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Estado de Minas SUELI VASCONCELOS

Na �frica, um drama expulsa o outro: o conflito da Eti�pia e Sud�o

As disputas internas e de fronteira, somadas � instala��o da usina Renascen�a, plantam as sementes do conflito entre os dois estados


27/09/2021 06:00 - atualizado 27/09/2021 07:01

O continente não experimentou o desenvolvimento esperado e afundou numa sucessão de dramas
O continente n�o experimentou o desenvolvimento esperado e afundou numa sucess�o de dramas (foto: EDUARDO SOTERAS / AFP 26/09/2021 )
H� quase 60 anos, o agr�nomo franc�s Ren� Dumont escrevia o livro, “A �frica negra come�ou mal” (1962), em tradu��o literal da l�ngua francesa, com um diagn�stico contr�rio ao otimismo que prevalecia nas novas na��es que alcan�avam a independ�ncia pol�tica. Dumont apontava para os perigos da inadequa��o das pol�ticas agr�colas e educacionais, da corrup��o, do nepotismo e da grilagem das terras. D�cadas depois, suas ideias eram vis�es viraram realidade. 

O continente n�o experimentou o desenvolvimento esperado e afundou numa sucess�o de dramas. N�o se pode afirmar que os africanos sejam resilientes. A resili�ncia significa superar a prova��o e garantir que ela n�o volte. Na �frica est�o sempre a esperar por um pr�ximo evento dram�tico e nunca se sabe se ser� mais devastador que o anterior. 

Os africanos, com toda raz�o, ardorosamente evidenciam e difamam o passado colonial, uma prova inquestion�vel de que est�o cientes dos delitos tenebrosos cometidos pelos europeus, mas n�o trabalharam muito para reconstruir seus pa�ses. 

A partida dos senhores coloniais cedeu espa�o a homens que se colocaram como os novos senhores, criando em torno deles castas privilegiadas, com regimes pol�ticos invadidos pelo nepotismo, contaminando a pol�tica em escala quase continental, caracterizada pelo desperd�cio de capital econ�mico e pela pol�tica de grandeza que pouco beneficiam o cidad�o comum.

Mesmo com avan�os em alguns setores da economia, o que se percebe � o subdesenvolvimento quase cont�nuo da �frica. N�o se pode responsabilizar tal realidade �s condi��es naturais desfavor�veis.  

As causas desse quase total fracasso socioecon�mico devem-se muito �s autoridades pol�ticas nos per�odos colonial e p�s-colonial em n�o adotar estrat�gias mais adequadas em rela��o � tecnologia, agricultura camponesa, industrializa��o, educa��o, amplia��o do servi�o p�blico, ajuda externa e integra��o regional, que somados poderiam ter gerado resultados mais s�lidos nas diversas �reas sociais, consideradas b�sicas e essenciais a qualquer prel�dio de desenvolvimento. 

H� muitas expectativas de que o continente se torne o novo eldorado dos investimentos, com um mercado em expans�o e novas obras de infraestrutura que alicer�ar�o os avan�os futuros. Mas h� um longo caminho a percorrer para consolidar todas essas premissas, principalmente, no que se refere �s quest�es �tnico-culturais. 

Um claro sinal de que h� muito o que solucionar envolve a Eti�pia. O mundo ainda n�o colocou em situa��o de emerg�ncia as inquietudes que est�o brotando no Chifre da �frica, envolvendo tens�es internas entre grupos �tnicos et�opes, e externos com o vizinho Sud�o, devido a disputas territoriais.  

A Eti�pia � um pa�s que passa por ciclos hist�ricos de maior robustez, e depois, prec�rios e est� na fase atual em um daqueles momentos muito, muito prec�rios, segundo os analistas internacionais. 

H� quase um ano, um grave conflito eclodiu no norte do pa�s, na regi�o do Tigray, e com ele um desastre humanit�rio que pode colocar milh�es de pessoas em situa��o extrema de fome, como n�o ocorre h� d�cadas no mundo. 

O atual presidente, Abiy Ahmed, ironicamente ganhador do Pr�mio Nobel da Paz em 2019, se envolveu em um conflito sangrento, em novembro de 2020, com a Frente de Liberta��o do Povo Tigray (TPLF), o partido governante da regi�o norte de Tigray, que havia dominado a pol�tica et�ope at� ser marginalizado por Abiy, a partir de 2018. 

O novo l�der implantou mudan�as liberalizantes, que chegaram a encantar l�deres internacionais, mas que intensificaram o nacionalismo internamente. Desde ent�o, o cen�rio se agravou, transformando-se numa guerra civil de fato. Com a guerra se espalha a fome, fluxos maci�os de refugiados, mortes generalizadas de civis, agress�es sexuais e temores de limpeza �tnica.

As mortes e destrui��es originadas da crise de Tigray podem camuflar a pouca aten��o dada ao potencial de um segundo conflito mortal que pode engolfar a Eti�pia, decorrente das tens�es crescentes com seu vizinho Sud�o. Embora �s vezes os detalhes sejam complexos e t�cnicos, em sua ess�ncia, o conflito em andamento entre o Sud�o e a Eti�pia tem a mais b�sica das motiva��es: controle sobre a terra e a �gua.

A disputa de terras entre os dois pa�ses remonta h� mais de um s�culo como resultado dos acordos da era colonial, que demarcavam a fronteira entre os dois pa�ses. 

A maior disputa � por uma por��o de terra conhecida como Al-Fashqa, que os dois pa�ses reivindicam como sua. Um acordo desta disputa territorial ocorreu em 2008 quando a Eti�pia, liderada pela TPLF, concordou em reconhecer a soberania formal do Sud�o sobre a �rea. Em troca, o Sud�o, liderado pelo ditador de longa data, Omar al-Bashir, permitiria que colonos et�opes permanecessem na �rea sem ser incomodados. 

Entretanto, ambos os governos ca�ram, e com eles o acordo. Quando as for�as et�opes foram desviadas da defesa de al-Fashqa para lutar em Tigray, os militares sudaneses retornaram para a �rea.

A possibilidade de uma guerra por Al-Fashqa � genu�na. Duas d�cadas atr�s, a disputa sobre uma �rea de fronteira com menor valor comercial entre a Eti�pia e a Eritreia levou a uma guerra sangrenta entre os dois pa�ses. O acordo que deu fim a esse conflito foi o que rendeu a Abiy o Pr�mio Nobel da Paz (muitos se arrependem dessa premia��o).

Os grupos et�opes em Al-Fashqa pertencem, em sua maioria, � etnia Amhara, cujas mil�cias est�o entre as for�as pr�-Abiy mais ferozes contra a TPLF na atual crise et�ope, do norte do pa�s. Os Amhara, que h� muito reclamam que suas terras foram tomadas por outros grupos, est�o tentando usar a guerra do Tigray para recuperar territ�rios. At� o momento, o presidente n�o sinalizou que esteja disposto a negociar essa �rea com o Sud�o.

Por outro lado, os militares sudaneses t�m sido inflex�veis e j� declararam que n�o v�o desistir de um cent�metro das terras do Sud�o, mesmo que isso comprometa as boas rela��es cultuadas nos �ltimos anos ok com a Eti�pia.  A chegada de dezenas de milhares de refugiados de Tigray no Sud�o, atrav�s de  Al-Fashqa,  agrava ainda mais as tens�es. 

E como nada � t�o ruim que n�o possa piorar, um confronto, at� agora n�o violento, mas potencialmente maior, est� se formando pelo controle do rio Nilo, envolvendo tamb�m o Egito. 

Ap�s 10 anos de constru��o, a Eti�pia come�ou a encher o reservat�rio da Grande Barragem da Usina Renascen�a Et�ope, no Nilo Azul, o principal afluente do Nilo Branco, que forma o Rio Nilo propriamente dito. A Eti�pia afirma que o projeto, uma das maiores hidrel�tricas do mundo, � necess�rio para atender �s crescentes necessidades de energia do pa�s. 

Os pa�ses � jusante (rio abaixo) da usina, Sud�o e Egito, por outro lado, alertaram que as interrup��es no fluxo do rio Nilo seriam devastadoras para a economia e a sociedade. Os governos eg�pcio e sudan�sexigiram que a Eti�pia compartilhe com eles informa��es e o controle das opera��es da hidrel�trica.  A Eti�pia rejeitou o pedido alegando que tal atitude era uma viola��o de sua pr�pria soberania.

As tentativas diplom�ticas de negocia��o entre os tr�s pa�ses n�o deram nenhum resultado pr�tico at� agora e ambos sugeriram uma a��o militar contra os et�opes, caso uma solu��o pac�fica n�o seja alcan�ada e a obra comprometa o abastecimento de �gua e as enchentes peri�dicas do Nilo. Exerc�cios militares conjuntos foram realizados, no in�cio de 2021 pelo Egito e Sud�o, com o sugestivo nome de “Guardi�es do Nilo”. 

A proximidade do Sud�o com a Eti�pia torna prov�vel que qualquer luta pela usina hidrel�trica acabe, em grande parte, entre as for�as sudanesas e et�opes, especialmente devido a outra fonte de tens�o existente ao longo da fronteira.

At� agora nem a Eti�pia nem o Sud�o sinalizaram muito em termos de compromisso para evitar uma guerra. Mas espera-se que percebam que nenhum deles pode ostentar, por longo tempo, os riscos envolvidos em um grande conflito que os absorvam. Um acordo, mesmo que para salvar as apar�ncias, seria a melhor e mais segura op��o para ambos os pa�ses e espera-se que assim seja. 

Enquanto isso, torcer para que n�o surja um novo drama, entre tantos, na �frica.

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