
A hist�ria do povo que est� no centro do julgamento do STF � marcada por tentativas de exterm�nio e deslocamentos for�ados. Em 22 de setembro de 1914, os l�deres Kovi Path� e Vombl� Kuzu se encontraram for�adamente com funcion�rios do SPI, com o intuito de colocar um fim aos assassinatos dos ind�genas da etnia. Estima-se que a popula��o xokleng tenha perdido dois ter�os de seus integrantes no s�culo passado. O encontro de ind�genas com o SPI ficou conhecido como "pacifica��o" e foi liderado por Eduardo de Lima e Silva Hoerhann.
Apesar do nome, o contato dos xoklengs com os funcion�rios do SPI n�o trouxe paz para os ind�genas de Santa Catarina, pois a viol�ncia passou a ocorrer de maneira "institucionalizada", por parte dos funcion�rios do Servi�o de Prote��o aos �ndios. "Quando nossos l�deres antepassados apertaram a m�o do branco, no contato eles prometeram nos livrar dos bugreiros. No come�o era assim; depois, n�o", relatou o anci�o Caxias Pop� ao Conselho Indigenista Mission�rio (Cimi). Eduardo de Lima e Silva Hoerhann passou a agredir e matar os ind�genas, al�m de tamb�m submet�-los a trabalhos an�logos � escravid�o e se apropriar de seus territ�rios.
O pesquisador Cl�vis Brighentti, da Universidade Federal da Integra��o Latino-Americana (Unila), conta que a extens�o das terras do povo Xokleng foram diminuindo, pois eram vistas como propriedade por funcion�rios do SPI. "O s�culo 20 pode ser caracterizado como um dos mais violentos contra os povos ind�genas no Brasil justamente porque a pr�tica era institucionalizada, era oficializada e legalmente amparada pelo regime tutelar a que eram submetidos os ind�genas. A tutela era a extens�o da guerra, era a impossibilidade de rea��o, o sentido mais desumano que se pode aplicar a um povo, tolher a liberdade e impedir que reajam", afirma o pesquisador, no artigo Xokleng e a mem�ria perdida: a hist�ria que � melhor n�o contar, divulgado pelo Cimi.
De cerca de 40 mil hectares reservados aos Xokleng, restou menos de 15 mil. As viol�ncias contra os povos ind�genas, da coloniza��o at� a "pacifica��o", eram perpetradas sob o argumento de "necessidade de civiliza��o" dos origin�rios. "A sociedade regional reconhece Eduardo de Lima e Silva Hoerhan como o her�i pacificador, aquele que teve a aud�cia de estabelecer o contato e conviver com esse povo por praticamente meio s�culo. Foi ele quem garantiu a tranquilidade para a sociedade regional, que impediu aos ind�genas circularem por seu territ�rio tradicional, tamb�m foi o respons�vel por introduzir os valores e costumes das sociedades ocidentais no seio desse povo", explica o pesquisador Cl�vis. Em 1954, Eduardo foi preso, acusado de matar um ind�gena Kaingang.
E as viola��es contra o povo Xokleng n�o pararam por a�. Durante a ditadura militar, o SPI autorizou a constru��o da Barragem do Norte sem consulta pr�via � comunidade. O empreendimento tinha o intuito de proteger as cidades de Ibirama, Indaial, Blumenau e Gaspar de enchentes no Vale do Itaja�. Entretanto, a constru��o resultou na inunda��o das terras produtivas dos ind�genas, o que inviabilizou a subsist�ncia deles naquela regi�o e for�ou deslocamento de fam�lias.
"Fam�lias desabrigadas; casas inundadas e condenadas; falta de �gua pot�vel e alimentos; estradas interditadas; aldeias isoladas; cancelamento das aulas nas escolas; falta de acesso dos profissionais de sa�de �s aldeias; riscos de novos deslizamentos; inseguran�a e ang�stia pela pr�xima enchente. Esse � o cen�rio com que a comunidade precisa lidar ap�s a constru��o da barragem", destacou o Instituto Socioambiental (ISA).
Em 1998, a Funai reconheceu a necessidade de amplia��o do territ�rio dos Xokleng, ap�s todo o impacto sofrido nos anos anteriores. Em 2003, o Minist�rio da Justi�a publicou portaria declarat�ria do territ�rio Ibirama-La Kla�o. No entanto, o ato foi questionado judicialmente pelo estado de Santa Catarina. Em uma das a��es desse processo, est� a reintegra��o de posse contra os ind�genas, autorizado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Regi�o, sob o argumento de que a posse de um territ�rio s� pode ser garantido ap�s a conclus�o da demarca��o. A Funai recorreu ao STF e da� surgiu a repercuss�o geral do recurso, no �mbito do julgamento do marco temporal.
Resist�ncia
A rejei��o do marco temporal foi amplamente comemorado pelos ind�genas, pois assegura que a demarca��o das terras ind�genas n�o esteja atrelada a um prazo. Reconhecer terras tradicionais est� ligado a manuten��o da vida ind�gena, pois garante a seguran�a dos povos e a possibilidade de preservarem e reproduzirem suas culturas e cren�as. Ao longo dos anos de viol�ncia, um dos impactos sofridos pelos Xokleng foi a diminui��o da fala da l�ngua nativa. A maioria dos membros mais jovens da etnia falam apenas o portugu�s. Por isso, com o intuito de resgatar a hist�ria e cultura, os ind�genas desenvolvem oficinas na comunidade para ensinar a l�ngua e artesanato tradicionais � juventude.
Outra a��o de resist�ncia do povo Xokleng- Lakl�n�, conhecido como "gente do sol" ou "gente ligeira", � o projeto de reflorestamento da �rvore arauc�ria, considerada sagrada pela etnia. A iniciativa, liderada pelo Instituto Z�g, foi agraciada com o Pr�mio Equador 2023 do Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). "O Instituto Z�g � uma organiza��o ind�gena liderada por jovens ind�genas brasileiros que se concentra no reflorestamento e na preserva��o do conhecimento tradicional sobre a �rvore arauc�ria, conhecida como Z�g, que tem valor sagrado e simb�lico para o povo ind�gena brasileiro Xokleng. Suas a��es de reflorestamento incluem a promo��o de tradi��es ancestrais, a remo��o de �rvores invasoras e o alcance educacional. As realiza��es do Instituto Z�g visam proteger a arauc�ria como fonte de nutri��o, medicamento e identidade cultural", destacou a instui��o respons�vel pela premia��o.