
A cada seis minutos, uma mulher � estuprada no Brasil. No ano passado, foram registradas 53.453 den�ncias de estupro e estupro de vulner�vel no pa�s. Em 85,2% dos casos, o autor era conhecido da v�tima. Esses s�o os n�meros publicados neste ano, relacionados ao ano de 2020, pelo F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica no 15º Anu�rio Brasileiro de Seguran�a P�blica. Os n�meros s�o assustadores e, mesmo assim, subnotificados. Segundo o estudo Estupro no Brasil (2016), do Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea), apenas 10% dos estupros cometidos no Brasil s�o denunciados.
Mas mostrar os laudos comprovando o abuso e os medicamentos preventivos contra DST que s�o ministrados nestes casos n�o foram o suficiente para as pessoas acreditarem na palavra da v�tima. Em dezembro do ano passado, a influenciadora Francine Andrade usou as redes sociais para denunciar que foi dopada e estuprada enquanto estava no rodeio de Jaguari�na, no interior de S�o Paulo. Francine relatou ter sentido dores no corpo, mas n�o sabia a origem delas, ent�o decidiu ir a um m�dico.
Mesmo ap�s compartilhar todo o doloroso processo e laudos m�dicos, as advogadas da jovem precisaram emitir uma nota com o intuito de barrar as mentiras divulgadas sobre o caso. “As investiga��es correm sob segredo de Justi�a e (as advogadas) repudiam as falsas not�cias que t�m circulado nas redes sociais e imprensa.”
Uma amea�a velada
Um mito enraizado no imagin�rio social permeia quem faz uma den�ncia de viol�ncia contra a mulher: o da falsa acusadora. A professora Maria Carolina Medeiros, doutoranda na PUC-Rio e pesquisadora da socializa��o feminina explica as poss�veis origens desse mito.
"Em um primeiro momento, nem a mulher entende que a viol�ncia que ela sofreu foi estupro. Por exemplo, a mulher estuprada pelo namorado. O estupro n�o ocorre apenas no terreno baldio, com uma mulher gritando socorro. Ent�o, tem muitas nuances e a pr�pria mulher demora a se dar conta que foi estuprada", afirma.
Conhecida nas redes sociais como @feminisa, Isabella C. tem 28 anos, � comunicadora, empreendedora, formadora de opini�o, promove discuss�es sobre viol�ncia dom�stica nas redes sociais h� seis anos, e � estudante de Investiga��o Forense e Per�cia Criminal explica que no imagin�rio social existe um modelo de estuprador e um modelo de v�tima.
"O primeiro � um homem 'doente', que n�o tem amigos, fam�lia ou trabalho, e n�o consegue controlar seus impulsos sexuais. A segunda, uma mulher 'honrada' que vive de acordo com o que socialmente � compreendido como adequado para uma mulher. Nenhum desses estere�tipos � verdadeiro. Primeiramente, o estupro n�o tem nada a ver com sexo, e sim com controle. Dentro de relacionamentos, ele � uma forma de puni��o, uma pena privada. O estuprador pode ser um cara simp�tico, com muitos amigos, um trabalho legal e bem apessoado. A v�tima pode ser uma prostituta."
E, quando a mulher denuncia, tem de enfrentar ainda a barreira de ser desacreditada. Maria Carolina aponta que isso tem algumas origens hist�ricas e est� relacionado ao corpo da mulher como propriedade do homem. "A mulher n�o ser vista como indiv�duo e, consequentemente, a mulher n�o pode falar", comenta Maria Carolina. "� muito comum ouvir dizer que 'fulano n�o estupraria porque ele n�o precisa'. Como se isso s� acontecesse com o homem que quer sexo e n�o consegue e ele precisa estuprar. Sendo que o estupro tem a ver com rela��o de poder. O poder do homem que entende que o corpo da mulher � propriedade dele e ele faz o que quiser", explica.
Esse entendimento n�o � s� do homem: faz parte de um processo hist�rico e social. "� muito comum vermos mulheres reproduzindo isso. 'Mas ela tamb�m estava b�bada', 'Ela tamb�m estava com aquela roupa', 'Mas ela estava dan�ando daquele jeito'. Como se os estupros n�o ocorressem dentro de casa, sem nada disso estar envolvido. � uma complexidade hist�rica, de que a mulher deve servir ao homem. � isso que est� por tr�s quando se desacredita a mulher que denuncia", afirma a professora.
Den�ncia questionada por quem deveria proteger
Fazer um boletim de ocorr�ncia e dar continuidade � den�ncia j� � muito dif�cil. Estatisticamente, existe uma subnotifica��o, tanto de viol�ncia dom�stica, quanto dos crimes sexuais. "E n�o ao contr�rio. Um ponto importante a ser considerado � que a psicologia aponta quatro tipos de rea��es. S�o elas: lutar, fugir, congelar e desfalecer; em ingl�s os 4 F's (fight, flight, freeze, faint). Muitas vezes, em crimes sexuais, essa mulher fica congelada. Ela n�o tem uma a��o", afirma a procuradora de Justi�a Carla Ara�jo.
"Isso � considerado consentimento, mas � na verdade uma rea��o que aquela mulher tem. O que ocorre nos crimes sexuais � que as lembran�as n�o v�m de forma uniforme. Mas para o int�rprete, seja o juiz, seja o investigado, seja o promotor de Justi�a, a mulher est� dando muitas vers�es para o fato. Isso � usado para retirar a credibilidade. E acaba se tornando uma viol�ncia institucional quando diz que ela est� cada hora contanto uma coisa", explica a procuradora de Justi�a.
Ela aponta que outro entendimento distorcido por parte da sociedade � quando ocorre a absolvi��o do agressor e as pessoas entendem que trata-se de uma acusa��o falsa. "Existem tipos de absolvi��o e uma delas � porque n�o provada a partir do elementos apresentados n�o significa que ela n�o aconteceu. Al�m disso tudo, vale ressaltar que vivemos em um sistema machista e patriarcal no qual est� presente a culpabiliza��o da mulher. Ela quer, ela est� dispon�vel, a mulher � objeto e um homem est� acionando sua vontade", acrescentou.
O que � relacionamento abusivo?
Os relacionamentos abusivos contra as mulheres ocorrem quando h� discrep�ncia no poder de um em rela��o ao outro. Eles n�o surgem do nada e, mesmo que as viol�ncias n�o se apresentem de forma clara, os abusos est�o ali, presentes desde o in�cio. � preciso esclarecer que a rela��o abusiva n�o come�a com viol�ncias expl�citas, como amea�as e agress�es f�sicas.
A viol�ncia dom�stica � um problema social e de sa�de p�blica e, que quando se fala de comportamento, a raiz do problema est� na socializa��o. Entenda o que � relacionamento abusivo e como sair dele.
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Como denunciar viol�ncia contra mulheres?
- Ligue 180 para ajudar v�timas de abusos.
- Em casos de emerg�ncia, ligue 190.
O que � viol�ncia f�sica?
- Espancar
- Atirar objetos, sacudir e apertar os bra�os
- Estrangular ou sufocar
- Provocar les�es
O que � viol�ncia psicol�gica?
- Amea�ar
- Constranger
- Humilhar
- Manipular
- Proibir de estudar, viajar ou falar com amigos e parentes
- Vigil�ncia constante
- Chantagear
- Ridicularizar
- Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em d�vida sobre sanidade (Gaslighting)
O que � viol�ncia sexual?
- Estupro
- Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto
- Impedir o uso de m�todos contraceptivos ou for�ar a mulher a abortar
- Limitar ou anular o exerc�cio dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher
O que � viol�ncia patrimonial?
- Controlar o dinheiro
- Deixar de pagar pens�o
- Destruir documentos pessoais
- Privar de bens, valores ou recursos econ�micos
- Causar danos propositais a objetos da mulher
O que � viol�ncia moral?
- Acusar de trai��o
- Emitir ju�zos morais sobre conduta
- Fazer cr�ticas mentirosas
- Expor a vida �ntima
- Rebaixar por meio de xingamentos que incidem sobre a sua �ndole
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