
Um dos desdobramentos da crise que atinge a Ucr�nia, desde o dia 24 de fevereiro, envolve diretamente a produ��o de alimentos e amea�a a seguran�a alimentar global.
O setor aliment�cio j� sofria as consequ�ncias da pandemia, da redu��o de algumas safras devido as colheitas ruins nos pa�ses produtores da Am�rica do sul, do aumento da demanda global e os efeitos da diminui��o da cadeia de suprimentos. Somados esses fatores afetaram o mercado das oleaginosas e gr�os aumentando seus pre�os nos �ltimos 24 meses.
Com a guerra iniciada ap�s a invas�o da Ucr�nia pela R�ssia, o cen�rio futuro n�o � nada otimista. Os impactos na produ��o de alimentos, a curto prazo, ser�o muito elevados com a prov�vel redu��o da oferta de g�s natural e fertilizantes.
A acelera��o inflacion�ria dos produtos agr�colas � consenso entre os especialistas. � importante considerar, que localmente, a migra��o prevista entre 1,5 a 5 milh�es de ucranianos eleva os riscos de agravamento da crise alimentar.
O papel estrat�gico da regi�o do Mar Negro na produ��o de alimentos
A regi�o do Mar Negro, localizada ao sul da Ucr�nia, tem um papel estrat�gico na log�stica da produ��o e do escoamento de parte significativa das commodities agr�colas, comercializados pela Ucr�nia e pela R�ssia.
A Ucr�nia e a R�ssia exercem um papel relevante na oferta de alimentos em escala mundial, desde o fim da ex-Uni�o Sovi�tica. Os dois pa�ses passaram de importadores para grandes exportadores de alimentos nas tr�s �ltimas d�cadas.
Juntos, respondem por cerca de 12% de total de calorias comercializadas no mundo e est�o entre os cinco maiores fornecedores de gr�os como trigo, cevada, girassol e milho. Isoladamente, a Ucr�nia responde por cerca de 50% do �leo de girassol do mundo.
Algumas regi�es do planeta sofrer�o, drasticamente, com a redu��o da oferta desses produtos. O Norte da �frica e o Oriente M�dio dependem em mais de 50% da Ucr�nia no abastecimento de trigo e cevada. A China e a Uni�o Europeia (UE) consomem parte significativa do milho ucraniano. A dura��o da guerra que parece cada vez mais incerta ter� impacto imediato sobre as exporta��es agr�colas de ambos pa�ses.
De modo geral, as colheitas de trigo e cevada ocorrem no ver�o (junho a setembro) e as exporta��es no outono (setembro a dezembro); ao findar do inverno (dezembro a mar�o), as vendas est�o praticamente conclu�das. As exporta��es de milho da Ucr�nia s�o expressivas na primavera (que inicia no dia 20 de mar�o) e no ver�o.
Esses produtos s�o escoados a partir de Odessa, a cidade ao sul do pa�s, que enfrenta uma das maiores investidas militares da R�ssia. Os violentos bombardeios comprometem a infraestrutura e isso afetar� a capacidade da Ucr�nia de exportar seus gr�os, tanto para o mercado interno quanto o externo, em especial. As exporta��es ucranianas ser�o reduzidas a um fio.
O plantio de v�rios gr�os inicia em mar�o/abril, durante a primavera (como a cevada e o milho, respectivamente). A guerra vai impedir a maior parte do plantio dentro do ritmo normal e consequentemente haver� comprometimento do abastecimento global desses alimentos, entre outros.
Os efeitos da guerra sobre fertilizantes e a produ��o de energia
As san��es impostas � R�ssia pelos Estados Unidos, Uni�o Europeia e outros pa�ses afetar�o as exporta��es de g�s natural e petr�leo russos. A R�ssia responde por 20% do mercado global de g�s natural e 40% das importa��es da UE.
As contramedidas impostas ao pa�s podem elevar os pre�os dos hidrocarbonetos a valores recordes. A Europa pode comprar esses produtos de outros pa�ses, como os Estados Unidos, mas seria v�tima de uma log�stica negativa. Os Estados Unidos exportam g�s natural liquefeito (GNL), de custo bem mais elevado e n�o h� nenhuma certeza de que essa solu��o seria suficiente a curto e m�dio prazo.
O g�s natural � uma importante mat�ria-prima para a produ��o de fertilizantes nitrogenados, como am�nia e a ureia. A situa��o agrava, pois a R�ssia � um dos grandes fornecedores desses fertilizantes nitrogenados e de pot�ssio (15 e 17% do mercado mundial, respectivamente). A Bielorr�ssia, aliada da R�ssia, responde por 16% do mercado global de pot�ssio e sofrer� os efeitos das san��es internacionais.
A depend�ncia de alguns pa�ses �s importa��es russas e bielorrussas � elevada, como o Brasil (entre 30 a 40% do pot�ssio consumido, nacionalmente). O aumento do custo de fertilizantes pode reduzir o seu uso por parte dos agricultores e como consequ�ncia reduzir a safras mundiais. Considerando que os estoques globais est�o no limite, os pre�os dos alimentos podem atingir valores estratosf�ricos.
Poss�veis consequ�ncias imediatas
Os pa�ses que possuem maior depend�ncia da Ucr�nia e da R�ssia ser�o os mais afetados, inicialmente, com as restri��es do mercado de gr�os, principalmente, como os do Norte da �frica e Oriente M�dio. A preocupa��o imediata recai sobre eles. O Egito � o maior importador de trigo e 85% desse cereal vem dos pa�ses em guerra.
As san��es impostas pelos pa�ses ocidentais, em especial, n�o deveriam impedir o abastecimento e a manuten��o das exporta��es dos suprimentos russos, necess�rios a produ��o de alimentos, como fertilizantes e pot�ssio. � fundamental que alimentos e fertilizantes sejam, minimamente, afetados por essas puni��es.
Qualquer medida contr�ria a esse cen�rio pode afetar as popula��es mundiais mais carentes, j� vitimadas pela inseguran�a alimentar. Outra possibilidade, � os pa�ses ricos (e da pr�pria R�ssia) limitarem as exporta��es dom�sticas de alimentos e fertilizantes para assegurar o abastecimento interno. Essa medida pode desencadear um panorama nefasto aos pa�ses importadores de alimentos, mais vulner�veis.
As penalidades internacionais devem considerar os dois cen�rios: aqueles destinados a R�ssia/aliados e aos produtores dom�sticos das na��es desenvolvidas. A tentativa de garantir o abastecimento interno pode intensificar a inseguran�a alimentar global.
Qualquer medida contra os envolvidos nessa guerra deveria analisar, criteriosamente, a quest�o aliment�cia e evitar que sejam aplicadas de forma severa a esse setor. As san��es s�o importantes, mas n�o podem se sobrepor � produ��o agr�cola, que garante a seguran�a alimentar mundial.
Os reflexos no Brasil
O Brasil � um dos maiores produtores de alimentos do mundo com destaque para a soja, caf�, cana de a��car, carne e milho. Sua produ��o depende diretamente dos fertilizantes adquiridos no mercado Internacional. Cerca de 85% da demanda nacional � importada.
A oferta de alimentos no Brasil foi acompanhada do aumento dos custos, em parte, devido ao peso das press�es inflacion�rias sobre os agricultores, que enfrentaram aumento expressivos dos insumos agr�colas nos �ltimos dois anos. O an�ncio do Minist�rio da Ind�stria e Com�rcio da R�ssia, feito no �ltimo dia 04 de marco, de suspender a oferta de fertilizantes para garantir a produ��o agr�cola interna, ir� refletir diretamente no setor agr�cola brasileiro.
Os pre�os dos fertilizantes est�o disparados desde 2021 e o aumento mais elevado previsto com a guerra refletir� sobre os valores dos alimentos no pa�s. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina Dias, informou que ir� ao Canad� em busca de acordos comerciais que garantam a oferta de pot�ssio ao Brasil (mais de 95% desse recurso � importado) e assim minimizar os impactos sobre a agricultura nacional. O Canad� � o maior produtor mundial de pot�ssio, seguido pela R�ssia e Bielorr�ssia.
Segundo a ministra, os estoques do pa�s atendem ao mercado at� outubro. Mas essa informa��o n�o � compartilhada por todos. Segundo a Associa��o Nacional de Fertilizantes do Brasil, os estoques durar�o pouco mais tr�s meses.
O governo anunciou que deve acelerar a explora��o de pot�ssio na regi�o de Autazes-PA, em terra ind�genas, mas esse processo pode demorar anos e n�o ser aprovado, caso as exig�ncias socioambientais n�o forem cumpridas.
A infla��o dos alimentos no pa�s, elevada desde o in�cio da pandemia, restringiu o acesso de muitas fam�lias a uma dieta mais equilibrada. As perspectivas futuras desse familias podem se deteriorar ainda mais com o conflito.
Em escala global, o incha�o dos custos dos fertilizantes n�o deve permitir uma produ��o maior de alimentos do Brasil, o que compensaria a redu��o da produ��o ucraniana-russa, mesmo o pa�s possuindo tecnologia para isso. O pre�o dos fertilizantes deve frear os investimentos no setor.
A realidade da guerra afetar� ainda mais um direito universal que nunca foi atendido, na sua totalidade, o direito � seguran�a alimentar. H� mais de 800 milh�es de pessoas subnutridas no mundo (dados de 2016). Esses n�meros podem aumentar expressivamente ao longo de 2022.
Quem imaginou um mundo melhor com o enfraquecimento da pandemia, pode reavaliar seus conceitos. O que est� por vir n�o � nada bom.