
Foi-se o tempo em que a covid-19 era encarada apenas como uma doen�a respirat�ria. Hoje em dia, h� um consenso entre os especialistas de que as repercuss�es da infec��o pelo coronav�rus n�o se limitam aos pulm�es e podem afetar v�rias outras partes do corpo, especialmente os vasos sangu�neos.
O risco de desenvolver uma trombose — a forma��o de co�gulos em veias e art�rias que podem bloquear o fluxo sangu�neo e interromper o suprimento de oxig�nio e nutrientes para os �rg�os — � bem maior em pacientes infectados, especialmente aqueles com quadros mais graves, que precisam de interna��o em Unidade em Terapia Intensiva (UTI).
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E, de acordo com especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a probabilidade de ter essa complica��o vascular durante ou ap�s a covid cresce um pouco mais naquelas pessoas que t�m varizes, quadro marcado pela dilata��o e pela deforma��o das veias mais superficiais das pernas.
Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular (SBACV), cerca de 38% dos brasileiros possuem varizes.
Mas o que uma coisa tem a ver com a outra? E existem maneiras de prevenir, detectar precocemente e tratar a trombose relacionada � covid? Para responder a todas essas perguntas, � preciso antes dar um passo atr�s e entender como um v�rus que entra pelo nariz e pela boca causa tantos problemas nos vasos sangu�neos.Pior a emenda que o soneto
O m�dico Carlos Jardim, que trabalha na Divis�o de Pneumologia do Instituto do Cora��o (InCor), em S�o Paulo, lembra que, logo no in�cio da pandemia, surgiram as primeiras suspeitas de que o coronav�rus pode afetar veias e art�rias.
"Come�amos a ver muitos fen�menos de trombose nos pacientes que iam para UTI. A frequ�ncia era bem maior do que hav�amos observado em outros surtos de v�rus respirat�rios, como na pandemia de H1N1 em 2009", conta.
E a explica��o para isso tem a ver com uma afinidade que existe entre o Sars-CoV-2, o pat�geno que causa a covid, e as c�lulas que formam a camada interna dos vasos sangu�neos, tamb�m conhecida como endot�lio.
Sabe-se atualmente que essas c�lulas endoteliais possuem os receptores aos quais o coronav�rus se conecta para dar in�cio � infec��o. Na pr�tica, isso significa que ele tamb�m � capaz de causar estragos nessa estrutura do sistema circulat�rio.
"O endot�lio precisa estar bem lisinho, como o asfalto de uma estrada boa, para que o sangue circule sem empelotar", explica a pneumologista Elnara M�rcia Negri, do Hospital S�rio-Liban�s, em S�o Paulo.
"O que acontece na covid � que o v�rus consegue invadir essas c�lulas e esburacar esse asfalto interno dos nossos vasos", complementa a m�dica.
O organismo, na tentativa de estancar esse problema, inicia uma s�rie de processos e um deles envolve justamente a coagula��o do sangue. A ideia � criar uma barreira protetora na regi�o lesionada, de modo que o tal do endot�lio consiga se recuperar.
O problema � que, em uma parcela dos pacientes, a emenda acaba saindo pior que o soneto. O mecanismo de coagula��o passa do ponto e gera uma massa gelatinosa de c�lulas e fibras que pode interromper o fluxo de sangue naquele local ou se soltar e bloquear a circula��o em outros �rg�os. Falamos aqui do trombo.
"� como se eu fizesse um reparo na parede da minha casa, mas exagerasse tanto na camada de cimento que n�o consigo mais abrir ou fechar a porta", compara Jardim.

Se o entupimento acontece nas art�rias do cora��o, ocorre o infarto. Caso o fen�meno se desenrole em algum vaso da cabe�a, podemos ter um acidente vascular cerebral (AVC). Agora, se o trombo se solta e vai parar nos pulm�es, falamos de uma embolia. As tr�s situa��es s�o bem graves, com alto risco de morte.
"Para completar, o paciente em estado cr�tico geralmente fica sedado e intubado. E essa falta de movimenta��o do corpo por um per�odo prolongado � mais um fator de risco para as tromboses", acrescenta o cirurgi�o vascular F�bio Rossi, presidente da SBACV - Regional S�o Paulo.
Uma pesquisa publicada em julho de 2020 e assinada por especialistas de tr�s hospitais holandeses revelou como a trombose era frequente nos internados com covid grave.
De 184 pacientes analisados, 49% tiveram eventos tromb�ticos. Desses, 87% foram diagnosticados com embolia pulmonar, 6,6% com AVC e 2,6% com trombose arterial.
Felizmente, a frequ�ncia de epis�dios de trombose relacionada ao coronav�rus tem ca�do nos �ltimos meses.
"Na nossa pr�tica cl�nica, chegamos a ver eventos tromb�ticos em 15% dos pacientes, n�mero que caiu para 2% mais recentemente", calcula Negri.
E isso tem a ver com as vacinas, que protegem contra as formas mais graves de covid e suas consequ�ncias em todo o corpo.
"O �nico paciente que eu tive a infelicidade de intubar nessa atual onda da �micron n�o tinha sido vacinado", relata a m�dica.
E onde as varizes entram nessa hist�ria?
Bom, agora que j� entendemos a rela��o entre covid e trombose, chegou a hora de acrescentar um terceiro ingrediente: as varizes.
Antes de mais nada, � preciso deixar claro que n�o existem muitos estudos que investigam essa rela��o. N�o h�, por exemplo, um c�lculo de qual � o risco extra que portadores dessa enfermidade, marcada por veias inchadas e deformadas nas pernas, correm de ter trombose, caso sejam infectados pelo coronav�rus.
E vale dizer que o caminho contr�rio tamb�m n�o foi observado at� agora: n�o h� qualquer evid�ncia cient�fica de que a covid possa ser um gatilho para o desenvolvimento de varizes.
Por ora, o surgimento de varizes depois da covid � encarada como um evento independente e sem um denominador comum. Em todo caso, vale buscar um m�dico para avaliar o quadro de forma personalizada, caso voc� tenha reparado algo de diferente nos vasos sangu�neos dos membros inferiores.

J� o maior risco de trombose durante ou ap�s a covid entre quem tem varizes vem mais de uma observa��o pr�tica dos m�dicos que s�o especialistas nessa �rea.
E, mesmo antes da pandemia, j� se sabia que as varizes s�o um fator de risco independente para o desenvolvimento de trombose.
Um estudo publicado em 2018 no peri�dico especializado Journal of the American Medical Association (Jama), por exemplo, acompanhou por sete anos e meio mais de 212 mil indiv�duos com varizes e outros 212 mil que n�o tem esse problema.
Ao comparar os resultados dos dois grupos, os pesquisadores da Universidade M�dica da China descobriram que o risco de trombose � 5,3 vezes maior entre os portadores de varizes.
Se trouxermos essa informa��o para o contexto da pandemia, portanto, as varizes podem ser um ingrediente extra que, junto com a a��o do v�rus no endot�lio, a imobilidade da interna��o em UTI e o processo de coagula��o exagerado, aumenta a probabilidade de uma trombose.
"O paciente que tem varizes e pega covid, portanto, tem um risco a mais de ter essa complica��o vascular", conclui Rossi.
A boa not�cia � que existem formas de prevenir, diagnosticar e tratar esses eventos tromb�ticos.
O contra-ataque da medicina
Uma das primeiras atitudes dos especialistas quando eles se deparam com um caso mais grave de covid � prescrever medica��es anticoagulantes.
"Vale esclarecer aqui que esses rem�dios s�o restritos aos hospitais, aplicados por meio de infus�es ou inje��es, e n�o est�o indicados para todo mundo que se infectou", diz Negri.
"E, mesmo quando esse paciente que estava mais cr�tico recebe alta, pode ser necess�rio que ele continue a usar anticoagulantes orais por algum tempo", complementa a m�dica.
A proposta desse tratamento preventivo � "segurar as r�deas" do processo de coagula��o e evitar que apare�am os trombos que entopem os vasos.

Quando essa estrat�gia n�o � suficiente, � importante ficar atento aos sintomas mais frequentes desse problema.
"Os sinais dependem muito da �rea afetada. Se for o c�rebro, o indiv�duo pode ter altera��es de mobilidade, dificuldades para falar ou n�o conseguir mexer uma parte do corpo. Agora, caso o problema se concentre nos pulm�es, ele vai sentir falta de ar e palpita��o. Se aparecer nas pernas, pode dar incha�o e calor", descreve Jardim.
Por�m, mais do que decorar uma lista de sintomas, o recomendado � relatar rapidamente qualquer inc�modo que voc� sentir para o profissional de sa�de que acompanha o caso — especialmente se voc� tiver varizes ou sabe que familiares pr�ximos tiveram trombose no passado.
"Tamb�m deve chamar a aten��o o quadro do paciente que, l� pelo sexto ou s�timo dia desde o in�cio dos sintomas de covid, come�a a piorar e ter dor no corpo, febre, cansa�o, falta de ar…", aponta Negri.
"Nessa situa��o, pode ser necess�rio conferir se n�o h� nenhum risco de trombose."
A partir da suspeita inicial, � poss�vel lan�ar m�o de uma s�rie de exames de sangue e de imagem (como a ultrassonografia e a tomografia) para fazer o diagn�stico adequado.
Ainda nessa seara, outro requisito essencial � a agilidade: se o trombo estiver bloqueando uma veia ou uma art�ria mais importante, quanto mais r�pido isso for detectado e tratado, melhor o progn�stico.
"O atendimento r�pido faz toda a diferen�a. Alguns tecidos do nosso corpo, como o c�rebro e o cora��o, aguentam pouco tempo se ficarem privados de sangue", esclarece Jardim.
Se os laudos dos exames identificarem mesmo uma trombose, o pr�ximo passo � prescrever alguns medicamentos da classe dos anticoagulantes, que previnem o aparecimento de novos co�gulos, e dos trombol�ticos, que ajudam a dissolver o trombo j� instalado.
Em alguns casos, � preciso apelar para cirurgias que desentopem o vaso obstru�do com o aux�lio de cateteres e outros equipamentos.
Por fim, n�o d� pra se esquecer das atitudes que diminuem a probabilidade de a trombose dar as caras.
No caso espec�fico da covid, o primeiro passo � evitar o m�ximo poss�vel o contato com o v�rus. Para isso, a indica��o � tomar as doses de vacina preconizadas, lavar as m�os com frequ�ncia e usar m�scaras de boa qualidade em ambientes fechados ou com aglomera��o.
"No geral, a recomenda��o � ter uma vida saud�vel", resume Jardim.
O pneumologista do InCor explica que uma rotina de exerc�cios f�sicos � primordial para que as veias e as art�rias n�o sofram com bloqueios repentinos no fluxo de sangue.
"E n�o precisa necessariamente fazer academia. O fato de voc� ter uma rotina mais ativa j� diminui bastante o risco de ter uma coagula��o inadequada ou impr�pria."
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