O Brasil tem mais de 2 milh�es de pessoas que se autodeclaram amarelas, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE). No entanto, por conta da imigra��o tardia de leste-asi�ticos ao pa�s, muitas vezes essas pessoas n�o s�o consideradas brasileiras, apesar de j� estarem estabelecidas aqui h� mais de quatro gera��es.
A vis�o de que pessoas amarelas s�o consideradas estrangeiras causa um afastamento e at� mesmo uma desumaniza��o desses indiv�duos, que s�o vistos como ex�ticos, desprovidos de personalidade pr�pria e sujeitos aos estere�tipos criados para a manuten��o da estrutural racial na sociedade – o que tamb�m reflete na maneira em que eles s�o representados em produtos culturais.

Encontrar atores amarelos em produ��es brasileiras no setor cultural � relativamente dif�cil. Na maioria das vezes em que s�o contratados, interpretam o mesmo tipo estereotipado de personagens e, ainda em muitos casos em que se quer represent�-los, inclusive, � poss�vel encontrar atores brancos maquiados – ato caracterizado como Yellow Face.
Amarelos na m�dia
Pessoas amarelas s�o aquelas descendentes de pa�ses do leste-asi�tico, como o Jap�o, a China, a Mong�lia e as Coreias. No Brasil, apesar de registrados mais de 2 milh�es de amarelos no Censo de 2010 do IBGE, nascer aqui n�o significa que s�o reconhecidos como brasileiros.
"No Brasil, o nipo-brasileiro ainda � visto como o 'japa', o estrangeiro, e essa vis�o tamb�m afeta a presen�a de descendentes de asi�ticos na m�dia", afirma o ator Carlos Takeshi. Para ele e para muitos outros artistas amarelos, a representa��o amarela no setor cultural brasileiro � cercada de estigmas que refletem a realidade dessas pessoas no pa�s.
Bruna Tukamoto, criadora de conte�do que aborda temas relacionados ao preconceito contra amarelos, tamb�m comenta sobre o espa�o – ou a falta dele – de pessoas descendentes de asi�ticos em produ��es culturais. "S�o poucos os espa�os que temos na m�dia e, quando h�, normalmente � uma representa��o estereotipada", diz ela. "Tamb�m n�o vemos amarelos em elencos de novelas e, quando tem, s�o atores que est�o ali apenas para 'serem amarelos', nada mais", complementa.
Hide Haseyama, estudante de teatro, conta que j� teve v�rios problemas de autoestima pela falta de representatividade e que se incomodava com v�rias representa��es estereotipadas. "N�o me via daquele jeito e isso deturpou a maneira com que eu me enxergava. Sou japon�s e n�o sou bom em exatas? O que � isso? Por que eu sou assim? J� cheguei a pensar que era um erro por tudo isso", comenta.
"A gente tenta procurar pertencimento num pa�s que est� querendo dizer pra gente o tempo todo que a gente n�o pertence"
Hasegawa, criador de conte�do
"N�o sou artista, mas vendo o contexto e o cen�rio art�stico brasileiro, eu n�o me sinto representada por essas equipes, por esses artistas e, na verdade, isso n�o � de hoje. Eu nunca me senti representada nas telas de TV, cinema, revistas, jornais e teatros. Hoje, tenho mais no��o dessas coisas, mas na �poca de adolesc�ncia, inf�ncia, eu n�o entendia e uma das consequ�ncias � que eu nunca me senti pertencente", comenta Bruna Tukamoto.
Para Hasegawa, se sentir brasileiro sendo amarelo � complicado. "A gente tenta procurar pertencimento num pa�s que est� querendo dizer pra gente o tempo todo que a gente n�o pertence", afirma. "� muito dif�cil, desanimador, voc� tentar procurar inspira��o e tentar procurar a vontade de ser algu�m em um pa�s onde as pessoas grandes em todas as �reas n�o s�o pessoas como a gente. Sabemos que � dif�cil para uma pessoa asi�tica-amarela, no Brasil, ter o sonho de ser artista, por exemplo. A m�dia coloca em evid�ncia pessoas que n�o s�o como a gente", complementa.
Pessoas brancas "caracterizadas"
Al�m dessas representa��es – j� escassas – mais caricatas, que afetam como pessoas amarelas se enxergam, tamb�m � comum encontrar pessoas brancas "caracterizadas" para interpretarem personagens amarelos.
Dois exemplos recentes s�o a pe�a "TUDO", escrita pelo argentino Rafael Spregelburd e dirigida no Brasil por Guilherme Weber, que coloca uma personagem branca que foi adotada por uma fam�lia coreana e n�o tem nome, sendo chamada apenas de "a coreana"; e uma publica��o feita no perfil do Instagram da Rede Globo em que atores brancos da novela "Cara e coragem" utilizam trajes culturais leste-asi�ticos – colocando, inclusive, uma decora��o de parede como acess�rio complementar das pe�as de roupa.
Debate racial na cultura
Com a repercuss�o da problem�tica de ambas as produ��es, internautas n�o deixaram de comentar sobre o assunto. A atriz Ana Hikari, de ascend�ncia japonesa, chegou a fazer um depoimento did�tico sobre sua vis�o a respeito da pe�a "TUDO".
"Pessoas amarelas n�o s�o brancas! Parece que nem num ambiente aparentemente progressista, de esquerda, ‘faz o L’ no teatro, � poss�vel confiar que o recorte de ra�a est� sendo feito, n�? � urgente que a gente entenda que o debate racial tamb�m � sobre todas as pessoas n�o-brancas. �, tamb�m, sobre hierarquia entre ra�as que coloca as pessoas brancas no topo, literalmente rindo da gente", disse ela em uma publica��o.
Em complemento a isso, o cineasta Hugo Katsuo comenta que "o fen�meno do uso de racismo recreativo, em pleno 2022, em obras ditas progressistas � uma estrat�gia boa. A plateia ri sem sentir desconforto nenhum, n�o desestabiliza nada (muito pelo contr�rio). E, se algu�m reclama: � uma cr�tica ao racismo, voc� que n�o entendeu".
Bruna Tukamoto afirma ficar desapontada quando eventos do tipo ocorrem. "A gente espera rea��es diferentes, n�? Mais emp�ticas. Esperamos que essas pessoas entendam mais a nossa reclama��o, a nossa dor, o nosso descontentamento. Eu acho muito complicado voc� levantar a bandeira anti-racista e, quando voc� comete um ato de racismo, n�o consegue olhar para o seu pr�prio erro e reconhecer isso, buscando formas de justificar o injustific�vel", diz ela ao DiversEM.
Redes de apoio para pessoas amarelas
Com o crescimento do debate racial sobre pessoas amarelas, criadores de conte�do v�m criando redes de apoio para seus seguidores nas redes sociais. Bruna Tukamoto e Hasegawa s�o exemplos disso e come�aram a criar uma imagem para representarem aquilo que era ausente para eles: uma personalidade amarela na qual se inspirar.
"Produzo conte�do para a internet principalmente sobre as pautas raciais amarelas, compartilhando informa��es sobre o preconceito que n�s sofremos. Meus conte�dos t�m vi�s mais informativo e educativo, mas eu tamb�m tento gerar uma rede de apoio entre os pr�prios amarelos porque acho importante a gente se fortalecer enquanto comunidade. Precisamos desse apoio para angariar melhor a luta", diz Bruna.
"A gente cria essa comunidade porque acho que cabe a n�s, porque esperar o mundo mudar, �s vezes, vai demorar muito. A gente tem que se fortalecer entre a gente, olhar o nosso, procurar o nosso. ‘Ai, Hase, mas eu n�o conhe�o ningu�m’. Vai no meu [perfil do] Instagram! Veja as pessoas que eu sigo, veja o tipo de gente que eu compartilho. Criar essa rede de apoio faz toda a diferen�a", complementa Hasegawa.
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O podcast DiversEM � uma produ��o quinzenal dedicada ao debate plural, aberto, com diferentes vozes e que convida o ouvinte para pensar al�m do convencional. Cada epis�dio � uma oportunidade para conhecer novos temas ou se aprofundar em assuntos relevantes, sempre com o olhar �nico e apurado de nossos convidados.
*Estagi�ria sob supervis�o do subeditor Rafael Alves