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Estado de Minas AM�RICA FEMININA

Escritoras latinas escancaram a heran�a brutal das ditaduras militares

Lan�ados pela editora Moinhos, quatro livros criam panorama da viol�ncia e da opress�o das �ltimas d�cadas na Am�rica do Sul


11/02/2022 04:00 - atualizado 11/02/2022 00:54

Tomada do Palácio de La Moneda, no Chile
Tomada do Pal�cio de La Moneda, no Chile, levou Pinochet ao poder no pa�s andino em 1973 (foto: AFP )
N�o faz muito tempo, o mercado editorial brasileiro parecia ter olhos apenas para a Am�rica Latina desenhada pelos homens. Em meio a tantas odes a Borges e as tentativas masculinas de decifrar a literatura – como se fosse poss�vel –, sobrava pouco para as mulheres – uma Isabel Allende, uma Laura Restrepo e olhe l�. � um al�vio, portanto, que nos �ltimos anos as editoras tenham decidido publicar uma verdadeira avalanche de autoras cujos livros iluminam todo um continente fervilhante, repleto de hist�rias prontas para dinamitar as no��es de sociedade e, obviamente, de literatura.

 

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Uma dessas editoras, a mineira Moinhos, lan�ou quatro livros curtos que, lidos em par, criam um interessante panorama do Cone Sul. Ao mergulharem fundo na heran�a das ditaduras que varreram as �ltimas d�cadas, essas obras ajudam a discutir o colonialismo pelo seu vi�s mais �bvio (e similar aos governos militares): a brutalidade. 

Em “Rinha de galos”, traduzido por Silvia Massimini Felix, a equatoriana Mar�a Fernanda Ampuero parte (tamb�m) de uma ep�grafe de Clarice Lispector – “Sou um monstro ou isso � ser uma pessoa?” – para narrar 13 hist�rias recheadas de horror. Seus personagens est�o marcados pela monstruosidade, mas n�o s�: esse car�ter destrutivo, que afinal lhes torna humanos, tamb�m atrai um fasc�nio d�bio – e inquietante. Por um lado, cada hist�ria parece dobrar a aposta no ins�lito; por outro, o excesso de viol�ncia torna o percurso uma rinha com o leitor.

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No primeiro conto, uma mulher � sequestrada e colocada num leil�o. A viol�ncia desmedida concentra-se num curto espa�o de tempo, e o jogo de linguagem que Ampuero desenha abre a guarda do leitor, preparando-o para as �ltimas p�ginas. Contudo, talvez somente o quarto conto, “Nam”, seja de fato incontorn�vel. A hist�ria de uma adolescente que se relaciona com um casal de irm�os n�o demora para se transformar numa cr�nica dos horrores da guerra e de tudo de ruim que pode vir dos Estados Unidos.

Esse tipo de livro algo turvo, algo muito cristalino j� havia aparecido no segundo semestre de 2020 com o romance “Sistema do tato”, de Alejandra Costamagna, em tradu��o de Mariana Sanchez. �rf� de m�e desde crian�a, Ania topa atravessar a cordilheira e ir � Argentina representar o pai nos momentos finais de um parente moribundo. Conforme avan�amos, a escritora chilena enche as p�ginas com fotos de fam�lia, bilhetes e at� mesmo exerc�cios de datilografia.

As quase 140 p�ginas s�o um relic�rio do pertencimento: pessoas, institui��es, corrup��es cotidianas, a saga imigrante, o que significa criar ra�zes em algum lugar. Se ao final o resultado padece de uma opacidade morna – ontem � “uma eternidade” –, a jornada redime pelo cruzamento das diversas linhas que comp�em uma fam�lia – o primo Agust�n, sua m�e, N�lida: s�o eles que trazem a Ania a certeza de que “n�o quer se reproduzir em ningu�m, salvar ningu�m”.

Pr�mios no Chile

Reprodu��o seria um bom nome para aquilo que o pai de M busca para a filha em “Kramp”, de Mar�a Jos� Ferrada, o primeiro livro a receber os tr�s principais pr�mios chilenos. D � caixeiro-viajante, e come�ou sua carreira vendendo os produtos da marca Kramp. De tanto olhar o cat�logo, M acaba por desenvolver uma forma de ver o mundo que passa por uma �tica dos olhos m�gicos, alicates e serrotes. Em menos de 100 p�ginas – com tradu��o de Silvia Massimini Felix –, ela nos conta como foi crescer ao lado desse homem viajando por um pa�s marcado pela selvageria da ditadura, ainda que essa guerra interna n�o esteja muito clara.

A estrat�gia de anunciar uma inevit�vel trag�dia que parece nunca vir faz de “Kramp” um dos grandes livros de combate aos saudosistas da barb�rie. Trata-se de uma obra mezzo bela, mezzo recheada de horrores fact�veis, que nunca perde de vista a boa literatura. Ao contr�rio de Ampuero e Costamagna, Mar�a Jos� Ferrada nunca mostra o ouro: “Kramp” existe no espa�o necess�rio, sem truques ou excessos, uma caracter�stica que se repete no espetacular “Space invaders”, de Nona Fern�ndez, tamb�m em tradu��o de Silvia Massimini Felix. 

Nas palavras de Patti Smith, o livro � uma pequena joia ambientada no Chile de Pinochet: “este tempo sombrio � narrado � luz da mem�ria da inf�ncia, misterioso, mas preciso”. Valendo-se da simbologia do videogame oitentista, traz um grupo de colegas de escola cujos pais apoiam ou combatem o governo, e que come�am a entrar na adolesc�ncia no horror de uma ditadura.

Se “Kramp” apostava na baixa luminosidade antes do inevit�vel, Nona Fern�ndez opta pela escurid�o total – vozes se confundem, discursos se sobrep�em, certezas s�o postas � prova e crescem na tens�o exata entre den�ncia e narrativa de forma��o.

“Space invaders”, ao fim da leitura, deixa claro que existe uma tend�ncia, para n�o dizer projeto, de retomar a Am�rica Latina sem id�lios ou filtros liter�rios. O que sua autora e as colegas Mar�a Fernanda Ampuero, Alejandra Costamagna e Mar�a Jos� Ferrada parecem nos dizer � que n�o h� mais espa�o para veredas bifurcadas.  Em “Rinha de galos”, “as pessoas n�o s�o capazes de ver a si mesmas e esse � o princ�pio de todos os horrores”. Qui�� o mesmo valha para os continentes. (MB)


* Mateus Baldi � jornalista e escritor, autor de “Formigas no para�so”. Mestrando em letras (PUC-Rio), criou a Rese- nha de Bolso, voltada para a cr�tica de literatura contempor�nea.

'Rinha de galos'

“Rinha de galos”

.Mar�a Fernanda Ampuero
.Tradu��o de Silvia Massimini F�lix
.Moinhos
.112 p�ginas
.R$ 55

%u201CSistema do tato%u201D

“Sistema do tato” 

.Alejandra Costamagna
.Tradu��o de Mariana Sanchez
.Moinhos
.144 p�ginas
.R$ 50

%u201CKramp%u201D

“Kramp”

.Mar�a Jos� Ferrada
.Tradu��o de Silvia Massimini F�lix
.Moinhos
.96 p�ginas
.R$ 45

%u201CSpace invaders%u201D

“Space invaders”

.Nona Fern�ndez
.Tradu��o de Silvia Massimini F�lix
.Moinhos
.88 p�ginas
.R$ 50



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