Ata�de Ferreira Campos, de 83 anos, que perdeu a esposa h� duas semanas para a COVID-19 (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
“A doen�a levou minha mulher para Deus. Foi muito r�pido. Duas semanas, s�. Ao lado dela, fiquei mais de 60 anos. Uma saudade que n�o vai acabar nunca.” Com os olhos minando tristeza e a fala tr�mula, o lamento do aposentado Ata�de Ferreira Campos, de 83 anos, repete o luto que se torna comum entre moradores do Bairro Alto Vera Cruz, Leste de Belo Horizonte.
Como ocorreu com a mulher dele, Deusira Viana Campos, de 78, as v�timas da COVID-19 se multiplicam nessa que faz parte de uma das �reas com maior concentra��o de doentes na capital.
Em levantamento da reportagem do Estado de Minas sobre os casos mais graves de cont�gio pelo novo coronav�rus, as regionais Leste e Noroeste s�o as que surgem com maior n�mero de infectados pela COVID-19 por quil�metro quadrado, o que as torna as mais atacadas pelo v�rus em 2021, com destaque para as comunidades socialmente mais vulner�veis.
O levantamento foi feito a partir dos registros de doentes graves e mortes por S�ndrome Respirat�ria Aguda Grave (SRAG) positivos para COVID-19, fornecidos pela Secretaria Municipal de Sa�de, considerando �rea, em quil�metros quadrados, e popula��o das regionais, com dados da Empresa de Inform�tica e Informa��o do Munic�pio de Belo Horizonte (Prodabel).
O crit�rio de concentra��o de casos por �rea � apontado como indicativo de maior circula��o viral pelo infectologista Carlos Starling, integrante do comit� de enfrentamento � COVID-19 da Prefeitura de Belo Horizonte, e pela professora Jordana Coelho dos Reis, do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
(foto: Arte EM)
De acordo com o levantamento, a maior concentra��o de casos graves de COVID-19 de BH � na Regi�o Leste, com 41 doentes registrados por quil�metro quadrado, seguido pela Regi�o Noroeste, com 40, Centro-Sul (30,3), Nordeste (30,1), Venda Nova (27,1), Oeste (24,6), Norte (22,3), Barreiro (21,7) e Pampulha (15,1).
Leste e Noroeste tamb�m s�o as que t�m maior propor��o de casos em rela��o � popula��o que vive em cada quil�metro quadrado nas nove regionais, com a raz�o de 0,48% e 0,45%, respectivamente.
Nesse quesito, que indica a densidade de casos em rela��o � densidade populacional por metro quadrado, na sequ�ncia v�m Barreiro e Nordeste, ambos com 0,41%, seguidos por Norte (0,34%), Pampulha (0,34%) e Centro-Sul (0,34%), Venda Nova (0,30%) e Oeste (0,30%).
“Quanto maior a densidade populacional e a concentra��o de infectados com o v�rus, maior o risco de transmiss�o, pois a condi��o possibilita maior intera��o entre as pessoas. Por isso, � importante observar v�rios fatores dessa intera��o, como fontes de concentra��o de pessoas, sistemas de �nibus e servi�os, como forma de atuar na velocidade de transmiss�o”, afirma o m�dico Carlos Starling.
As manchas de casos destacam, na maioria das vezes, as �reas mais humildes das regionais como as mais afetadas. No caso da Regi�o Leste, essa concentra��o se alastra pelos bairros Granja de Freitas, Alto Vera Cruz, S�o Geraldo, Esplanada, Vila Nossa Senhora do Ros�rio, Saudade e Vera Cruz.
Na Noroeste, abrange os bairros S�o Crist�v�o, Pedreira Prado Lopes e Santo Andr�. Mas h� grandes aglomera��es em outros pontos de baixa renda como a Vila Cemig (Barreiro), Eymard, Piraj�, S�o Marcos e Maria Goreti (Nordeste), Cabana do Pai Tom�s e Madre Gertrudes (Oeste) e vilas Mar�ola e Nossa Senhora da Concei��o (Centro-Sul).
“Infelizmente, nesses bairros de menor poder aquisitivo os moradores acabam mais expostos, at� pelas condi��es de moradia, que n�o oferecem afastamento ideal. S�o tamb�m pessoas que trabalham em muitos empregos, como diaristas que precisam circular em diversas casas, porteiros e faxineiros, sempre acionados nos hor�rios mais movimentados e com menor capacidade financeira de ficar em casa em vez de trabalhar”, observa a professora Jordana Coelho dos Reis.
“As condi��es de habita��o e de moradia afetam, sim, a din�mica de transmiss�o. Regi�es mais pobres e mais adensadas t�m maior concentra��o de pessoas que podem transmitir o v�rus”, completa Carlos Starling.
Apesar de bairros como o Buritis (Regi�o Oeste), Sagrada Fam�lia (Regi�o Leste) e Castelo (Regi�o da Pampulha) apresentarem mais altos n�meros absolutos de casos de s�ndrome gripal – eram 1.600, 1.122 e 1.045 at� a �ltima ter�a-feira – por terem maior popula��o, essas n�o s�o as �reas de maior concentra��o do v�rus na capital mineira.
“No caso do Buritis, o que se observou foi uma dissemina��o no primeiro momento, pelo fato de o bairro ter muitos jovens m�dicos, residentes e pessoal da sa�de como moradores. Eles se expuseram primeiramente”, avalia a professora Jordana dos Reis.
A Secretaria Municipal de Sa�de de BH afirma que a localiza��o geogr�fica de casos e �bitos de COVID-19 � analisada semanalmente. “O objetivo � avaliar onde est�o concentradas as �reas com o maior n�mero de casos e adotar medidas de controle, como o monitoramento da situa��o e a orienta��o da popula��o sobre a necessidade de medidas de distanciamento social, al�m do isolamento e vacina��o dos grupos priorit�rios j� contemplados.
Como a an�lise � feita de forma continuada, o processo subsidiou a��es intersetoriais do munic�pio. � imprescind�vel que a popula��o colabore e continue fazendo o uso da m�scara e a correta higieniza��o das m�os”, informa a pasta.
Muita gente aglomerada para poucos cuidados
Locais com moradias mais adensadas, como o Alto Vera Cruz, t�m maior vulnerabilidade � transmiss�o. �rea � uma das que t�m maior concentra��o
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
O movimento fren�tico do com�rcio no interior da comunidade do Bairro Alto Vera Cruz, na Regi�o Leste de BH, aproxima perigosamente as pessoas, sobretudo as que insistem em circular sem m�scaras em uma das �reas de maior concentra��o de casos graves de COVID-19 por quil�metro quadrado de Belo Horizonte.
S�o jovens, idosos, m�es com os filhos pequenos e comerciantes sem as prote��es ou usando-as de forma inadequada. Casos de parentes e amigos doentes ou que sucumbiram ao novo coronav�rus n�o faltam, mas tamb�m pouco intimidam ao ponto de provocar uma mudan�a de h�bitos.
“A �ngela, minha vizinha, morreu em pouco tempo. Minha amiga de passeio com as crian�as e de sa�da para os bares. Era nova, tinha uns 50 anos, mas estava cheia de problemas (de sa�de). Internou, a gente ouvia dizer que ela melhorava, depois piorava, a� ficava boa de novo. At� que disseram que morreu. Fiquei chocada”, afirma a vendedora de telemarketing Rosana Soares, de 32 anos. Ela conta que tem medo, mas que precisa sair com os filhos para ganhar a vida, puxando-os pelas ruas e tentando endireitar as m�scaras das crian�as pequenas quando preciso.
“Como � que fico em casa? At� estou em teletrabalho, mas moro em favela. Quando tento vender alguma coisa pelo telefone � aquela barulhada. Gente gritando palavr�es, brigando. Os clientes ficam desconfiados de que possa ser golpe. A� n�o ganho. Preciso procurar outras formas de ganhar a vida”, afirma.
O aposentado Ata�de Ferreira Campos, de 83, acha que perdeu a mulher, Deusira Viana Campos, de 78, por causa da frequ�ncia dela a cultos religiosos. “Ela era uma mulher muito crente. A gente n�o sabe se foi l� que ela adoeceu, mas pode ser, porque n�o sa�mos para mais nada. Agora fico aqui, com meus cinco filhos em casa orando para passar essa doen�a”, afirma.
Nos bairros Bom Jesus, Santo Andr� e na Pedreira Prado Lopes, na Regi�o Noroeste de BH, a rotina de pessoas sem m�scaras caminhando pelas ruas como se a pandemia fosse coisa do passado tamb�m desafia um dos polos de prolifera��o da COVID-19.
At� mesmo os motoristas de �nibus conversam reunidos, pr�ximos e sem as prote��es faciais enquanto aguardam o fim de seu intervalo, ainda que na presen�a de passageiros nos pontos lotados.
“Aqui est� tendo muita gente doente mesmo. Mas as pessoas n�o respeitam. Aglomeram mesmo, querem churrasco, baile funk. Eu e minha filha pequena, de 5 meses, mal sa�mos de casa. Quem faz tudo, e com cuidado, � o meu marido”, disse a lojista Tais Diana Soares, de 28. “A gente ouve falar que as pessoas somem, que estiveram em hospitais, mas ningu�m gosta de comentar que foi pela doen�a, que era porque n�o ficava em casa, que estava nos �nibus lotados”, afirma o motorista Marco Ant�nio Almeida, de 59.
A falta de m�scaras � um grande desafio, mas o ambiente dos �nibus, em si, n�o representaria tamanho perigo, segundo a professora Jordana Coelho dos Reis, do Departamento de Microbiologia da UFMG.
“A m�scara � cr�tica. Tem de cobrir o nariz, a boca e ficar bem justa no rosto. Mesmo de pano, � bom usar duas. Lavar sempre as m�os de hora em hora. J� nos �nibus, se tiver uma ventila��o boa e todos de m�scaras, o risco n�o � t�o grande. Foi comprovado por muitos estudos internacionais que a viabilidade do v�rus em superf�cies como bancos e apoios � muito pequena e dificilmente contaminaria algu�m”, afirma.
O que � um lockdown?
Saiba como funciona essa medida extrema, as diferen�as entre quarentena, distanciamento social e lockdown, e porque as medidas de restri��o de circula��o de pessoas adotadas no Brasil n�o podem ser chamadas de lockdown.
Em 17 de janeiro, a vacina desenvolvida pela farmac�utica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan no Brasil, recebeu a libera��o de uso emergencial pela Anvisa.