Escolas da rede estadual mineira e municipal de Belo Horizonte come�aram o ano letivo com o desafio de fazer seus alunos aprenderem fun��es elementares na caminhada escolar: leitura e escrita. Nas duas redes, a aposta no refor�o escolar busca compensar os efeitos do fechamento prolongado de estabelecimentos de ensino em 2020 e 2021. Na retomada das aulas no ano passado, os primeiros diagn�sticos comprovaram as marcas da pandemia: crian�as que fizeram os primeiros anos do fundamental longe das salas de aula n�o dominam letras e n�meros. As desigualdades foram ampliadas n�o apenas em territ�rio mineiro: em todo o pa�s, a crise sanit�ria inflou em 1 milh�o o n�mero de crian�as de 6 e 7 anos que n�o sabem ler nem escrever.
Entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no n�mero de crian�as dessa faixa et�ria que, segundo seus pais ou respons�veis, n�o sabiam ler e escrever. O n�mero passou de 1,4 milh�o, em 2019, para 2,4 milh�es no ano passado. Os dados, do movimento Todos pela Educa��o, est�o na nota t�cnica “Impactos da pandemia na alfabetiza��o de crian�as”, produzida com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios Cont�nua (Pnad Cont�nua) de 2012 a 2021. O documento compara os n�meros correspondentes ao terceiro trimestre de cada ano e confirma os efeitos colaterais da pandemia de COVID-19 sobre a educa��o p�blica brasileira.
Os n�meros s�o ainda mais impressionantes quando analisados sob outros pontos de vista, como o refor�o da diferen�a entre crian�as brancas e as negras e pardas. Os percentuais de crian�as negras e pardas de 6 e 7 anos que n�o sabiam ler nem escrever passaram de 28,8% e 28,2% em 2019, respectivamente, para 47,4% e 44,5%, em 2021. Entre as crian�as brancas da mesma faixa, o aumento foi de 20,3% para 35,1% no per�odo.
No que se refere � classe social, o abismo tamb�m � gritante. Entre as crian�as mais pobres, o percentual das que n�o sabiam ler e escrever aumentou de 33,6% para 51% entre 2019 e 2021. Entre as crian�as mais ricas, o aumento foi de 11,4% para 16,6%.
A nota t�cnica lembra que, segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o foco da a��o pedag�gica nos dois primeiros anos do ensino fundamental deve ser a alfabetiza��o, “de maneira que as crian�as se apropriem do sistema de escrita alfab�tica de modo articulado ao desenvolvimento de outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em pr�ticas diversificadas de letramentos”. “A n�o alfabetiza��o das crian�as em idade adequada traz preju�zos imensos para suas aprendizagens futuras, o que tamb�m eleva os riscos de uma trajet�ria escolar marcada por reprova��es, abandono e/ou evas�o escolar”, ressalta a publica��o.
� o que pensa tamb�m a pedagoga L�lian Nunes Oliveira, de Belo Horizonte. Depois de perder o emprego durante a pandemia, ela montou em casa um espa�o multim�dia para aulas particulares, tendo como um dos focos a alfabetiza��o. Ela conta que chegou a ter 11 crian�as da educa��o infantil e do fundamental 1 durante o tempo em que as escolas ficaram fechadas. “Posso dizer que 90% delas foram prejudicadas por n�o estar frequentando a escola. Tinha aluno que n�o identificava vogais. N�meros, parecia que nunca tinham nem visto. Trabalhei de forma l�dica para ensinar, considerando as particularidades de cada crian�a, em aulas individuais”, relata.
Mas a pedagoga lamenta que nem todas as fam�lias tenham tido possibilidade de recorrer a alternativas como as aulas particulares. “A fase de alfabetiza��o � muito delicada, principalmente se considerarmos que muitos pais n�o sabem ler nem escrever ou n�o t�m jeito para ensinar os filhos”, destaca. Dos seus alunos, de um bairro da periferia de BH, muitos s� estudavam no per�odo em que estavam com ela. “Esses quase dois anos fora do ambiente escolar representaram um d�ficit muito grande. Precisei encaminhar para neuropediatra crian�a que foi diagnosticada com TDH. Se estivesse na escola, o problema teria sido identificado mais cedo. Foi um preju�zo enorme de ensino e de vida, porque isso vai se refletir no futuro. J� viv�amos essa desigualdade em rela��o aos alunos de escolas particulares, e a tend�ncia ser� aumentar.”
Para L�lian Nunes, os efeitos da pandemia foram sentidos tamb�m no lado pessoal. O filho Miguel, de 6 anos, aluno do 1º ano do fundamental, � exemplo de quem j� deveria estar lendo e escrevendo. “Meu filho conhece as letras, n�meros, escreve o nome dele, mas ainda n�o est� completamente alfabetizado, o que teria ocorrido n�o fosse a pandemia. Faz at� alguns c�lculos, mas tudo o que aprendeu foi acompanhando meu trabalho, pois as atividades que a escola mandava no ano passado eram bem fracas e n�o foram suficientes.”

Preju�zos se estendem al�m dos anos iniciais
O Todos pela Educa��o ressalta que os dados da Pnad Cont�nua corroboram o que t�m mostrado as avalia��es de aprendizagem que estados e munic�pios v�m aplicando aos estudantes. “As a��es presentes e futuras do poder p�blico – nas esferas municipais, estaduais e federal – s�o fundamentais para a mitiga��o de tantos efeitos negativos”, afirma nota t�cnica do movimento. Em Belo Horizonte e nas escolas da rede estadual que oferecem turmas de ensino fundamental, a defasagem em leitura e escrita n�o � observada apenas entre as crian�as de 6 e 7 anos, mas em toda a etapa. Os alunos hoje no 5º ano, por exemplo, estudaram remotamente os dois �ltimos, incluindo o 3º, quando se espera que a alfabetiza��o seja consolidada.
Na capital mineira, a defasagem de exatos dois anos no n�vel de aprendizagem mostra seus reflexos. O principal gargalo est� nas primeiras s�ries do fundamental e toca em cheio a alfabetiza��o: crian�as de 9 anos ainda n�o sabem ler, conforme informou ao Estado de Minas a secret�ria municipal de Educa��o, �ngela Dalben, em reportagem publicada na semana passada. Para contornar o atraso, a prefeitura aposta em refor�o escolar intensivo, que atinge tamb�m os alunos do 6º ao 9º anos, aliado � rotina intensiva de trabalho para garantir a aprendizagem adequada.
A rede estadual tamb�m investir� em refor�o escolar para suas turmas do fundamental, inclusive do 6º ao 9º anos. A secret�ria de Estado de Educa��o, J�lia Sant’Anna, informou que a pasta tem recebido pedidos de ajuda para alfabetiza��o que partem de diretores de escolas com dificuldade de receber estudantes que n�o conseguiram concluir esse processo.
Mas essa forma de “analfabetismo” n�o se restringe aos estabelecimentos p�blicos de ensino, como testemunha o professor Walber Gon�alves de Souza, educador da rede particular de Caratinga, no Vale do Rio Doce. Na escola onde trabalha, reuni�o foi marcada para tra�ar estrat�gias de enfrentamento do problema. “Os primeiros dias de aula j� mostraram aluno do 6º ano sem flu�ncia em leitura e escrita. N�o esperamos que um menino do 5º ano escreva o beab�, ele tem que ter coer�ncia na frase. Mas, � como se tivesse terminado o 3º ano do fundamental e ido direto para o 6º. Ou seja, quando ele precisava sintetizar e concluir o processo de alfabetiza��o, parou no tempo. E estou falando de escola particular, onde a realidade � outra”, afirma o autor do livro “Educa��o: para que e para quem?”.
A obra � uma colet�nea de 40 textos, parte de um acervo de 400 artigos publicados em jornais e revistas do Brasil e do exterior. Eles analisam e prop�em uma reflex�o sobre a educa��o brasileira desde o ano 2000, reflexo das experi�ncias vividas pelo autor ao longo de sua carreira. Doutor, Walber � tamb�m professor do ensino superior em Caratinga e em Angola. Para ele, educa��o � o meio para o ser humano se tornar culturalmente melhor e profissionalmente mais capaz.
“Sinto que isso aos poucos est� se perdendo do ambiente escolar. Sempre acreditei que a educa��o transformaria a sociedade e parece que est� ocorrendo o contr�rio, num paradoxo cruel. N�o tem como fugir do ler e escrever corretamente, de conhecimentos minimamente b�sicos em hist�ria, geografia e ci�ncias”, diz. Tudo isso em meio a uma palavra-chave, segundo ele: qualidade. “Sem isso, s� estar na escola n�o resolve.”
SERVI�O
“Educa��o: para que e para quem?”
Funec Editora
Contato
Instagram: @prof.walbao
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