
O pa�s ficou escandalizado com a audi�ncia que escancarava a viol�ncia institucionalizada e a revitimiza��o da jovem.
E foi pensando nisso que foi formulado o Projeto de Lei Mariana Ferrer, que virou lei ontem (24/11). A Lei 14.245 prev� puni��o para atos contra a dignidade de v�timas de viol�ncia sexual e das testemunhas do processo durante julgamentos.
O Estado de Minas conversou com Fernanda de Avila e Silva, advogada feminista e militante pelos direitos das mulheres, s�cia-fundadora do projeto Me Conta Direito, e Camila Rufato Duarte, advogada, ativista da causa feminista e cofundadora do Direito Dela, para discutir os principais mudan�as e a import�ncia da nova lei.
Confira as entrevistas:
O que muda no julgamento de processos de estupro com a nova lei?
Camila Rufato: "A grande mudan�a trazida � a coibi��o de quaisquer atos atentat�rios � dignidade da v�tima e de testemunhas em todos os tipos de julgamentos. No Art. 400-A da lei est� prevista a prote��o nas audi�ncias de instru��o e julgamento, com aten��o especial �s que apurem crimes contra a dignidade sexual."
Fernanda de Avila: "Em qualquer julgamento, todas as partes precisam ser tratadas com respeito e dilig�ncia. Isso vale para absolutamente todos os envolvidos. Mas a gente sabe que a viol�ncia institucional � uma realidade dentro do Judici�rio brasileiro. (...) A audi�ncia do caso Mariana Ferrer, que vazou na m�dia, mostrou, para todos que assistiram, uma realidade que faz parte da advocacia feminista, algo que enfrentamos cotidianamente e, felizmente, essa lei vem para definitivamente coibir esse tipo de situa��o.
A prote��o da nova lei n�o � direcionada apenas aos casos de viol�ncia sexual, mas ela confere uma relev�ncia especial para esses casos, j� que aumentou de um ter�o at� a metade a pena do crime de coa��o no curso do processo, quando o processo envolver qualquer crime contra a dignidade sexual - isso inclui importuna��o sexual, ass�dio sexual, estupro, estupro de vulner�vel, viola��o sexual mediante fraude e outros - e destacou a mesma quest�o nos cuidados que precisam ser tomados durante as audi�ncias de instru��o e julgamento."
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Isso apenas vale no momento da audi�ncia?
Fernanda de Avila: "As regras processuais da nova lei valem para audi�ncias criminais. Ou seja, a quest�o das manifesta��es inapropriadas, utiliza��o de linguagem que n�o atente contra a honra da v�tima, informa��es e materiais que n�o ofendam v�timas e testemunhas, tudo isso tem est� relacionado � audi�ncias do �mbito penal.
Mas a quest�o do crime de coa��o no curso do processo n�o. Esse crime j� existia antes. No entanto, se ele acontecer em casos de viol�ncia sexual agora recebe uma pena mais grave. Ou seja, usar viol�ncia ou grave amea�a contra qualquer pessoa envolvida no processo (testemunha, autor, r�u, advogado) buscando obter algum tipo de favorecimento pessoal ou tentado favorecer algu�m, configura esse crime, desde que j� exista um processo instaurado. E se o processo estiver relacionado a qualquer tipo de viol�ncia sexual, o crime agora ter� a pena aumentada."
Como evidenciar provas?
Camila Rufato: "� essencial pensar sempre em como produzir provas, pois � assim que conseguimos consubstanciar nossos direitos. Todo o processo judicial � documentado. Das audi�ncias s�o feitas atas, no entanto nas atas n�o constam, na maioria das vezes, o detalhamento suficiente para que seja evidenciada a pr�tica do crime em comento. Assim, � essencial que o(a) advogado(a) da parte que for v�tima de alguma das formas de viol�ncia previstas na Lei nº 14.245/21 interfira e pe�a para que o escriv�o conste em ata aquele ato atentat�rio contra a dignidade da v�tima ou da testemunha, a partir de agora fundamentando esta solicita��o com a Lei Mariana Ferrer.
Para al�m da ata, as audi�ncias virtuais podem ser gravadas na tela do computador, o que facilita todo este processo. No caso das audi�ncias presenciais o(a) advogado(a) pode solicitar a grava��o da mesma justamente para resguardar sua cliente de eventual desrespeito. No entanto, � importante aqui ressalvar que, especialmente em casos delicados e que correm em segredo de justi�a, a grava��o deve ser realizada com a cautela necess�ria para que n�o afronte o direito � intimidade da parte."
Quem deve zelar pela integridade f�sica e psicol�gica da v�tima?
Camila Rufato: "Todas as partes e sujeitos processuais presentes no ato processual, ou seja: ju�zes, advogados, membro do minist�rio p�blico, defensores p�blicos, testemunhas, todos podem ser responsabilizados civil, penal e administrativamente."
O que a nova lei simboliza para a luta das mulheres?
Fernanda de Avila: "� um marco na luta contra a viol�ncia institucional. O caso Mariana Ferrer escancarou a exist�ncia desse tipo de pr�tica. O Judici�rio precisa ser um ambiente de acolhimento e escuta e n�o de humilha��es e desest�mulo a den�ncias. Eu acredito que tanto a Lei Mariana Ferrer como o Protocolo de Julgamento com perspectiva de g�nero lan�ado pelo Conselho Nacional de Justi�a, no dia 19 de outubro de 2021, surgem para comprovar que viol�ncia institucional existe sim, afinal se n�o existisse ningu�m se mobilizaria dentro do legislativo e do pr�prio judici�rio para combat�-la.
Eu realmente espero que represente uma mudan�a de paradigma. � uma vit�ria para as mulheres, um grande avan�o perceber que os olhos est�o voltados para o problema da viol�ncia institucional e que algo est� sendo feito. Agora resta esperar a aplica��o efetiva, tanto da lei como do protocolo."
Camila Rufato: "A lei � uma conquista incontest�vel, sobretudo para as mulheres, pois embora a legisla��o estabele�a prote��o a todas as v�timas e testemunhas, sem distin��o de g�nero, a realidade � que, na pr�tica, quem mais sofre atos atentat�rios contra a honra s�o as mulheres, uma vez que a nossa sociedade ainda replica a l�gica da "mulher honesta", outrora prevista na legisla��o, o que leva a uma consequ�ncia machista que elenca mulheres que mereceram ou n�o o mal a elas infligido, corroborada pelo estere�tipo da mulher enquanto um ser perverso e trai�oeiro que deve sempre ter a palavra questionada, pois pode estar se utilizando daquela situa��o em benef�cio pr�prio ou com o intuito de vingan�a.
Na maioria das vezes estas duas situa��es s�o usadas como argumentos expl�citos ou impl�citos para violentar e silenciar as mulheres no judici�rio. A nova lei traz um freio para essas condutas que revitimizam as mulheres e � um feliz indicativo que as quest�es de g�nero est�o sendo colocadas em pauta e o machismo estrutural punido."
Na maioria das vezes estas duas situa��es s�o usadas como argumentos expl�citos ou impl�citos para violentar e silenciar as mulheres no judici�rio. A nova lei traz um freio para essas condutas que revitimizam as mulheres e � um feliz indicativo que as quest�es de g�nero est�o sendo colocadas em pauta e o machismo estrutural punido."
O que � relacionamento abusivo?
Os relacionamentos abusivos contra as mulheres ocorrem quando h� discrep�ncia no poder de um em rela��o ao outro. Eles n�o surgem do nada e, mesmo que as viol�ncias n�o se apresentem de forma clara, os abusos est�o ali, presentes desde o in�cio. � preciso esclarecer que a rela��o abusiva n�o come�a com viol�ncias expl�citas, como amea�as e agress�es f�sicas.
A viol�ncia dom�stica � um problema social e de sa�de p�blica e, que quando se fala de comportamento, a raiz do problema est� na socializa��o. Entenda o que � relacionamento abusivo e como sair dele.
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Como denunciar viol�ncia contra mulheres?
- Ligue 180 para ajudar v�timas de abusos.
- Em casos de emerg�ncia, ligue 190.
O que � viol�ncia f�sica?
- Espancar
- Atirar objetos, sacudir e apertar os bra�os
- Estrangular ou sufocar
- Provocar les�es
O que � viol�ncia psicol�gica?
- Amea�ar
- Constranger
- Humilhar
- Manipular
- Proibir de estudar, viajar ou falar com amigos e parentes
- Vigil�ncia constante
- Chantagear
- Ridicularizar
- Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em d�vida sobre sanidade (Gaslighting)
O que � viol�ncia sexual?
- Estupro
- Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto
- Impedir o uso de m�todos contraceptivos ou for�ar a mulher a abortar
- Limitar ou anular o exerc�cio dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher
O que � viol�ncia patrimonial?
- Controlar o dinheiro
- Deixar de pagar pens�o
- Destruir documentos pessoais
- Privar de bens, valores ou recursos econ�micos
- Causar danos propositais a objetos da mulher
O que � viol�ncia moral?
- Acusar de trai��o
- Emitir ju�zos morais sobre conduta
- Fazer cr�ticas mentirosas
- Expor a vida �ntima
- Rebaixar por meio de xingamentos que incidem sobre a sua �ndole
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