
No in�cio do m�s, estive em uma palestra com a professora Cida Bento, que escreveu a tese de doutorado “Pacto Narc�sico da Branquitude” em 2002 e que recentemente foi editado e lan�ado pela editora Companhia das Letras sob o t�tulo de
“Pacto da Branquitude”.
Na medida que Cida Bento ia dividindo com o p�blico presente suas produ��es e reflex�es, uma quest�o me surgiu. At� porque Cida Bento foi convidada pelo programa de p�s-gradua��o em que eu fiz meu mestrado e agora curso o doutorado. Um programa de p�s-gradua��o que tem 37 docentes e nenhuma professora negra. Em um pa�s que tem 212 milh�es de pessoas, de acordo com o IBGE 2022, e dessas, 28% s�o mulheres e negras.
Eu cheguei a hesitar em colocar minha quest�o em p�blico, at� porque poderia fazer em um outro momento a s�s. Mas uma pergunta nem sempre � s� uma d�vida. �, tamb�m, uma forma de manter a nossa capacidade de se indignar diante das recorrentes viol�ncias que a academia, enquanto um ambiente de poder, tem de silenciar e excluir pessoas negras. Ent�o, fiz a seguinte pergunta: “O epistemic�dio � uma constante em rela��o ao pensamento das mulheres negras. Tanto � que a produ��o do conhecimento dessas mulheres demoram d�cadas para serem publicadas, como � o caso da tese da Sueli Carneiro; da sua; dos textos de L�lia que s� foram publicados depois de uma fala da ngela Davis; da pr�pria Beatriz Nascimento; da Neuza Santos. que ficou d�cadas esgotados. Enfim, como n�o cair nessa armadilha que o pacto da branquitude imp�e dizendo que nossas reflex�es s�o essencialistas, identit�rias e, por isso, menos ci�ncia?”.
No momento em que eu fiz a pergunta, eu n�o me atentei que todas essas intelectuais que eu citei haviam sido publicadas tardiamente pelo Grupo Editorial Companhia das Letras. No momento em que fiz a pergunta, eu n�o me liguei no fato que a fundadora da editora foi e � uma das professoras da USP que pesquisa, h� d�cadas na antropologia, as rela��es raciais. E que mesmo assim, ela assinou o manifesto contra a pol�tica de promo��o da igualdade racial dentro das universidades. Ok que depois de muito anos com a implementa��o das cotas colorindo as universidades, ela disse que se equivocou em assinar o manifesto, mas assinou.
Anteontem, dia 25 de julho, ao visualizar posts nas redes sociais, vi v�rias men��es e celebra��es ao dia da mulher negra latino americana e caribenha e a da escritora Eliana Alves Cruz me chamou aten��o ao celebrar Tereza de Benguela. Por que dia 25 de julho tamb�m � dia nacional de Tereza sancionado pela Lei 12.987/2014. Eliana fez uma homenagem a nossa mais velha, ancestral, quilombola Tereza de Benguela, uma mulher de rosto desconhecido, assim como a de tantas outras mais velhas pretas que foram trazidas para esse pa�s como mercadoria para serem escravizadas, torturadas, estupradas e trabalharem de forma degradante at� morrerem.
Eliana fala de Tereza e com Tereza de uma forma carinhosa e curiosa, e traz uma reflex�o sobre o fato de uma pintura de F�lix Valloton ter sido apropriada e ter al�ado voos como pop star em camisetas, quadros, artes e cartazes de eventos e se tornando popularmente o rosto de uma mulher que n�o tem rosto por n�o estar registrada, mas tem uma luta que n�o tem como apagar da hist�ria.
Enquanto mulher preta que sou, me senti contemplada com a reflex�o da Eliana, a escolhi mais uma vez como irm�. Essa mulher preta, que tamb�m � jornalista como eu, uma das minhas refer�ncias intelectuais, uma das maiores romancistas do Brasil e que, muito recentemente, teve sua obra publicada pela editora Companhia das Letras. At� que vi um post da Lilia Moritz Schwarcz fazendo o que o feminismo branco chama de mansplaining, que � quando o homem explica coisas �bvias � mulher, muitas vezes com um tom paternalista, como se ela n�o fosse intelectualmente capaz de entender algo.
Voc� deve estar se questionando, “mas a Lilia � uma mulher; como ela pode ter uma atitude machista?”. A Lilia � uma mulher branca, professora universit�ria, rica, uma das donas do maior grupo editorial do pa�s. Caracter�sticas essas que a coloca socialmente em um lugar de privil�gio social diante de 28% da popula��o. Lilia reproduziu sem d�, nem piedade, a viol�ncia praticada pelos homens em uma mulher preta. A diferen�a � que ela pediu licen�a a Eliana para cometer o tal do mansplaining. Mas como a Eliana n�o anda s�, eu vou responder: Lilia n�o, n�s n�o te damos licen�a para nos tratar dessa forma; n�o te damos licen�a para reiterar nossa fala ou falar por n�s. N�o depois de nos prejudicar assinando o manifesto contra as cotas, de publicar nossas autoras com 20, 30 anos de atraso, colaborando com o epistemic�dio. N�o depois de errar e deixar dentre outros autores e autoras a pr�pria Eliana de fora do Pr�mio S�o Paulo de Literatura. N�o, n�o interrompa, n�o complemente e nem corrija uma mulher negra enquanto ela estiver falando, at� por que mesmo voc� sendo privilegiada, esse n�o � seu direito. Se coloque no seu lugar de fala.
