
Durante os �ltimos dias, muito se falou sobre a opress�o em que vivem todas as mulheres mu�ulmanas, em especial, as afeg�s. Foram colocadas quase como seres inertes, n�o respons�veis em nenhuma situa��o pela capacidade pr�pria de decis�o; retratadas como mulheres sempre submetidas, de forma silenciosa, ao patriarcado. A generaliza��o dos fatos predominou.
Em contrapartida, as mulheres n�o isl�micas, em especial, as ocidentais, foram agraciadas com o poder da liberdade, do direito de escolha e sua capacidade de intervir, quase com plenos direitos, no universo masculino nas regi�es do sol poente.
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Mas, at� onde as ocidentais s�o, de fato, livres para suas escolhas? At� que ponto estamos com o livre-arb�trio sendo praticado e respeitado em condi��es semelhantes aos dos homens?
Na mentalidade superior ocidental, sequer se questiona se as mulheres mu�ulmanas querem viver de acordo com o padr�o feminino do Ocidente. Em abril de 2013, quando o FEMEN, grupo feminista ucraniano, com base em Paris/Fran�a, criou o dia da Jihad do topless e com seus seios desnudos gritavam em defesa dos direitos das mulheres mu�ulmanas, a rea��o n�o foi de empatia, entre as defendidas.
As mu�ulmanas n�o se sentiram representadas e muito menos gratas pelo movimento que ganhou for�a na Europa e outras partes do mundo. O ato sofreu uma grande resist�ncia por parte das mulheres que professam o Isl�, em por��es consider�veis do mundo isl�mico.
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Frases como: "a nudez n�o me liberta e n�o preciso ser salva", "voc� n�o me representa", "eu sou uma mulher mu�ulmana e sei o que eu quero para mim", "o fato de voc� se despir para ser minha voz me insulta" ... fizeram eco junto �s mulheres mu�ulmanas espalhadas por v�rias regi�es, contra as feministas ocidentais.
� importante frisar que n�o se pretende, com essa breve discuss�o, em momento algum, esquivar-se de uma realidade de viol�ncia, discrimina��o e aus�ncia de liberdade a que elas possam estar submetidas. O desejo de ser livre � uma parte imut�vel do ser humano e sempre valer� a pena lutar pela liberdade.
Entretanto, muitos desconhecem que, nos primeiros dias do Islamismo, as mulheres tiveram uma grande participa��o em todas as esferas da vida. Desempenhavam pap�is importantes, n�o apenas em suas fam�lias, mas tamb�m em suas sociedades e comunidades. A elas foram dados direitos e privil�gios que muitas culturas e religi�es n�o permitiam, na mesma �poca.
H� muitos nomes femininos, no mundo mu�ulmano, reconhecidos pelos trabalhos realizados e pelos quais foram muito valorizadas. Com a chegada do Isl�, as mulheres puderam praticar a medicina e tratar tanto homens quanto mulheres, principalmente nos campos de batalha.
Um exemplo cl�ssico � o da primeira enfermeira mu�ulmana, que trabalhou ao lado do Profeta Maom�, por quem ele nutria grande apre�o e respeito pelo trabalho realizado: Rufaida Al-Aslamia.
Ela foi considerada um modelo para as mulheres de sua �poca e, at� hoje, inspira gera��es de mulheres no Isl�. Ela era tida com emp�tica e organizada, o que colaborou para treinar outras mulheres na fun��o e trabalhar na �rea de sa�de.
A funda��o da primeira universidade no mundo se deve �s mulheres isl�micas: a Universidade de Al-Karaouine. Localizada na cidade de Fez, Marrocos, essa universidade foi fundada, em 859, por F�tima Al-Fihrie e sua irm�, Mariam. Ela se tornou um dos principais centros de ensino das ci�ncias naturais. �, por meio dela, por exemplo, que os n�meros ar�bicos se tornaram conhecidos e usados na Europa e no mundo. Est� no Guiness Book como a mais antiga universidade em opera��o cont�nua do mundo.
Essa � uma demonstra��o de que o Isl� defendia a import�ncia do conhecimento para homens e mulheres. As fundadoras, F�tima e Mariam, eram educadas e muito devotadas � f�. H� mais de 1000 anos, quando receberam a heran�a do seu pai (sim, naquela �poca, as mulheres mu�ulmanas podiam herdar propriedades. Na Europa, tal feito n�o era permitido) elas decidiram construir uma institui��o de ensino superior. Esse n�o � um fato isolado das irm�s Al-Fihri.
Existem outros tantos legados das mulheres isl�micas que at� hoje modelam h�bitos no Oriente e no Ocidente: F�tima de C�rdoba foi uma bibliotec�ria do s�culo X que supervisionou 70 bibliotecas p�blicas contendo 400.000 livros. No s�culo XI, foi Banafshaa Ar-Rumiyya, que restaurou escolas, pontes e moradias p�blicas para mulheres sem-teto em Bagd�.
Como l�deres h� grandes destaques na hist�ria: Arwa Al-Sulayhi, uma iemenita do s�culo XI que governou por 71 anos e era conhecida como a Nobre Dama; Dhayfa Khatun, ap�s a morte de seu filho, o rei Abdul Aziz, tornou-se rainha de Aleppo (cidade s�ria, atual) e governou por seis anos. Durante seu reinado, ela enfrentou amea�as das cruzadas, mong�is e selj�cidas. Al�m de, seu papel pol�tico e social, ela ainda patrocinou a educa��o em Aleppo, onde fundou duas escolas. H� muitos outros exemplos.
Antes do Profeta Maom�, o papel das mulheres na sociedade �rabe n�o era nada honrado. Gerar uma crian�a do sexo feminino era vergonhoso para muitos homens. Era comum os pais enterrarem vivas suas filhas ao nascer. Essa era pr�tica recorrente entre os povos da Pen�nsula Ar�bica, onde a menina n�o merecia ser mantida viva e mesmo, que vivesse, teria uma vida com aus�ncia de oportunidades.
A chegada do Isl� foi como um divisor de �guas, uma orienta��o para o mundo da �poca e transformaria a vida das mulheres, alterando seu status, quase que imediatamente. Os direitos das mulheres, um conceito at� ent�o desconhecido - ou mesmo pensado - come�avam a ser defendidos e protegidos, garantindo maior dignidade a elas.
� medida que o Isl� era difundido e a vida do Profeta era disseminada entre os seguidores, o amor que nutria pela primeira esposa Khadija (uma prima distante, vi�va, bem-sucedida mulher de neg�cios e com quem teve um casamento monog�mico, por 25 anos, at� sua morte) e por suas filhas servia de inspira��o �s demais fam�lias. Era poss�vel demonstrar afeto �s mulheres.
O Profeta deixou como ensinamento que n�o havia diferen�a de valor entre os crentes, com base no sexo. Ambos tinham os mesmos direitos e deveres de aprender e ensinar. Foi com esse status rec�m-adquirido que as mulheres se destacaram e deixaram sua marca distintiva na hist�ria, para n�o ficarem para tr�s quando os grandes do Isl� foram glorificados.
Mas isso n�o � enfatizado pelo Ocidente. A imagem da mulher mu�ulmana oprimida que tem que ser salva pelos her�is ocidentais foi, continuamente, divulgada para justificar a invas�o e explora��o das terras mu�ulmanas, inicialmente, pelos europeus e, na sequ�ncia, pelos norte-americanos.
A vida das mu�ulmanas � retratada de forma simplificada. S�o as v�timas de misoginia, enquanto as mulheres ocidentais t�m um tratamento mais complexo, mesmo que sofram de situa��es similares.
Entre as judias ortodoxas, a mulher n�o pode andar e sair sem uma peruca que cubra seus cabelos (lembra algo?); o sexo tem dia e quase hora marcada para ocorrer (mesmo que n�o haja desejo); as mulheres judias n�o podem receber heran�a, assim como outras culturas; o sistema legal de Israel tem suas bases nos livros sagrados (a leitura do livro Lev�ticos colabora para compreender muito da ortodoxia e legalidade do pa�s), mas fala-se somente da opress�o feminina no Islamismo e na Sharia, o c�digo de leis isl�mico inspirado no Cor�o.
O Ocidente n�o deu o mesmo espa�o na m�dia para o Ex�rcito de Resist�ncia do Senhor (LRA), liderado por Joseph Kony, que em Uganda (�frica) tentou implantar, em nome de Jesus, um regime inspirado nos 10 mandamentos b�blicos e ceifou mais de 100 mil vidas entre os anos 90 e 2000, al�m de violentar centenas mulheres. A #stopkony, que viralizou nas redes sociais anos atr�s, est� esquecida. Entretanto, o l�der algoz, de paradeiro desconhecido, continua aterrorizando inocentes e mulheres. Aos grupos extremistas isl�micos a m�dia n�o mede esfor�os em evidenci�-los, corretamente, mas a pr�tica teria que ser para todos.
N�o se deve esquecer os danos causados �s pr�prias mulheres norte-americanas, inseridas em uma sociedade capitalista patriarcal, capaz de gastar trilh�es de d�lares em guerras no exterior, mas que impede cuidados de sa�de de qualidade e gratuitos (ou de menores custos), al�m de creches ou qualquer outra coisa que possa beneficiar a mulher ou o ser humano m�dio no pa�s, ao inv�s de beneficiar empreiteiros, ind�stria b�lica ou corpora��es militares dos EUA.
Em Bras�lia, capital federal, de janeiro a julho de 2021, de acordo com a Secretaria de Seguran�a do Distrito Federal (DF), 312 mulheres foram estupradas, ou seja, mais de uma mulher foi violentada, em m�dia, diariamente no DF. Isso se repete em quase todas as unidades da federa��o.
Mas continuamos silenciosos. Um sil�ncio que d�i aos ouvidos. Mas, gritamos a plenos pulm�es em defesa da opress�o das mu�ulmanas e sequer as escutamos. N�o lhes damos voz, porque na maioria das vezes, aqui tamb�m n�o a temos. E replicamos como rob�s todas as "verdades" que nos s�o ditas, reproduzindo a falsa no��o de que a misoginia � excepcionalmente e inerentemente mu�ulmana. N�o �.