
A pandemia n�o tem sido nada f�cil para adolescentes, com o fechamento prolongado das escolas, as dificuldades nas aulas online e os impedimentos de se socializar pessoalmente com outros jovens da mesma idade.
Mas � poss�vel que parte desses adolescentes tenha tido ao menos um ganho importante durante os meses mais duros da quarentena: a chance de dormir mais tempo, uma vez que n�o precisavam acordar cedo para ir � escola.
- Melatonina: 'horm�nio do sono' est� liberado no Brasil, mas m�dicos pedem cautela
- Quantas horas precisamos dormir para um sono reparador?
E dormir bem � um fator crucial para a sa�de e o desenvolvimento na adolesc�ncia - argumento principal de m�dicos e especialistas que defendem que as aulas presenciais de jovens n�o devem come�ar t�o cedo pela manh�, para permitir que os jovens tenham mais horas de sono (entenda mais abaixo).
Uma pesquisa feita na Su��a, rec�m-publicada na JAMA Network Open, avaliou o sono de 3,6 mil estudantes da etapa equivalente ao ensino m�dio, com idade m�dia de 16 anos, durante os meses iniciais de lockdown no pa�s - entre 13 de mar�o e 6 de junho de 2020, quando as aulas su��as migraram para o ambiente remoto.
Ao comparar o tempo de sono desses adolescentes com um grupo de controle, que havia sido mensurado em 2017, ou seja, durante um per�odo t�pico de aulas, os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Zurique conclu�ram que, durante o lockdown pand�mico, os estudantes puderam dormir at� 75 minutos a mais por dia de semana (nos fins de semana, n�o houve diferen�as significativas entre os dois grupos).Esse per�odo adicional de sono foi associado a melhores indicadores de sa�de, segundo os pesquisadores.
"Os participantes dormiram significativamente mais e apresentaram indicadores melhores de sa�de, com menos consumo de cafe�na e �lcool do que antes da pandemia", diz a pesquisa.
Um problema detectado pelos estudiosos � que esses ganhos de sa�de trazidos pela oportunidade de dormir mais foram ofuscados pela incid�ncia maior de tristeza, isolamento, sedentarismo e depress�o em muitos adolescentes durante a pandemia, sobretudo na �poca mais restritiva da quarentena.
Ou seja, por um lado os adolescentes entrevistados na Su��a relataram estar mais descansados e cheios de energia. Por outro, se sentiram mais solit�rios e tristes por n�o poderem estar presencialmente com os amigos.
Como conclus�o, de qualquer modo, os pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Infantil defendem que as descobertas em torno do sono extra na pandemia podem ajudar as escolas a tra�ar suas pol�ticas em caso de futuros fechamentos das aulas presenciais.
E os estudiosos v�o al�m, dizendo que "as descobertas do estudo mostram claramente os benef�cios de as aulas escolares come�arem mais tarde pela manh�, para que os jovens possam dormir mais", nas palavras do coautor da pesquisa Oskar Jenni, professor de Desenvolvimento Pedi�trico na Universidade de Zurique.
O sono dos adolescentes brasileiros

N�o � poss�vel saber ao certo se resultados semelhantes de tempo adicional de sono teriam sido identificados entre adolescentes brasileiros durante a quarentena e as aulas online - lembrando, tamb�m, que muitos jovens de baixa renda daqui foram precocemente empurrados ao mercado de trabalho para ajudar no sustento de suas fam�lias por conta do desemprego e da crise econ�mica, e muitos outros n�o conseguiram ter acesso regular ao conte�do do ensino remoto.
Em 2020, uma pesquisa feita em conjunto pela FioCruz e pela UFMG identificou que 48,7% dos adolescentes de 12 a 17 anos do pa�s se sentiam, na �poca, preocupados, nervosos ou com mau humor, na maioria das vezes ou sempre.
Eles passaram a consumir mais doces e alimentos ultraprocessados, e tamb�m se tornaram mais sedent�rios - o que certamente n�o contribuiu para sua sa�de.
A pesquisa n�o abordou horas de sono, mas sim a qualidade deste - que piorou para 36% dos jovens brasileiros.
Mas, quando os jovens t�m chance de dormir mais - e acordar um pouco mais tarde -, os benef�cios � sa�de j� est�o evidentes do ponto de vista cient�fico, explica � BBC News Brasil a neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associa��o Brasileira do Sono.
"O sono tem impacto no humor, na ansiedade, na depress�o e na sociabiliza��o dos adolescentes", diz ela.
A biologia do sono
Bacelar explica que aquele jovem que sofre para acordar cedo para ir � escola ou que cochila nas primeiras aulas matutinas n�o pode ser chamado de pregui�oso ou indisciplinado. � uma quest�o biol�gica:
"Nessa faixa et�ria de 13 a 18 anos, ocorre uma tend�ncia de atraso na produ��o e na curva da melatonina", o horm�nio que nos induz ao sono, diz a m�dica.
"Obviamente existem as redes sociais, a luz azul produzida pelos celulares e outros est�mulos (que mant�m os jovens acesos) e agravam isso. Mas, biologicamente, a maioria dos adolescentes n�o tem sono por volta das 22h porque n�o tem horm�nio do sono sendo produzido em seu corpo", prossegue.
O problema � que, apesar dessa mudan�a hormonal, os adolescentes continuam precisando de mais tempo de sono que os adultos - a recomenda��o � dormir idealmente de 9 a 10 horas por noite - para manterem uma boa sa�de f�sica e mental, e para conseguirem estar alertas e motivados nas aulas.

A conta, ent�o, n�o fecha para os alunos que estudam de manh� cedo, a partir das 7h: "Sabemos que, mesmo que esse jovem acorde �s 6h - o que n�o � o caso de muitos que moram longe da escola, precisam pegar condu��o etc -, ele teria que ir dormir �s 20h para ter a quantidade ideal de horas de sono que lhe fa�a crescer, produzir, ir bem e n�o cochilar nas aulas. � praticamente invi�vel", pondera Bacelar.
Em 2018, a Associa��o Brasileira do Sono aplicou question�rios em 1,9 mil jovens de 13 a 17 anos do pa�s, que disseram dormir, em m�dia, de seis a seis horas e meia em dias de semana. Na pr�tica, isso equivale a um quadro de priva��o de sono nessa faixa et�ria.
Quase 60% dos jovens entrevistados se disseram insatisfeitos com o tempo que conseguiam dormir nos dias de semana.
"� um 'jet lag' social, de priva��o de sono por necessidade, que resulta em um d�ficit de dez horas de sono por semana", explica Bacelar. "E sono perdido n�o tem volta: se o adolescente n�o cresceu, n�o vai crescer. E ele pode ficar mais ansioso ou ganhar peso por quest�es metab�licas (ligadas � priva��o do sono)."
Come�ar aulas mais tarde?
Por isso, a associa��o tem defendido, nos �ltimos anos, que as escolas brasileiras adiem o hor�rio de in�cio das aulas matinais, para no m�nimo 8h da manh� - para ao menos reduzir o d�ficit de sono dos jovens. Um projeto de lei chegou a ser elaborado com esse intuito, mas acabou tendo sua tramita��o retardada durante a pandemia, explica Andrea Bacelar.
� um debate que ocorre em outros pa�ses. Nos EUA, a Academia Americana de Pediatras recomenda que as aulas escolas do equivalente ao ensino fundamental 2 e ao ensino m�dio n�o comecem antes das 8h ou 8h30 - algo que foi transformado em lei na Calif�rnia em 2019, com data limite de julho deste ano para vigorar em todas as escolas do Estado.
O Centro de Controle de Doen�as dos EUA, por�m, destacou em documento que a maioria das escolas americanas ainda come�a suas aulas "cedo demais", o que � associado a "riscos de sa�de entre estudantes do ensino m�dio, como excesso de peso, consumo de �lcool e cigarro e uso de drogas, al�m de desempenho acad�mico ruim".
Um estudo noticiado pela BBC no ano passado apontou, tamb�m, que um bom sono na adolesc�ncia parece estar associado a uma melhoria na sa�de mental na vida adulta.

De volta ao Brasil, a m�dica Andrea Bacelar tamb�m entende os motivos que levam � resist�ncia de escolas (e de algumas fam�lias) a mudan�as no hor�rio de entrada de escolas: entrar mais tarde significa ter de sair mais tarde das aulas, o que dificulta a tarefa de equilibrar turnos escolares e outras atividades, e de conciliar hor�rios de professores (muitos dos quais trabalham em mais de uma escola).
H�, tamb�m, a dificuldade de muitos pais em levarem filhos mais tarde para a escola, caso tenham eles pr�prios que chegar cedo ao trabalho.
Bacelar destaca, por�m, que escolas que adotaram hor�rios mais tardios por conta pr�pria no Brasil t�m observado ganhos de produtividade, sociabiliza��o, humor e aten��o entre os alunos.
"� fato que h� quest�es log�sticas, mas � poss�vel buscar alternativas - por exemplo, fazendo parte das aulas de forma ass�ncrona (ou seja, sem que todos os alunos tenham de estar presencialmente ao mesmo tempo) � dist�ncia, como ocorreu no ensino remoto", defende. "Os ganhos para a sa�de compensam."
E a neurologista argumenta que entrar mais tarde na escola n�o pode ser confundido com ir dormir ainda mais tarde ou passar mais tempo diante de eletr�nicos � noite.
"Quando os pais me dizem que 'meu filho vai ficar nas redes sociais at� mais tarde', digo que a disciplina com os aparelhos eletr�nicos tem de continuar", recomenda a neurologista.
"� preciso ficar longe da luz azul (aquela produzida por tablets e celulares) uma hora antes de dormir, para n�o retardar a produ��o de melatonina. E o ideal � toda a fam�lia contribuir e estar pronta para dormir mais cedo."
Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Leia mais sobre a COVID-19
- Vacinas contra COVID-19 usadas no Brasil e suas diferen�as
- Minas Gerais tem 10 vacinas em pesquisa nas universidades
- Entenda as regras de prote��o contra as novas cepas
- Como funciona o 'passaporte de vacina��o'?
- Os protocolos para a volta �s aulas em BH
- Pandemia, epidemia e endemia. Entenda a diferen�a
- Quais os sintomas do coronav�rus?
