitais e cl�nicas sobre a perda perinatal.
Mas quando a not�cia � compartilhada, pode acontecer o contr�rio, diz a especialista. "�s vezes h� um elemento de consolo em saber que os av�s passaram a am�-lo, ou h� um elemento de despedida como os sapatinhos que seu tio lhe deu."
"A sensa��o de que se escondermos a exist�ncia da gravidez, se ela for perdida, vai doer menos, � muito tendenciosa, muito masculina", diz Von Hovelin.
Leia tamb�m: Vivo luto por beb� que nunca gerei: o drama de quem tem gravidez psicol�gica.
“H� momentos em que os pais ficam mais aliviados por n�o ter que contar, mas a experi�ncia que voc� ganha com as hist�rias das mulheres � o contr�rio. Elas te dizem: nunca ningu�m chegou a querer ele, ele nunca existiu. Eu tive esse filho, quero coloc�-lo na minha biografia e ningu�m soube dele.Se ningu�m sabia, como fa�o para justificar meu luto?”

N�o falar sobre um aborto espont�neo caso ocorra, dizem especialistas e mulheres que j� passaram por isso, invalida e torna invis�vel o luto
Getty ImagesPor outro lado, abortos nessa fase inicial tendem a gerar pouca empatia, diz a especialista. “Quando algu�m quer fazer algum tipo de vel�rio ou rito de despedida para essa crian�a, muitas vezes o que se encontra no ambiente � deboche ou incompreens�o franca ou evasiva”.
“Te dizem coisas como: voc� precisa pensar no seu outro filho, ou ao menos sabe que � uma pessoa f�rtil. Coisas que, mesmo com as melhores inten��es, nos impedem de expressar e invalidam completamente a exist�ncia daquele filho, como se fossemos ficar patologicamente de luto, quando na verdade foi demonstrado que os lutos que se encerram t�m um melhor progn�stico do ponto de vista da sa�de mental”, comenta.
“Me diziam frases como ‘mas ainda nem estava formado, a natureza � s�bia e mata ovos ruins’. Eu entendo isso racionalmente, mas para mim n�o era um ovo ruim, era meu filho”, diz Von Hovelin, que sofreu um aborto espont�neo durante o primeiro trimestre da gravidez. "Sim, a natureza � s�bia, mas tremendamente cruel. E, nesse momento, para mim era mais cruel do que s�bia", se recorda.
N�o s�o as semanas, � a sua proje��o

Imagem de uma ultrassonografia
Getty ImagesAvaliar o impacto psicol�gico de uma perda gestacional no primeiro trimestre � algo complexo. "Eles me diziam frases como 'ei, mas ainda nem estava formado, a natureza � s�bia: mata ovos ruins'. Eu entendo isso racionalmente, mas para mim n�o era um ovo ruim, era meu filho", ele diz Von Hovelin, que sofreu um aborto espont�neo durante o primeiro trimestre da gravidez. "Sim, a natureza � s�bia, mas tremendamente cruel. E, naquela �poca, para mim era mais cruel do que s�bia", lembra.
Embora tendemos a pensar que quanto mais avan�ada a gravidez, maior a dor, essa n�o � uma rela��o matem�tica. Um aborto espont�neo nas primeiras semanas tamb�m pode ter um impacto profundo em algumas mulheres ou casais.
“Varia largamente de pessoa para pessoa, dependendendo do seu pr�prio perfil psicol�gico, sua hist�ria de perdas, o apoio ao seu redor e inclusive como se sente em rela��o ao seu corpo, porque, infelizmente, escutamos muitas mulheres que nesses casos dizem que sentem que seus corpos falharam e se culpam por algo que est� fora de seu controle”, explica Jessica Zucker � BBC News Mundo. Ela � doutora em psicologia em Los Angeles e autora do livro I had a miscarriage (Eu tive um aborto espont�neo, em portugu�s).
Uxia*, m�e de uma menina de 11 anos e outra de sete, sofreu dois abortos espont�neos por volta da s�tima semana de gravidez, ap�s o nascimento da primeira e antes da segunda filha. Ela conta que a experi�ncia foi devastadora.

Ao compartilhar a not�cia de um aborto espont�neo, h� um elemento de consolo nas rela��es
Getty Images“Tinha ido ao m�dico por outro problema e quando contei que estava gr�vida fizeram uma ultrassonografia. Quando n�o encontraram batimento card�aco, foi um choque emocional pra mim. N�o havia tido problemas, n�o tinha nenhum ind�cio de que algo estava errado”, diz ela.
"Embora fossem apenas sete semanas, emocionalmente � brutal. Me lembro de tentar me convencer dizendo: n�o se preocupe, � apenas um pequeno grupo de c�lulas, um embri�o."
"Mas mesmo sabendo que � s� um grupinho de c�lulas que se desenvolveu mal, voc� j� se projetou por um ano com esse beb�, j� se imaginou m�e, j� come�ou a fazer planos. Ent�o, emocionalmente, o luto que voc� est� passando � muito maior do que a descri��o cient�fica do que voc� perde.”
"Al�m disso, seu corpo ainda est� ‘gestante’ (se voc� fizer o teste depois de um aborto espont�neo, ainda d� positivo). Voc� tem uma revolu��o hormonal que dura muito mais do que o pr�prio aborto. Eu me olhava no espelho e ainda tinha barriga, seios inchados, ainda estava constipada", lembra Ux�a.
Outra coisa que ela n�o esquece � o sentimento de culpa.
"’Como algo pode ter dado errado e eu n�o ter notado nada?', eu me perguntava."
"E olhando para o que aconteceu, eu queria saber se talvez eu devesse ter descansado mais ou feito algo diferente."
Ux�a procurou ajuda psicol�gica, um grupo para compartilhar sua experi�ncia (na Espanha, seu pa�s natal, e no Reino Unido, onde mora atualmente) e, na �poca, n�o encontrou nada que se adequasse a essa situa��o particular.
#Ihadamiscarriage
Foi justamente a falta de informa��o e a vontade de entender porque as mulheres n�o falam sobre isso, porque se sentem culpadas e se veem como fracassadas por n�o terem conseguido conceber um filho saud�vel, que motivou, no outro lado do mundo, Jessica Zucker. Ela se especializou no tema ap�s perder o seu beb� no segundo trimestre e lan�ou uma campanha para dar visibilidade ao aborto espont�neo.
Usando a hashtag #Ihadamiscarriage (eu tive um aborto espont�neo), ela come�ou a desencadear "uma conversa global sobre esse assunto".
"N�o estou dizendo que todas temos que gritar nossa perda em voz alta, nem todas temos que nos tornar defensoras neste espa�o, mas se voc� n�o est� compartilhando (sua perda) porque est� com vergonha ou porque pensa h� algo errado com voc�, ou porque � algo que voc� n�o deveria fazer, pergunte a si mesmo por qu�", diz Zucker. "Precisamos mudar isso de uma vez por todas, porque n�o faz bem a ningu�m."
A regra das 12 semanas � "incrivelmente prejudicial para as mulheres e para as suas fam�lias. Todos n�s precisamos de apoio, independentemente de a gravidez continuar ou n�o", diz.
E quando as not�cias s�o boas…
Ainda que tudo corra bem e a gravidez transcorra sem grandes transtornos, manter a gravidez escondida nas primeiras semanas tamb�m pode ter um impacto direto na gestante, j� que este costuma ser o per�odo mais extenuante e mobilizador tanto do ponto de vista emocional quanto f�sico.
Zucker observa que esse � o est�gio em que voc� pode sentir n�useas ou "ficar muito preocupada porque tem perdas e acha que est� abortando, ent�o pode precisar de apoio mais cedo".
Em retrospecto, Ux�a acredita que se tivesse dado a not�cia, sua qualidade de vida naquela �poca teria melhorado. "Depois de passar por duas gesta��es completas, percebi que quando me sentia mais vulner�vel e com menos energia, era nos primeiros tr�s meses", diz ela. "As mudan�as em seu corpo s�o tremendas, tudo � novo, e se � sua primeira gravidez voc� est� cheia de ansiedades e ilus�es, tudo junto."
Leia tamb�m: Gr�vidas com COVID t�m maior risco de parto prematuro.
"Na minha experi�ncia, eu precisaria de muito mais ajuda, compreens�o ou flexibilidade de trabalho nos primeiros tr�s meses do que nos �ltimos tr�s, porque n�o tinha metade da energia l� do que no quarto, quinto ou sexto."

Os primeiros meses costumam ser acompanhados de n�useas
Getty Images"� ir�nico que justamente quando eu mais precisava de flexibilidade no trabalho ou simplesmente alguma compreens�o dos meus colegas para a situa��o que eu estava passando, eu n�o tive. Mas no final s�o essas regras da sociedade que s�o impostas e de uma forma ou de outra forma limitam as mulheres", diz Ux�a.
N�o se trata, claro, de obrigar nenhuma mulher a compartilhar ou revelar informa��es que ela considera privadas e n�o deseja tornar p�blicas. � uma decis�o muito individual, concordam os especialistas ouvidos pela BBC News Mundo.
O importante � justamente se deixar levar pela intui��o, pela pr�pria necessidade e n�o pelas regras sociais, sejam elas expl�citas ou n�o.
*Ux�a � um nome fict�cio para proteger a identidade da mulher que prestou depoimento nesta hist�ria.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine