
Em 1967, com o fim das Guerra dos Seis Dias, Israel havia anexado os dois territ�rios palestinos. O controle dessas regi�es pelos israelenses impediu, na pr�tica, os �rabes de exerceram o autogoverno sobre as terras determinadas pela ONU como pertencentes aos �rabes, que ali viviam h� quase dois mil�nios, desde a di�spora judia, no in�cio da Era Crist�.
Mesmo ap�s o compromisso firmado pelo governo de Israel em permiti-lo, como estabelecido pelos acordos de Oslo, de 1993, a lideran�a palestina nunca ocorreu de forma efetiva.
Na manh� deste s�bado (7/10), Israel e o mundo foram surpreendidos com um ataque conjunto de combatentes do Hamas e da Jihad isl�mica contra v�rias cidades judias, com lan�amento de m�sseis de maior alcance ao sul do pa�s e a �reas mais distantes, como a capital Telaviv (afastada mais de 70 km) e Jerusal�m.
Essa a��o militar � a mais violenta contra Israel e com maior n�mero de v�timas entre os judeus desde a Guerra do Yom Kippur (o Dia do Perd�o), que eclodiu h� exatos 50 anos e um dia, no dia 6 de outubro de 1973, surpreendendo Israel, tamb�m naquele momento. A data da investida atual n�o deve ser mera coincid�ncia.
Nada impediu uma a��o precisa dos palestinos: todo o aparato de defesa, a arrog�ncia do Primeiro-Ministro, Benjamin Netanyahu, e seu “novo Oriente M�dio” apresentado h� poucos dias no seu discurso na ONU, a pol�cia de intelig�ncia do pa�s, o domo de ferro (iron dome) e o suposto dom�nio de tecnologia nuclear b�lica. Todo o sistema militar e de defesa estavam desprevenidos. Israel, apesar do poderio, foi humilhado, quase numa luta de Davi contra Golias.
Os militantes do Hamas utilizaram parapentes e outros artefatos por mar�timos e terrestres para entrar no territ�rio de Israel. A Faixa de Gaza possui fronteiras de 41 km na costa do Mar mediterr�neo e 10 km, de fronteira terrestre, ao norte.
Durante o s�bado, mais de 200 israelenses foram mortos, e 1452 foram feridos (18 gravemente). H� ref�ns israelenses capturados (que ser�o usados nas negocia��es futuras) e levados para Gaza. Entre os palestinos, os n�meros eram incertos, mas estimados em 232 mortos e 1700 entre os feridos, ap�s os massivos ataques judeus, mas esses n�meros devem aumentar e superar muito os israelenses.
Gaza est� sob bloqueio israelense h� mais de 15 anos. Israel imp�e um rigoroso fechamento do espa�o a�reo, terrestre e mar�timo, isolando mais de 2,2 milh�es de pessoas dentro desse territ�rio de 365 km², desde 2007. Nenhum representante da sociedade ou da economia de Gaza � poupado dessa a��o de Israel.
Os dados populacionais de Gaza s�o estimados. Israel impede a realiza��o de um censo capaz de definir com seguran�a os n�meros reais. Organiza��es internacionais e a ONU s�o respons�veis pelas estimativas da din�mica demogr�fica do pequeno territ�rio, que possui uma das maiores densidades demogr�ficas mundiais.
Estima-se que 45% da popula��o esteja desempregada (um dos maiores �ndices mundiais) e que 64% sofram de inseguran�a alimentar, especialmente aquelas que vivem nas pobres �reas rurais do territ�rio.
Eram 6h30 quando Israel foi bombardeado com mais de 5 mil foguetes (segundo o Hamas), lan�ados de Gaza e com v�rios homens infiltrados espalhados em cidades israelenses. Esses combatentes iniciaram os tiroteios contra civis e militares, o que resultou em dezenas de mortos e centenas de feridos. O mundo foi “surpreendido” junto com a intelig�ncia e as for�as armadas israelenses.
Entretanto, a surpresa n�o deveria ter sido t�o acentuada. N�o se deve esperar a submiss�o de um povo que, historicamente, lutou pelos seus interesses, mesmo quando foi esmagado de diversas formas. A verdade � que os palestinos foram esquecidos h� muito tempo. O Ocidente, a ONU, a Uni�o Europeia e os pr�prios pa�ses de predom�nio mu�ulmano deixaram h� muito de lutar pela defini��o de uma p�tria palestina.
O �ltimo confronto entre os pa�ses �rabes vizinhos e israelenses ocorreu em 1973. Desde ent�o, a resist�ncia ocorre dentro do territ�rio de Israel-Palestina, com um claro desn�vel na capacidade de ataque e defesa entre os dois envolvidos. A capacidade b�lica de Israel � muito superior a da Palestina.
Desde a primeira Intifada (a guerra das pedras), de 1987, os �rabes tentam atrair a aten��o do mundo em sua defesa, mas com muito pouco sucesso. Ao longo do tempo, assentamentos judeus se espalharam pela Cisjord�nia, e a perda de direitos dos mu�ulmanos da regi�o foi uma pr�tica recorrente.
A retirada dos judeus de Gaza, em 2005, n�o simbolizou uma real autonomia territorial por parte dos palestinos. Praticamente, essa a��o criou um bantust�o nessa regi�o sem a presen�a de judeus, e isso favoreceu as investidas militares israelenses violentas sobre a �rea.
Os armamentos pesados do ex�rcito de Israel, lan�ados sobre civis, com o intuito de eliminar o Hamas, n�o se aplicam � Cisjord�nia, onde judeus e palestinos est�o separados por um muro. Um ataque violento n�o pouparia os assentamentos e bairros judeus. Em Gaza, esse risco n�o existe. Vivem s� palestinos.
A situa��o regional se agrava com a ascens�o do Hamas ao poder em 2006, derrotando os representantes do Fatah, o grande rival, que controla a Autoridade Nacional Palestina (ANP), na Cisjord�nia. Os novos l�deres pol�ticos de Faixa de Gaza dificultam uma negocia��o mais robusta de paz entre os dois povos. O Hamas n�o � reconhecido pelo Estado de Israel, e, por outro lado, os integrantes do grupo palestino n�o aceitam a exist�ncia de um pa�s judeu no territ�rio palestino.
Como n�o se reconhecem com legitimidade m�tua, n�o negociam. Todavia, se ambos n�o se sentarem numa mesa de negocia��o, dificilmente uma paz duradoura ser� consolidada na regi�o.
O grupo Hamas surge em 1987 (simultaneamente � primeira Intifada), formado por um pequeno grupo de resistentes, ligados � Irmandade Mu�ulmana, fundado pelo Sheik Ahmed Yassin, sendo reconhecido e autorizado por Israel, com o intuito de frear o avan�o da Organiza��o para a Liberta��o da Palestina (OLP), o grupo palestino mais hostil aos judeus naquela �poca.
A OLP, entretanto, muda suas estrat�gias e estabelece novas pol�ticas, considerando a exist�ncia de dois estados: um judeu e um �rabe, ap�s a expuls�o do seu l�der, Yasser Arafat, para a Tun�sia, em 1984. Tal decis�o contraria as origens da organiza��o, baseadas na expuls�o dos judeus da regi�o.
Os integrantes mais radicais dentro da OLP s�o contr�rios aos c�mbios, saem da organiza��o e criam o Hamas. O novo grupo nasceu pequeno e quase insignificante para Israel, que os via como um bando de barbados radicais que n�o teriam grandes aliados e ascens�o pol�tica. Ledo engano.
Aqueles jovens fundamentalistas cresceram na incapacidade de encontrar uma solu��o pac�fica para a regi�o e � margem do enfraquecimento e das falhas ANP, mantendo a proposta original de eliminar os judeus da terra disputada e se tornam, ao longo do tempo, no arqui-inimigo de Israel.
O ataque do Hamas vai expor a popula��o de Gaza a uma resposta violenta por parte do governo de Israel. Por muito menos v�timas entre sua popula��o, a a��o militar israelense foi muito mais destrutiva, como ocorreu nos quatro momentos em que se enfrentaram: 2008/2009 (opera��o Chumbo Fundido, com mais de 1300 palestinos mortos contra 13 israelenses), 2012 (opera��o Pilar das Nuvens, com 100 mortos palestinos e 6 israelenses), 2014 (opera��o Borda Protetora, com mais de 2000 mortos palestinos, com 72 judeus e um tailand�s mortos) e 2021 (com 250 mortos palestinos e 15 judeus).
Os l�deres mundiais, em quase sua totalidade, condenaram a a��o palestina. Mas o permanente sil�ncio e a omiss�o internacional em defesa desse povo est� na raiz de um problema que se estende desde a cria��o do estado de Israel, em maio de 1948, sem a defini��o de um estado palestino.
Os EUA e pa�ses europeus j� anunciaram total apoio b�lico a Israel, uma decis�o que se repete h� d�cadas e sem solu��o. Os dois povos n�o sair�o dessa terra. Alimentar o �dio, sem buscar uma proposta leg�tima e consolidada de paz, significa a manuten��o da mesma condi��o atual, marcada por ressentimentos e viol�ncia m�tuos.
Os norte-americanos s�o os �nicos, neste momento da hist�ria, capazes de colocar os envolvidos numa negocia��o real e s�lida, que pode resultar em benesses e redu��o das rivalidades, mas nunca demonstraram um interesse real na solu��o. H� muitos interesses estrat�gicos envolvidos, que superam os interesses pac�ficos.
As imagens deste s�bado indicam uma “tempestade perfeita” para o agravamento da crise na regi�o. Israel deve intensificar os ataques, com possibilidade de ter que avan�ar por terra (aumentando o n�mero de v�timas entre os soldados judeus e civis palestinos); a estrat�gia do Hamas reacende a discuss�o global de um conflito que todos optaram por ignorar; a resist�ncia palestina demonstra ser um povo que n�o ir� sucumbir �s agress�es sucessivas, e as imagens de israelenses, totalmente desprotegidos, em fuga, obrigam a uma revis�o de todas as a��es at� agora adotadas pelo governo.
A “epidemia” do esquecimento e da solid�o dos palestinos pode custar muito. Negar o direito democr�tico, t�o defendido pelo Ocidente, a esse povo ter� seu pre�o e ser� alto e, neste primeiro momento, atingir� mais de dois milh�es de pessoas colocadas como ref�ns, mas certamente ir� reorganizar as cartas do conflito com Israel.