
O professor de m�sica Ezequiel Moreira Franco J�nior, de 43 anos e morador de Belo Horizonte, ganhava entre R$ 1.500 e R$ 1.800 por m�s antes da pandemia, dando aulas particulares de viol�o, flauta doce, pandeiro, t�cnica vocal e teoria musical.
Com a crise sanit�ria, Ezequiel viu o n�mero de alunos minguar, mas em 2020, contou com o aux�lio emergencial de R$ 600 para segurar as pontas. Esse ano, n�o foi contemplado pela ajuda do governo e est� vivendo com R$ 360 que ganha dos alunos que lhe restaram e dependendo da fam�lia para se manter.
Formada em Moda, Design e Estilismo pela Universidade Federal do Piau� (UFPI), a teresinense Adrilayne Cristina Machado Sousa, de 24 anos, tinha carteira assinada em seu emprego como produtora de moda em uma loja de roupas.
Nesse in�cio de ano, teve seu contrato formal encerrado e foi recontratada como prestadora de servi�o pela metade do sal�rio, vendo sua renda cair de R$ 1.110 para pouco mais de R$ 500 de um dia para o outro.
Na casa de Cristina, sua m�e, professora em escola particular, tamb�m teve o sal�rio reduzido, de pouco mais de um sal�rio m�nimo (cujo valor est� em R$ 1.100 em 2021), para algo em torno de R$ 800. Com a perda de renda de m�e e filha, � o pai, t�cnico de eletr�nica informal, que est� mantendo a maior parte dos gastos da fam�lia, que foram diminu�dos.
Ezequiel e Cristina s�o exemplos da realidade de muitos brasileiros neste in�cio de 2021, marcado pela perda de renda dos trabalhadores, em meio � acelera��o da infla��o e desemprego recorde.
PIB em alta, renda em baixa
Segundo levantamento realizado por Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas), a renda m�dia domiciliar per capita (por pessoa) dos brasileiros foi de R$ 1.065 no primeiro trimestre deste ano, uma queda de 10% em rela��o � m�dia de R$ 1.185 de igual per�odo de 2020.
Esse foi o quarto trimestre seguido de queda da renda na compara��o anual.

A maior redu��o foi registrada no segundo trimestre de 2020 - marcado pela primeira onda da pandemia no Brasil -, com retra��o de 12%. No terceiro e quarto trimestres do ano passado, o recuo foi id�ntico: de 11%, sempre em rela��o ao mesmo trimestre do ano anterior.
Neste in�cio de ano, mesmo com o crescimento acima do esperado do PIB (Produto Interno Bruto) e com uma boa abertura de vagas formais, a queda da renda continuou.
A economia brasileira cresceu 1,2% entre janeiro e mar�o, em rela��o ao quarto trimestre, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica), acima do que era esperado pelos analistas. E foram abertas 837 mil vagas com carteira assinada, segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) do Minist�rio da Economia.
O levantamento do pesquisador do Ibre-FGV, realizado com base na Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios) Cont�nua do IBGE, considera o rendimento efetivamente recebido pelas pessoas em todos os trabalhos por elas exercidos.
N�o considera, por�m, outras fontes de renda, como benef�cios sociais, aposentadorias e pens�es e rendimentos de aluguel, pois esses dados s� s�o divulgados pelo instituto oficial de pesquisa ao fim do ano fechado, com a publica��o da Pnad Anual.
Para calcular a renda domiciliar per capita m�dia, Duque levou em conta a soma dos rendimentos do trabalho, dividida pelo n�mero de pessoas no domic�lio.
Por que a renda segue em queda
"Como h� muitas pessoas procurando emprego, isso diminui as press�es salariais", observa Duque, sobre o efeito do excesso de oferta de m�o de obra sobre os sal�rios.
Apesar da forte cria��o de vagas formais nesse in�cio de ano, o desemprego foi recorde no trimestre encerrado em mar�o, com taxa de desocupa��o de 14,7% e um total de 14,8 milh�es de pessoas desempregadas, segundo o IBGE.
Essa aparente contradi��o acontece devido � discrep�ncia na recupera��o entre os mercados de trabalho formal e informal, um dos efeitos da pandemia do coronav�rus.
"H� tamb�m o fato de que as empresas n�o est�o reajustando sal�rios acima da infla��o pela pr�pria situa��o delas, em decorr�ncia da crise", destaca o pesquisador.

Segundo o boletim Salari�metro da Fipe-USP (Funda��o Instituto de Pesquisas Econ�micas da Universidade de S�o Paulo), de janeiro a abril deste ano, 61,6% das negocia��es salarias coletivas entre patr�es e empregados resultaram em reajustes abaixo da infla��o.
Um total de 25,4% dos acordos coletivos repuseram a alta de pre�os e apenas 13% das negocia��es resultaram em reajustes acima do INPC (�ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor), indicador que � refer�ncia para os reajustes salariais.
"A acelera��o da infla��o � um outro fator importante. Por conta dela, os reajustes nominais n�o t�m sido capazes de contrapor a varia��o dos pre�os", diz Duque.
At� mar�o, o INPC acumulou alta de 6,94% em 12 meses. E a situa��o piorou nos meses seguintes, com o �ndice acumulando avan�o de 8,90% at� maio, conforme divulgado na quarta-feira (09/06) pelo IBGE.
A infla��o esse ano tem sido puxada pelo aumento de pre�os dos alimentos e combust�veis, devido � valoriza��o das commodities, impulsionadas pela recupera��o da economia global, com o controle da pandemia em outros pa�ses. Em maio, somou-se a esse quadro a alta das contas de luz, devido � seca hist�rica, que tamb�m deve afetar os pre�os da alimenta��o.
O economista reconhece que parte da queda da renda pode ter sido impactada pela mudan�a de composi��o da amostra da Pnad, que tem sido afetada pela migra��o da coleta dos dados de presencial para por telefone em meio � pandemia. Mas avalia que, dada a magnitude da retra��o, esse fator certamente n�o explica a totalidade da baixa.
O que aconteceu com a desigualdade?
Apesar da continuidade da queda dos rendimentos nesse in�cio de 2021, a desigualdade da renda do trabalho teve uma pequena melhora, em rela��o ao pior momento para o indicador, registrado entre o segundo e terceiro trimestres do ano passado, observa o economista da FGV.
O �ndice de Gini da renda do trabalho - uma medida de desigualdade que varia de zero a um, sendo zero a igualdade perfeita -, ficou em 0,670 no primeiro trimestre deste ano, abaixo do pico de 0,677 registrado no segundo trimestre de 2020. Apesar dessa ligeira melhora, o indicador segue muito acima do n�vel anterior � pandemia.

"Depois de aumentos bastante relevantes no segundo e terceiro trimestres do ano passado, estamos vendo uma desacelera��o da desigualdade", diz Duque.
Um dos fatores que explica essa din�mica � o comportamento da renda dos trabalhadores formais e informais. No primeiro trimestre, a renda m�dia dos formais caiu 3% em rela��o ao mesmo per�odo de 2020, enquanto a dos informais aumentou 1%.
"Come�a a haver um retorno dos trabalhadores informais, com mais horas trabalhadas", observa Duque. "Por outro lado, como a renda dos formais � maior do que a dos informais, isso contribui para a queda que observamos na renda m�dia geral."
E o que esperar pela frente?
Na desigualdade, o economista da FGV avalia que devemos observar � frente uma desacelera��o adicional.
"Enquanto no mercado de trabalho do topo a situa��o est� praticamente normalizada, ainda h� espa�o para o mercado de trabalho dos mais pobres melhorar um pouco mais", afirma.
"Mas provavelmente n�o voltaremos rapidamente ao n�vel anterior � pandemia, porque, geralmente quando h� um choque t�o grande, ocorrem perdas n�o transit�rias, com pessoas que talvez nunca voltem � renda anterior delas, que talvez nunca voltem a procurar emprego ou nunca mais encontrem uma vaga", observa o economista.
"Choques transit�rios muito fortes, mesmo que durem um curto per�odo de tempo, podem ter um impacto permanente, de modo que podemos ter um efeito de longo prazo, em que n�o vamos conseguir retomar, pelo menos n�o na velocidade esperada, a situa��o do mercado de trabalho da popula��o mais afetada, que foram os informais e os mais vulner�veis em geral."

Se a desigualdade tende a melhorar, para a renda, a situa��o � mais problem�tica, diz Duque.
Isso porque ainda h� muita gente para ser reabsorvida pelo mercado de trabalho e as horas trabalhadas j� est�o quase no n�vel pr�-pandemia. "Isso deve fazer com que o sal�rio m�dio caia ainda mais, provavelmente, e depois ainda fique estagnado por um tempo", prev�.
"A competitividade do mercado de trabalho est� muito elevada", observa o economista. "Isso faz com que a gente tenha uma trajet�ria da renda do trabalho provavelmente bastante ruim para os trabalhadores por muito tempo."
Segundo Duque, o efeito macroecon�mico disso j� ficou evidente no PIB do primeiro trimestre, quando o consumo das fam�lias registrou uma queda de 0,1% em rela��o ao quarto trimestre do ano anterior e recuo de 1,7% na compara��o com o primeiro trimestre de 2020.
"Deve haver alguma melhora do consumo no segundo trimestre, devido � volta do aux�lio emergencial", acredita Duque. "Mas depois disso, podemos voltar para uma situa��o negativa, com as fam�lias tendo um menor rendimento do trabalho, que pode resultar em uma desacelera��o do crescimento no segundo semestre, acompanhada do aumento da infla��o."
O professor Ezequiel e a produtora de moda Cristina compartilham do pessimismo do economista. Ambos dizem que n�o sentiram o aumento do PIB no primeiro trimestre nas suas vidas.
"Isso para mim � 'ca�' do governo para engambelar os incautos", afirma o m�sico.
"Eu n�o senti esse crescimento da economia, muito pelo contr�rio", diz Cristina. "As coisas para mim pioraram bastante, parece que a cada dia eu vivo mais no aperto."
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A COVID-19 � uma doen�a provocada pelo v�rus Sars-CoV2, com os primeiros casos registrados na China no fim de 2019, mas identificada como um novo tipo de coronav�rus pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em janeiro de 2020. Em 11 de mar�o de 2020, a OMS declarou a COVID-19 como pandemia.