
Por ora, n�o h� qualquer justificativa para aplicar uma terceira dose das vacinas contra a covid-19 em indiv�duos de qualquer faixa et�ria. Essa � a avalia��o de especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e de diversas institui��es de pesquisa e de sa�de p�blica nacionais e internacionais.
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O debate sobre o tema voltou a esquentar recentemente, com a aprova��o de estudos que avaliar�o a necessidade de um refor�o dos imunizantes j� dispon�veis e com declara��es de gestores p�blicos sobre o futuro das campanhas contra o coronav�rus no pa�s.
A Prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, anunciou que pretende aplicar uma terceira dose em idosos ainda em 2021 e projetou campanhas frequentes a partir do ano que vem.O secret�rio de Sa�de de S�o Paulo, Jean Gorinchteyn, afirmou que os paulistas passar�o por ciclos anuais de vacina��o contra a covid-19. Ele at� marcou uma data para o in�cio dessa nova etapa: 17 de janeiro de 2022.
Se esse planejamento de S�o Paulo seguir os moldes do que foi feito neste ano, tudo indica que profissionais da sa�de e indiv�duos com mais de 60 anos seriam os primeiros contemplados com esse eventual refor�o vacinal.
No mesmo discurso, por�m, Gorinchteyn admitiu que ainda n�o existem estudos que comprovem essa necessidade de revacina��o at� o momento.
� importante lembrar tamb�m que esse debate tem ocorrido em pa�ses mais ricos que est�o avan�ados na imuniza��o de suas popula��es, enquanto grande parte do mundo sofre com escassez de doses para quem mais precisa: idosos e profissionais de sa�de.
Um debate que ultrapassa fronteiras
No cen�rio internacional, Israel j� come�ou a oferecer uma terceira dose para grupos vulner�veis, como pacientes que fazem quimioterapia, portadores de doen�as autoimunes ou transplantados. O pa�s havia aplicado majoritariamente a vacina da Pfizer-BioNTech.
O Reino Unido tamb�m est� planejando dar um refor�o para quem tem mais de 50 anos antes da chegada do inverno no hemisf�rio Norte, durante o segundo semestre de 2021. As duas vacinas mais aplicadas no pa�s s�o Pfizer-BioNTech e AstraZeneca-Oxford.
No Chile, um grupo de pesquisadores sugeriu a necessidade de mais uma aplica��o vacinal nos cidad�os que receberam a CoronaVac, desenvolvida pela farmac�utica chinesa Sinovac (e tamb�m usada no Brasil em parceria com o Instituto Butantan).
Nos Estados Unidos, o m�dico Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doen�as Infecciosas, declarou recentemente que as duas doses das vacinas aprovadas por l� se mostram suficientes e s�o esperados mais estudos para comprovar o benef�cio de uma reaplica��o no futuro. Os EUA t�m aplicado Pfizer-BioNTech, Moderna e Janssen.
Esse parece ser o mesmo posicionamento de ag�ncias americanas relacionadas a temas de sa�de p�blica e regula��o do mercado farmac�utico, como o Centro de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) e o Food and Drug Administration (FDA). E a pr�pria Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) tamb�m segue nessa mesma linha.

Movimentos internos
Enquanto isso, no Brasil, alguns laborat�rios j� conseguiram aprovar com a Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa) a libera��o de novos estudos para avaliar essa possibilidade de refor�o com os seus produtos (ou vers�es modificadas deles para fazer frente �s novas variantes).
AstraZeneca e Pfizer devem come�ar em breve testes sobre os efeitos de uma terceira aplica��o de suas vacinas (a AZD1222 e a Comirnaty, respectivamente) em volunt�rios brasileiros que j� receberam as duas doses anteriormente.
N�o est� claro ainda se haver� um foco maior em idosos ou em algum grupo espec�fico nesses dois trabalhos.
Em nota publicada em seu site, a Anvisa deixou claro que "todas as vacinas autorizadas no Brasil garantem prote��o contra doen�a grave e morte, conforme os dados publicados" e que "n�o h� estudos conclusivos sobre a necessidade de uma terceira dose ou refor�o".
Numa fala recente, o ministro da Sa�de do Brasil, Marcelo Queiroga, tamb�m questionou o debate acerca do assunto que, de acordo com o ponto de vista dele, traz "inseguran�a � popula��o".
Embora concordem com a necessidade de mais pesquisas sobre o t�pico, m�dicos e cientistas consultados pela BBC News Brasil entendem que ainda n�o � hora de fazer an�ncios ou ter tanta certeza sobre os planos futuros de vacina��o contra a covid-19.
"Falar em terceira dose agora � algo que est� fora do tempo e tem car�ter oportunista e pol�tico-demag�gico", diz o virologista Maur�cio Lacerda, professor da Faculdade de Medicina de S�o Jos� do Rio Preto, no interior paulista.
"Essa � uma discuss�o precipitada, sobre a qual n�o possu�mos nenhuma evid�ncia. A quest�o � ainda mais complicada quando vemos que essa necessidade muitas vezes � levantada pelas companhias que fabricam as vacinas. Ser� que n�o h� nenhum conflito de interesses envolvido?", questiona a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ci�ncias da Sa�de de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
"No momento, � muito precoce falar em refor�os futuros como algo definitivo. H� ainda muitas coisas que precisamos aprender sobre a covid-19 e as vacinas que protegem contra ela", concorda o pediatra Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm).
De acordo com os especialistas, antes de cravar a necessidade de uma terceira aplica��o dos imunizantes, � preciso responder pelo menos tr�s quest�es fundamentais: quanto tempo dura a imunidade ap�s as vacinas, qual o grau de amea�a das novas variantes e como est� a distribui��o desses produtos pelo mundo.
Boas not�cias no front
O primeiro ponto que justificaria a necessidade de uma terceira dose contra a covid-19 seria a queda da imunidade passados alguns meses (ou anos) da vacina��o. Com o decorrer do tempo, h� o risco de o nosso sistema de defesa "se esquecer" de como nos proteger de uma infec��o dessas. Ou seja, um refor�o serviria para "relembrar" as c�lulas imunol�gicas de como combater aquela amea�a e evitar complica��es � sa�de.
E aqui est� o primeiro ponto que desencoraja a revacina��o: n�o existe qualquer consenso de quanto dura a imunidade contra o coronav�rus.
Lacerda cita dois estudos recentes que abordam justamente esse tema.
O primeiro deles, liderado por cientistas do Centro M�dico Beth Israel Deaconess, da Universidade Harvard, nos EUA, avaliou a manuten��o da imunidade em indiv�duos que receberam a vacina Ad26.COV2.S, da Janssen.
O segundo, que teve a participa��o de investigadores do Centro de Pesquisa em C�ncer Fred Hutchinson e da Universidade de Washington, tamb�m nos EUA, acompanhou um grupo de pessoas que se recuperaram da covid-19.
"Os dois trabalhos conclu�ram que os participantes continuavam a ter uma resposta imune ap�s oito meses, seja pela vacina��o ou pela infec��o natural", diz o especialista, que tamb�m � ex-presidente da Sociedade Brasileira de Virologia. "E por que oito meses? Porque esse foi o tempo de observa��o. Tudo indica que, se esses mesmos indiv�duos forem avaliados daqui a quatro meses, eles continuar�o com uma boa imunidade contra o coronav�rus."
Vale destacar, no entanto, que esses dois artigos inclu�ram pessoas de v�rias faixas et�rias e j� � consenso que a imunidade costuma funcionar um pouco pior conforme a gente envelhece — v�rios estudos demonstraram que os mais velhos respondem pior �s vacinas e geram menos anticorpos.
Mas isso n�o quer dizer que os imunizantes tenham um "prazo de validade" menor ou n�o sejam indicados nas faixas et�rias mais avan�adas.

Em primeiro lugar, nosso sistema imunol�gico � complexo e diverso, e sua atua��o vai muito al�m dos anticorpos.
� preciso levar em conta, por exemplo, o papel das c�lulas de mem�ria (que guardam as informa��es de como combater uma doen�a e s�o ativadas quando a amea�a � concreta) ou dos linf�citos T, um tipo de unidade de defesa que identifica e mata c�lulas infectadas antes que o problema se espalhe.
O segundo motivo � de ordem pr�tica e vem da experi�ncia dos pa�ses com a vacina��o contra a covid-19 mais adiantada: como os idosos foram contemplados com as primeiras doses, o n�mero de casos graves e mortes entre os mais velhos est� em constante decl�nio desde ent�o e n�o parece dar qualquer sinal de retomada at� o momento.
Isso significa, portanto, que as vacinas est�o funcionando, a imunidade segue num bom n�vel e h� prote��o suficiente contra hospitaliza��es e �bitos.
"Os dados mostram que, atualmente, as mortes relacionadas ao coronav�rus nos EUA acontecem naqueles indiv�duos que n�o foram imunizados, independentemente da faixa et�ria", exemplifica Bonorino, que tamb�m integra a Sociedade Brasileira de Imunologia.
E todas essas informa��es nos revelam uma coisa: em linhas gerais, ainda n�o temos evid�ncias de que a imunidade contra a covid-19 diminui ap�s alguns meses, mesmo entre os idosos (embora se espere que o resultado de longo prazo seja pior entre aqueles que passaram da sexta d�cada de vida).
Para ter certeza sobre isso, precisamos de estudos maiores e mais longos que confirmem quanto tempo dura essa prote��o para, a� sim, determinar a necessidade de doses de refor�os no futuro e qual ser� a periodicidade delas, em especial em algumas idades ou grupos priorit�rios.
Muta��es que geram apreens�o
O segundo ponto-chave que confirmaria a necessidade de uma terceira aplica��o seria o surgimento de variantes do coronav�rus com capacidade de driblar completamente o efeito das vacinas.
Por ora, as novas vers�es que surgiram n�o conseguiram esse feito, mesmo se considerarmos aquelas que integram a lista das mais preocupantes: Alfa, Beta, Gama e Delta at� conseguem diminuir um pouco a efic�cia dos imunizantes utilizados atualmente, mas n�o chegam a tornar essas doses obsoletas ou in�teis.
Elas tamb�m n�o parecem ser mais agressivas ou prejudiciais para alguma faixa et�ria espec�fica, como os idosos.
"Nenhuma variante em circula��o provocou um escape vacinal at� o momento. Sabemos que elas est�o relacionadas a uma queda na sensibilidade dos anticorpos, mas n�o conseguimos determinar ainda a exata medida disso e qual o m�nimo necess�rio para manter essa prote��o", explica Lacerda.
Os anticorpos s�o subst�ncias produzidas pelos linf�citos B que costumam atuar contra partes bem espec�ficas do agente infeccioso.
No caso do coronav�rus atual, muitas das vacinas foram desenhadas para gerar os tais anticorpos contra a esp�cula, uma estrutura da superf�cie viral respons�vel por se conectar ao receptor das nossas c�lulas e dar in�cio � infec��o.
Acontece que as variantes trazem muta��es justamente nessa esp�cula, o que reduz um pouco o efeito das subst�ncias imunes geradas pelos linf�citos B.
Mas, mais uma vez, a diversidade de nosso sistema imunol�gico aparece para salvar o dia, com seu batalh�o de c�lulas que agem por diferentes vias para nos proteger.
Em outras palavras, embora as variantes configurem um motivo de preocupa��o e precisem ser observadas de perto, ainda n�o surgiu nenhuma vers�o nova do coronav�rus com capacidade comprovada de escapar totalmente das vacinas em uso.
Mas a possibilidade de aparecer uma muta��o com esse poderio existe sim, ainda mais quando temos uma boa parcela da popula��o mundial desprotegida — o que nos leva, ali�s, ao nosso pr�ximo t�pico de discuss�o.
Desigualdade global
Por fim, � sintom�tico notar que a discuss�o sobre a necessidade de uma terceira dose est� concentrada justamente nos pa�ses mais ricos, que garantiram boa parte dos primeiros lotes produzidos.
Esse debate ganha terreno em lugares como Canad�, EUA, Israel e Reino Unido, que j� imunizaram pelo menos metade de suas popula��es.
Enquanto isso, a maioria dos pa�ses da �frica n�o vacinou nem 5% de seus habitantes com a primeira dose e o Haiti, na Am�rica Central, s� iniciou sua campanha contra o coronav�rus no meio de julho de 2021.

"N�o adianta falar em terceira dose num cen�rio em que alguns pa�ses j� est�o com 80% da popula��o imunizada e outros n�o conseguem sequer ultrapassar os 10%", aponta Cunha, da SBIm.
O especialista destaca o car�ter global da covid-19 e entende que a pandemia s� deixar� de ser um problema quando todas as na��es estiverem com casos e mortes controlados.
Numa fala recente � imprensa, o diretor-geral da Organiza��o Mundial da Sa�de, Tedros Adhanom Ghebreyesus chegou a classificar como "gan�ncia" os projetos de terceira dose nos pa�ses mais ricos. "O abismo mundial no fornecimento de vacinas � irregular e desigual. Alguns pa�ses e algumas regi�es est�o encomendando milh�es de doses, enquanto outros n�o vacinaram seus profissionais de sa�de e os membros mais fr�geis da popula��o."
Al�m de question�vel do ponto de vista �tico, essa disparidade tem efeitos pr�ticos: as variantes costumam se desenvolver justamente em lugares onde a pandemia est� fora de controle.
Nada garante, portanto, que uma nova vers�o do coronav�rus, cheia de muta��es capazes de resistir �s vacinas, seja detectada justamente nos locais que n�o t�m acesso a esses produtos e que, portanto, seguem com boa parte da popula��o desprotegida.
"Nosso foco agora deveria estar em acelerar a campanha e aplicar duas doses no maior n�mero de pessoas o mais r�pido poss�vel", completa Cunha.
Num cen�rio de tantas incertezas e decis�es precipitadas, nos resta ter calma, aguardar e conferir como a experi�ncia de vida real e as evid�ncias evoluem nos pr�ximos meses.
Todos os vacinados contra o coronav�rus precisar�o de um refor�o no futuro? Ou s� aqueles que tomaram o imunizante X ou o Y? Ser� que apenas indiv�duos mais velhos e com a imunidade comprometida tomar�o a terceira dose?
Por ora, n�o h� consenso cient�fico sobre nenhuma destas quest�es — e qualquer decis�o de governos estar� baseada em conjecturas e especula��es.
A �tima not�cia � que, independentemente das variantes, os imunizantes usados atualmente s�o efetivos e est�o ajudando a evitar muitos casos graves e mortes por covid-19.
O que precisamos agora � aumentar a parcela da popula��o imunizada para que a pandemia, como um fen�meno global, seja efetivamente controlada no mundo inteiro — e n�o apenas no grupo das na��es mais ricas.
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