Publica��es compartilhadas centenas de vezes nas redes sociais desde 6 de dezembro de 2021 atribuem a redu��o de novos casos e mortes pela covid-19 no Brasil � imunidade natural.
Segundo essas mensagens, as vacinas contra o SARS-CoV-2 s� atingiram 50% da popula��o em outubro de 2021 e “o cont�gio cai desde mar�o”, o que seria uma prova de que a queda nos indicadores da pandemia ocorreu gra�as �s defesas desenvolvidas pelos recuperados da doen�a.
“As vacinas s� chegaram a 50% da pop. em outubro e o cont�gio cai desde mar�o.Os gr�ficos mostram isso. A imunidade natural reduziu novos casos e influencia a efic�cia vacinal existente”, dizem as publica��es compartilhadas no Twitter (1, 2), acompanhadas de dois gr�ficos que mostrariam a “independ�ncia entre vacinas e mortes”. O conte�do tamb�m circulou no Facebook (1, 2, 3).

Uma das publica��es no Twitter � acompanhada tamb�m de duas outras capturas de tela: uma do Painel Coronav�rus, do Minist�rio da Sa�de, e outra que mostra a cobertura vacinal do Brasil registrada na plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford, at� 22 de outubro de 2021.
Queda nos indicadores de covid-19
Segundo o texto viralizado, “as vacinas s� chegaram a 50% da popula��o em outubro e o cont�gio cai desde mar�o” no Brasil. Isso � parcialmente falso.At� o momento da publica��o desta checagem, o painel Coronav�rus do Minist�rio da Sa�de estava fora do ar. No entanto, a ferramenta Wayback Machine, que arquiva p�ginas da internet, permitiu verificar os dados contidos no portal at� 4 de dezembro de 2021. Os gr�ficos ali mostram que o n�mero de novos casos de covid-19 cai, de maneira sustentada (e com uma exce��o de um pico de casos registrado no dia 18 de setembro), desde 23 de junho de 2021, e n�o desde mar�o.
A pr�pria publica��o que traz a captura de tela do portal indica que os novos casos de covid-19 come�aram a cair de forma sustentada a partir da semana epidemiol�gica de n�mero 24, como consta no portal do Minist�rio da Sa�de. Segundo o calend�rio epidemiol�gico de 2021 do Sistema de Informa��o de Agravos de Notifica��o (Sinan), a semana epidemiol�gica 24 correspondeu aos dias entre 13/06/2021 e 19/06/2021.
Este outro painel do governo brasileiro tamb�m mostra que a m�dia m�vel de 14 dias de novos casos de covid-19 come�ou a cair a partir de junho. Al�m disso, um texto publicado em setembro de 2021 pelo Minist�rio da Sa�de analisou a “tend�ncia de queda desde junho” da taxa de novos �bitos por covid-19, o que refletiu, afirma o minist�rio, “o avan�o da campanha de vacina��o”.
No Boletim Extraordin�rio do Observat�rio Covid-19 de 14 de julho de 2021 publicado pela Fiocruz, a institui��o tamb�m identificou queda nos indicadores, o que seria reflexo de “uma nova fase da pandemia no pa�s, em que a vacina��o tem feito diferen�a”.
Consultado pelo Checamos a respeito da queda no n�mero de casos vista no Brasil, Ricardo Kuchenbecker, professor de epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou que “a redu��o observada a partir de junho � determinada pelo avan�o nas taxas de cobertura vacinal populacional observadas no Brasil. [Esse] fato [�] demonstrado n�o apenas por sua sustentada observa��o, mas tamb�m porque a imunidade natural � transit�ria e seu maior exemplo mundial parece ser o experimento natural representando por Manaus, onde altas taxas de infec��es na primeira onda n�o foram capazes de evitar uma segunda onda”. E acrescentou:
“A queda sustentada desde junho representa um somat�rio de muitos casos j� recuperados e um calend�rio vacinal que, mesmo atrasado em rela��o � pandemia, demonstra resultados mesmo diante da emerg�ncia de novas variantes.”
J� com rela��o � cobertura vacinal, os dados da plataforma Our World in Data de fato mostram que a parcela da popula��o brasileira totalmente imunizada contra a covid-19 s� ultrapassou a marca de 50% em 20 de outubro de 2021.
Dados dos gr�ficos
Al�m das capturas do Our World in Data e da plataforma do Minist�rio da Sa�de, as publica��es s�o acompanhadas de dois gr�ficos que supostamente mostrariam a “independ�ncia entre vacinas e mortes” ao indicar quedas na m�dia m�vel de �bitos que teriam ocorrido antes de picos de vacina��o.
Um deles, � direita, j� foi checado pela AFP em novembro de 2021. Ele � composto por duas curvas - uma, negra, que se estende de janeiro a meados de setembro de 2021 e outra, verde, que vai de fevereiro a outubro de 2021. Em preto, a linha representaria a m�dia m�vel de 14 dias de mortes por covid-19 no Brasil com a inscri��o “Mortes 14 Dias Depois”. Outra linha, em verde, representaria a m�dia m�vel da quantidade de segundas doses ou de vacina de dose �nica administradas na popula��o.
Segundo a representa��o, o Brasil teria tido um pico acentuado da m�dia m�vel de �bitos de 14 dias em mar�o de 2021. Os dados do Minist�rio da Sa�de, por�m, mostram uma linha de m�dia m�vel de 14 dias dos �bitos por covid-19 com um pico acentuado em 19 de abril seguido por um pico menor em 20 de junho e, depois, uma queda sem novos picos significativos a partir do final desse m�s. Ou seja, apesar de a evolu��o do gr�fico viralizado ser semelhante � evolu��o registrada pelo minist�rio, os dados oficiais registraram um pico na m�dia m�vel de �bitos em abril, n�o em mar�o.
Com rela��o � aplica��o de segundas doses ou de imunizantes de doses �nicas, um gr�fico publicado pela Fiocruz, com dados provenientes do projeto @CoronavirusBra1, mostra um cen�rio semelhante ao da imagem viralizada.

O segundo gr�fico, � esquerda, � composto por uma curva em preto que tamb�m representaria a m�dia m�vel de 14 dias de mortes por covid-19 no Brasil junto a uma curva em verde que representaria a m�dia da aplica��o de segundas doses ou doses �nicas. Al�m delas, uma linha em vermelho representaria a m�dia de primeiras doses administradas, e uma curva em azul, a m�dia do total de doses aplicadas na popula��o.
Nesse gr�fico, a curva em preto se estende temporalmente at� aproximadamente o final de setembro. Assim como no esquema anterior, o pico indicado ocorre antes do aumento de mortes por covid-19 registrado pelo Minist�rio da Sa�de, que coloca o dia 19 de abril como a data em que o Brasil registrou “a maior m�dia m�vel de �bitos pela doen�a”.
A curva verde, com a m�dia da aplica��o de segundas doses ou doses �nicas, segue trajet�ria semelhante � do gr�fico publicado na plataforma da Fiocruz. A curva em vermelho tamb�m tem evolu��o semelhante ao gr�fico de aplica��o da primeira dose elaborado pelo projeto @CoronavirusBra1, que mostra dois picos em 17 de junho e outro em 17 de agosto, seguido por registros em queda.

A curva que representa a m�dia do total de doses aplicadas, em azul, tamb�m apresenta evolu��o semelhante ao gr�fico da plataforma Our World in Data em rela��o �s doses di�rias aplicadas de fevereiro a outubro de 2021, com picos em junho e agosto.
Interpreta��o dos gr�ficos
Na an�lise de Paulo Petry, doutor em Epidemiologia e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), os gr�ficos viralizados n�o mostram “a independ�ncia entre vacinas e mortes”:“N�o h� gr�fico que consiga mostrar independ�ncia entre vacina e mortes. Ao contr�rio: as vacinas salvam popula��es. O medicamento salva o indiv�duo, mas a vacina salva uma popula��o.”
“� �bvio que a pessoa que adoece e se recupera da doen�a - porque muitos morreram - (...) adquire uma imunidade natural, mas que deve sim ser refor�ada com a vacina. Porque mesmo a imunidade natural e mesmo a vacina��o, (...) com o tempo, essa imunidade vai se diluindo e diminuindo especialmente a partir do surgimento de novas variantes. Ent�o, sim, atribu�mos a queda da mortalidade, a queda no n�mero de interna��es, �s vacinas que comprovadamente cumpriram seu papel, n�o h� a menor d�vida”, acrescentou.
Os dados do Minist�rio da Sa�de, que t�m como base os registros das Secretarias Estaduais de Sa�de, mostram que o pa�s j� teve per�odos de quedas de casos e �bitos anteriores � vacina��o - iniciada em 17 de janeiro de 2021 no pa�s.
Mas, segundo Mellanie Fontes-Dutra, biom�dica, pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e divulgadora cient�fica pela Rede An�lise Covid-19, antes de junho, n�o se via uma queda de indicadores “t�o consistente dessa forma”.
“As coberturas vacinais atingidas em grupos estrat�gicos, que apresentam maior vulnerabilidade para a doen�a e suas formas mais severas, s�o um fator importante a ser considerado. Ainda, houve muitas campanhas em prol da ades�o de uso de m�scara, distanciamento e outras medidas mitigat�rias que tamb�m t�m seu papel importante em reduzir risco de transmiss�o/exposi��o”, afirmou a pesquisadora ao Checamos.
Em novembro, especialistas j� haviam explicado � AFP que o pa�s registrou quedas de �bitos anteriores � vacina��o que podem ser explicadas por fatores como medidas n�o farmacol�gicas.
“Quedas anteriores nos �bitos se devem a medidas restritivas de circula��o. Agora, vemos uma redu��o promovida pelas vacinas. As pessoas adoecem menos, transmitem menos e morrem menos”, disse Alexandre Naime, chefe do Departamento de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ao Checamos em 3 de novembro de 2021.
Com rela��o � queda de casos registrada desde junho, Petry tamb�m afirmou que est� ligada � vacina��o e � “consequente redu��o da circula��o do v�rus por encontrar menos pessoas suscept�veis”, ressaltando tamb�m a import�ncia de medidas n�o farmacol�gicas como uso de m�scaras, distanciamento social e ventila��o dos ambientes.
Em maio de 2021, o diretor da Sociedade Brasileira de Imuniza��es (SBIm), Renato Kfouri, afirmou que, apesar de as vacinas contra a covid-19 atualmente dispon�veis serem mais eficazes na preven��o de casos graves e �bitos, elas tamb�m impactam na transmiss�o do v�rus. “Com menos doentes sintom�ticos, menor � a quantidade de pessoas tossindo e espalhando o v�rus na comunidade. A vacina pode n�o ser esterilizante, mas vai impactar na transmiss�o.”
Fontes-Dutra fez afirma��o semelhante ao Checamos em 6 de dezembro de 2021: “Vacinas precisam de amplas campanhas de vacina��o em massa. Quanto mais pessoas estiverem vacinadas, veremos um impacto cada vez maior na transmiss�o viral”.
Sobre a efic�cia e dura��o da imunidade natural contra o SARS-CoV-2, especialistas explicaram em outubro � AFP que n�o existe consenso sobre o tema, mas destacaram que a vacina��o � a “melhor estrat�gia” contra a pandemia, por produzir resposta imune sem envolver os riscos da infec��o pelo novo coronav�rus.
Em 14 de dezembro de 2021, Fontes-Dutra disse ao Checamos que h� “dados demonstrando que recuperados t�m risco maior de reinfec��o, especialmente pensando agora num contexto da variante �micron”.
“[Tamb�m] sabemos que vacinados transmitem por menos tempo e eliminam menos part�culas virais do que n�o vacinados, al�m de vermos muito menos casos, hospitaliza��es e �bitos no grupo vacinado, comparado com n�o vacinados (que inclui recuperados). Al�m disso, recuperados (mas n�o vacinados) t�m 5x mais chances de resultado positivo para covid-19 (reinfec��o) que vacinados.”
O Checamos j� verificou outras alega��es sobre imunidade natural e a efic�cia das vacinas contra a covid-19 (1, 2, 3).
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