
O Governo Federal estuda revogar nos pr�ximos dias uma s�rie de medidas que marcaram os �ltimos dois anos, como a obrigatoriedade do uso de m�scaras em alguns estabelecimentos, as regras sanit�rias para a entrada de estrangeiros e a restri��o na exporta��o de insumos m�dicos e hospitalares.
Esse movimento de flexibiliza��o, que ainda precisa ser confirmado pelo Minist�rio da Sa�de, acontece na esteira do que foi feito em muitos pa�ses da Europa, como Reino Unido, Dinamarca, Fran�a e Espanha, que a partir de fevereiro e mar�o come�aram a relaxar muitas das pol�ticas p�blicas de sa�de que marcaram 2020 e 2021.
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Ainda no cen�rio internacional, a ideia da "covid zero", que tentava acabar com qualquer surto da doen�a logo no in�cio, foi praticamente abandonada em locais como Austr�lia, Nova Zel�ndia e Coreia do Sul — o �ltimo basti�o desta pol�tica � a China, que ainda faz lockdowns rigorosos nas regi�es em que � detectado um aumento de casos da infec��o pelo coronav�rus.
Nas �ltimas semanas, por�m, � poss�vel notar um aumento em casos, hospitaliza��es e mortes por covid em alguns desses pa�ses que reabriram completamente.Por ora, Brasil vive uma situa��o relativamente est�vel em rela��o � pandemia. As m�dias m�veis de casos e mortes est�o em queda desde o in�cio de fevereiro e, at� agora, as aglomera��es registradas no carnaval e a libera��o do uso de m�scaras em muitos Estados n�o resultaram numa revers�o dessa tend�ncia, com uma piora significativa dos �ndices.
Diante de todos esses elementos, ser� que � hora de declarar o fim da pandemia? E o que o Brasil (e os brasileiros) podem aprender com situa��o p�s-abertura observada em outros pa�ses?
A palavra final � da OMS
A epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Esp�rito Santo, lembra que a prerrogativa de declarar o in�cio e o fim de uma pandemia � da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS).
Portanto, n�o s�o os pa�ses que v�o "rebaixar" o status da covid-19 e definir que ela se tornou uma doen�a end�mica.
O que o Minist�rio da Sa�de pode fazer � acabar com a Emerg�ncia em Sa�de P�blica de Import�ncia Nacional (Espin), o que permitiria aliviar muitas das medidas adotadas desde que o coronav�rus come�ou a se espalhar pa�s adentro.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Minist�rio da Sa�de para ter um posicionamento oficial a respeito da discuss�o e saber se as medidas contra a covid-19 ser�o revogadas ou n�o. Como resposta, a assessoria de imprensa enviou um v�deo de um evento realizado em 30 de mar�o.
Nele, o ministro Marcelo Queiroga diz que a decis�o sobre o al�vio de todas as restri��es ainda "depende de uma s�rie de an�lises".
"Primeiro, [precisamos analisar] o cen�rio epidemiol�gico, que felizmente ruma para um controle maior, com queda de casos e �bitos sustentadas na �ltima quinzena. A segunda � a estrutura do nosso sistema hospitalar, da nossa aten��o prim�ria �s unidades especializadas. [...] O terceiro ponto � ter determinados medicamentos que possuem a��o mais eficaz no combate da covid-19 na sua fase inicial, para impedir que a doen�a evolua para formas graves", discursou.
"O presidente [Jair Bolsonaro] me pediu prud�ncia. O que n�s estamos fazendo � harmonizar as medidas que j� est�o sendo tomadas por Estados e munic�pios", complementou.

"Me parece complicado e preocupante acabar com decretos nacionais enquanto a OMS ainda classifica a situa��o toda como uma pandemia", avalia Maciel.
A OMS, inclusive, lan�ou na quarta-feira (30/3) um planejamento estrat�gico para o mundo conseguir alcan�ar o fim da fase aguda da pandemia ainda em 2022.
No documento, a institui��o leva em conta tr�s possibilidades para os meses que vir�o:
- Cen�rio otimista: as pr�ximas variantes do coronav�rus ser�o significativamente menos severas e a prote��o contra quadros mais graves de covid ser� mantido sem a necessidade de doses de refor�o ou a atualiza��o das vacinas j� dispon�veis.
- Cen�rio pessimista: uma variante mais virulenta e com alta capacidade de transmiss�o aparecer� e conseguir� derrubar a efetividade das vacinas. A prote��o contra quadros graves e mortes por covid despencar�, especialmente nos grupos mais vulner�veis, o que demandar� atualiza��o dos imunizantes e novas doses de refor�o nos grupos de risco.
- Cen�rio realista: o coronav�rus continuar� a evoluir, por�m a gravidade da infec��o se reduzir� significativamente e haver� imunidade suficiente na popula��o contra quadros mais graves e mortes, o que levar� a surtos cada vez menos severos. Aumentos peri�dicos na transmiss�o viral continuar�o a ocorrer, o que exigir� campanhas de vacina��o ao menos para os grupos mais vulner�veis.
Para garantir que o cen�rio realista (ou at� o otimista) se concretize e a pandemia chegue ao fim, a OMS destaca duas a��es estrat�gicas b�sicas:
- Reduzir a controlar a transmiss�o do coronav�rus para proteger a popula��o mais vulner�vel e diminuir o risco de surgirem novas variantes agressivas
- Prevenir, diagnosticar e tratar a covid-19 com medidas n�o farmacol�gicas, vacinas e rem�dios, para diminuir o m�ximo poss�vel a mortalidade e as consequ�ncias de longo prazo da doen�a.
Maciel entende que o Brasil ainda precisa refor�ar a resposta nos dois eixos estrat�gicos antes de pensar no fim da pandemia.
"Quando acabamos com todas as medidas preventivas e n�o promovemos campanhas de comunica��o para conscientizar e proteger as pessoas, especialmente as mais vulner�veis, falhamos em reduzir a transmiss�o do coronav�rus", diz.
"Para completar, nossa capacidade de testagem e vigil�ncia continua ruim e s� incorporamos o primeiro tratamento contra a covid-19 na rede p�blica esta semana", completa a especialista.
O rem�dio mencionado pela epidemiologista � o baracitinibe, da farmac�utica Eli Lilly. Ele come�ar� a ser distribu�do no Sistema �nico de Sa�de (SUS), mas s� estar� dispon�vel para os casos mais graves, em que h� necessidade de hospitaliza��o e oxigena��o complementar.

Ensinamentos que v�m da �sia e da Europa
Pa�ses como Alemanha, �ustria, Reino Unido, Coreia do Sul e China registraram aumentos significativos de casos de covid nessas �ltimas semanas.
A retomada das infec��es em alguns pa�ses europeus e asi�ticos acontece em um momento em que a BA.2, uma variante "prima-irm�" da �micron (a BA.1) se tornou dominante no mundo inteiro.
Para ter ideia, a BA.2 apareceu em 88,8% das amostras que foram sequenciadas no Reino Unido entre os dias 13 e 20 de mar�o. A �micron "original" representou 10,5% dos casos no mesmo per�odo.
Esse padr�o de crescimento da linhagem BA.2 pode ser observado em outros pa�ses, como �ustria, Coreia do Sul e Alemanha.
O mesmo fen�meno come�a a ocorrer no Brasil: at� fevereiro, a BA.2 aparecia em menos de 1% dos sequenciamentos gen�ticos. A partir de mar�o, por�m, o Instituto Todos pela Sa�de observou um aumento significativo das amostras positivas para essa nova linhagem. Ela foi encontrada em 27,2% dos casos analisados em laborat�rio.
H� poucas semanas, a BA.1 reinava absoluta em muitos desses locais. Mas a variante perdeu a dianteira porque, de acordo com o Instituto Sorol�gico da Dinamarca, a BA.2 tem uma capacidade de transmiss�o 1,5 vez maior em compara��o com a BA.1 — e olha que a BA.1 j� era um dos v�rus mais contagiosos que surgiram no �ltimo s�culo.
"Todas as ondas que vimos nesta pandemia tiveram um componente em comum: o surgimento de uma nova variante do v�rus", interpreta o m�dico Marcio Sommer Bittencourt, professor associado da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos.
A BA.2 � mais agressiva?
A boa not�cia � que a BA.2 n�o parece estar relacionada a um quadro mais grave do que o observado at� agora com a BA.1.
"As an�lises preliminares n�o encontraram evid�ncias de um risco maior de hospitaliza��o ap�s a infec��o com a BA.2, em compara��o com a BA.1", escreve a Ag�ncia de Seguran�a em Sa�de do Reino Unido num relat�rio publicado no dia 25 de mar�o de 2022.

Vale lembrar que probabilidade de sofrer complica��es da covid tamb�m est� relacionada � quantidade de vacinas que um indiv�duo tomou ou �s infec��es pr�vias.
Ou seja: quem tem pouca ou nenhuma imunidade contra o coronav�rus pode experimentar consequ�ncias muito piores do que algu�m que est� com as doses em dia, especialmente se considerarmos os grupos de risco (como idosos e portadores de doen�as cr�nicas).
Outro aspecto que traz uma perspectiva otimista para esse novo aumento de casos � que ele tende a subir e cair rapidamente, a exemplo do que ocorreu com a BA.1: em pa�ses onde a BA.2 virou dominante h� algumas semanas, como Dinamarca e Holanda, o registro di�rio de infec��es j� entrou em queda novamente.
No entanto, uma eleva��o de casos tamb�m pode suscitar um aumento de hospitaliza��es e �bitos, ainda mais nos lugares com uma grande parcela da popula��o suscet�vel pela baixa cobertura vacinal ou pela aus�ncia de ondas maiores at� ent�o.
Em muitos dos pa�ses que tiveram aumento de casos recentemente, j� � poss�vel notar uma subida nas curvas de interna��es e mortes, embora elas estejam num patamar bem abaixo do observado em outros momentos mais graves da pandemia.
"Vemos que esse aumento de casos � mais intenso nos pa�ses que n�o t�m uma taxa de vacina��o adequada ou n�o tiveram grandes ondas anteriormente", observa Bittencourt. � o caso, por exemplo, de Alemanha e Coreia do Sul.
J� Portugal e Espanha, que est�o com uma alta cobertura vacinal e tiveram mais casos de infec��o pr�via, parecem possuir uma "bagagem imunol�gica" maior e n�o experimentam um aumento de casos t�o grande agora.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que n�o d� pra dizer que esse mesmo cen�rio de aumento de casos pela BA.2 no exterior tamb�m se repetir� no pa�s.
Em outros momentos da pandemia, coisas que impactaram profundamente o Brasil — como a variante gama — n�o tiveram o mesmo efeito no cen�rio internacional.
E o inverso tamb�m aconteceu: embora tenha sido avassaladora na �ndia e nos Estados Unidos, a variante delta n�o foi t�o desastrosa do ponto de vista da mortalidade nas cidades brasileiras.

"A gente precisa acompanhar de perto essa subida da BA.2, para ver como isso impacta o n�mero de casos por aqui", conta Maciel. "As pr�ximas duas ou tr�s semanas ser�o importantes para observar como isso acontecer� na pr�tica", complementa a epidemiologista.
Liberou geral
Embora a alta transmissibilidade da BA.2 seja a principal explica��o para esse repique de casos em muitas partes do mundo, existe um segundo elemento que precisa ser considerado: o fim de quase todas as medidas restritivas que marcaram os �ltimos dois anos.
Em alguns pa�ses, o uso de m�scaras deixou de ser obrigat�rio em lugares abertos e fechados, n�o h� mais pol�ticas de testagem em massa, nem a recomenda��o de que pacientes infectados com o coronav�rus fiquem em isolamento.
A �ustria, inclusive, chegou a anunciar o fim da obrigatoriedade do uso de m�scaras em locais fechados, mas voltou atr�s no dia 18 de mar�o. O ministro da Sa�de local, Johannes Rauch, classificou como "prematura" a reabertura completa do pa�s.
De forma geral, a mudan�a nas pol�ticas p�blicas estimulou mais encontros e aglomera��es, contextos onde o v�rus consegue se espalhar em escala geom�trica e criar novas cadeias de transmiss�o. E isso, junto com a maior taxa de cont�gio da BA.2, ajuda a explicar essa nova subida de casos em algumas partes do mundo.
� cedo ou chegou a hora?
Como citado anteriormente, a pol�tica de "covid zero", seguida � risca em lugares como Coreia do Sul, Vietn�, Taiwan, Austr�lia e Nova Zel�ndia, foi abandonada na maioria dos pa�ses. O �nico local que continua apostando nessa estrat�gia � a China, que recentemente chegou a decretar o confinamento de 25 milh�es de habitantes de Xangai, uma das maiores cidades do pa�s.

Mesmo entre os pesquisadores da �rea, soa quase como uma utopia a ideia de eliminar completamente a covid-19 de uma regi�o atrav�s de medidas como o lockdown no atual contexto.
"Do ponto de vista da sa�de p�blica, o fechamento total das atividades pode at� fazer sentido. Mas o custo de parar tudo tamb�m traz custos sociais e econ�micos muito grandes", pondera Bittencourt.
"No in�cio da pandemia, com o risco da doen�a muito alto, o fechamento era necess�rio, por mais caro e custoso que isso fosse", diferencia o m�dico. "Atualmente temos vacinas e muitas pessoas foram infectadas, ent�o o risco � menor, logo as medidas podem ser calibradas para essa situa��o."
Isso n�o significa que o extremo oposto dessa postura — a libera��o completa de todas as restri��es — fa�a sentido.
Para explicar esse ponto de vista, a m�dica Lucia Pellanda, professora de epidemiologia da Universidade Federal de Ci�ncias da Sa�de de Porto Alegre, faz um paralelo entre a covid-19 e o futebol.
"�s vezes, sinto que a pandemia se assemelha a uma partida, em que estamos ganhando de 1 a 0 e simplesmente abandonamos o campo antes de o juiz dar o apito final", compra.
"Quando as coisas come�am a melhorar um pouco, h� uma pressa para dizer que a covid n�o � mais um problema e podemos acabar com todas as medidas preventivas."
"E o que a experi�ncia nos mostra � que n�o existe uma solu��o simples para dar um fim de verdade � pandemia. Precisamos insistir com as vacinas, as m�scaras e o cuidado com as aglomera��es at� o final desta partida", conclui a especialista.
J� o bioinformata Marcel Ribeiro-Dantas, pesquisador na �rea de sa�de do Instituto Curie, na Fran�a, entende que muitos pa�ses fizeram tudo o que podiam e o relaxamento das medidas era um passo natural e razo�vel.
"Houve um esfor�o grande do governo e da popula��o de muitos pa�ses europeus para conter a pandemia. Os primeiros lockdowns aqui na Fran�a foram dr�sticos e todo mundo ficou trancado em casa", lembra o pesquisador.
"Com a estafa natural ap�s dois anos de restri��es e a ampla disponibilidade de vacinas e tratamentos efetivos, parece inevit�vel que alguns pa�ses diminuam as restri��es."
"A quest�o � conseguir transformar obriga��es da lei em recomenda��es que as pessoas sigam no dia a dia. Quando voc� consegue conscientizar a popula��o sobre a necessidade do uso de m�scaras em alguns ambientes, por exemplo, isso passa a fazer parte de uma nova cultura daquele local", completa o especialista.

Como fica o Brasil no meio de tudo isso?
Trazendo todo esse debate sobre a reabertura para a realidade brasileira, Bittencourt entende que, diante de uma situa��o mais est�vel da pandemia, "� hora de discutir algumas medidas e ajustar a intensidade delas".
"� claro que isso n�o significa abandonar completamente o uso de m�scaras. Elas s�o necess�rias no transporte p�blico, mas n�o precisam ser usadas em lugares abertos."
"Mas precisamos ter em mente tamb�m que o Brasil flexibilizou a maior parte das medidas h� tempos. Shoppings, restaurantes e casas noturnas est�o funcionando normalmente", completa.
Pellanda acredita que o desafio � fazer essa comunica��o sobre o manejo e a preven��o da covid de forma adequada e contextualizada. "As pessoas precisam avaliar o risco individual e de cada local em que elas estiverem", diz.
"� errado encarar as m�scaras como algo ruim e limitador. Elas precisam ser incorporadas em algumas situa��es, da mesma maneira que fizemos com o uso do cinto de seguran�a nos carros e com a proibi��o de fumar em estabelecimentos fechados", argumenta.
Maciel refor�a que o momento atual exige campanhas para empoderar as pessoas sobre avalia��o do risco de cont�gio para cada contexto
"Num momento em que o Estado retira as pol�ticas p�blicas, a popula��o precisa ser informada sobre como se proteger em algumas situa��es, especialmente quando pensamos em idosos e imunossuprimidos, que t�m mais risco de sofrer com as complica��es da covid", aponta.
Entre o fim da pandemia e uma nova piora no n�mero de casos relacionada � BA.2 e ao relaxamento das medidas de preven��o, o caminho mais adequado e seguro em qualquer pa�s do mundo continua bem parecido: acompanhar o que est� acontecendo e adequar os cuidados � situa��o de momento.
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