
Ao lado das carnes e dos l�cteos, o azeite de oliva est� no p�dio dos alimentos mais fraudados no Brasil e no mundo. O cen�rio de demanda em alta, escassez do produto, alto valor agregado e pre�os elevados representa a oportunidade perfeita para empresas adulterarem esse produto — e ampliarem a margem de lucro.
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Para fugir dessas amea�as, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil orientam que o consumidor leia atentamente o r�tulo e priorize azeites fabricados e envasados em um mesmo local h� menos de seis meses. Ao longo desta reportagem, voc� vai entender todos os motivos por tr�s dessas e de outras recomenda��es.
Um ind�cio do impacto das fraudes vem das opera��es peri�dicas feitas pelo Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa) e pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa): a �ltima delas, realizada em dezembro de 2021, desarticulou uma rede de fraudadores que atuava em todo o pa�s, apreendeu mais de 150 mil garrafas e proibiu a venda de 24 marcas deste produto.
Em anos anteriores, outras investiga��es do tipo chegaram a observar que entre 40 e 60% dos lotes de azeites analisados n�o passavam nas avalia��es de qualidade.
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Outra evid�ncia que revela o tamanho do problema vem da Proteste, uma associa��o de consumidores que acompanha esse setor desde 2002.
"Em 17 anos, n�s realizamos nove rodadas de testes que levaram em conta diversas marcas de azeite dispon�veis no mercado", resume a nutricionista Fernanda Taveira, especialista em Alimenta��o e Sa�de da Proteste. "E podemos perceber que, com o avan�o da fiscaliza��o, houve uma redu��o no n�mero de fraudes."
Na primeira rodada de testes, em 2002, os especialistas da organiza��o avaliaram 15 marcas e encontraram cinco fora do padr�o. J� em 2019, foram investigadas 50 op��es, das quais cinco vendiam gato por lebre.
Esses dados ganham ainda mais import�ncia diante do protagonismo que o azeite vem ganhando na mesa dos brasileiros: o pa�s ocupa atualmente a segunda posi��o entre os maiores importadores desse produto no mundo, atr�s dos Estados Unidos.
Na safra 2014/15, o pa�s comprou 67 toneladas de azeite do exterior. Esse n�mero segue em crescimento e atingiu as 104 toneladas em 2019/20, de acordo com os relat�rios do Conselho Ole�cola Internacional (COI).
O consumo de �leos "alterados" em geral n�o representa uma amea�a direta � sa�de. Mas especialistas e associa��es criticam o fato de os consumidores serem enganados — afinal, eles acham que compraram um azeite de oliva, alimento associado a diversos benef�cios alimentares, quando, na verdade, est�o levando um �leo barato e com outra composi��o de nutrientes.
Claro que, nesse contexto, h� casos mais s�rios. O nutricionista Dennys Esper Cintra, coordenador do Laborat�rio de Gen�mica Nutricional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lembra que, no in�cio dos anos 2000, foram identificados casos raros de azeites adulterados com �leo velho de motor de carro.
"A ideia dos produtores era acrescentar esse 'ingrediente' e escurecer um pouco o produto, para que ele ficasse mais parecido com o azeite de verdade, o que � extremamente grave", lembra.
Mas o que faz esse produto ser um alvo f�cil de fraudes? Como fugir de pegadinhas no supermercado? E como escolher o melhor tipo e tirar o m�ximo proveito tanto do ponto de vista da sa�de quanto da culin�ria?
O segredo est� nos tipos
Para entender os motivos por tr�s das fraudes, � preciso conhecer antes os tipos de azeite e como eles s�o obtidos.
Em linhas gerais, esse alimento � dividido em quatro categorias: o extravirgem, o virgem, o azeite tipo �nico e o lampante.
Vamos come�ar pelo extravirgem. "Aqui s� entra o que foi produzido de melhor em todas as etapas. A fabrica��o desse �leo depende apenas de processos mec�nicos, sem nenhuma adi��o qu�mica ou altera��o de calor", explica Ana Maria Rauen Miguel, pesquisadora do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de S�o Paulo.
Ou seja: as azeitonas s�o colhidas no momento exato e passam pela macera��o e pela prensa em temperatura ambiente, etapas que permitem extrair a primeira leva de �leo do fruto. Esse l�quido passa ent�o por alguns processos b�sicos para retirar impurezas e � engarrafado puro.
Do ponto de vista da legisla��o, o extravirgem possui um n�vel de acidez que fica abaixo de 0,8%.

No azeite virgem, essa taxa varia de 0,8 a 2%. "Aqui, pode ter ocorrido algum pequeno problema nos processos, como um pouco de fermenta��o das azeitonas, por exemplo, o que causa algumas altera��es nos componentes principais do azeite e modifica a acidez", diz Miguel, que tamb�m integra o Grupo Oliva SP da Ag�ncia Paulista de Tecnologias dos Agroneg�cios (Apta Regional).
Geralmente, al�m da prensa, as azeitonas utilizadas no azeite virgem s�o submetidas a uma temperatura um pouco mais alta para garantir a retirada de todo o �leo presente no interior dos frutos.
J� o lampante � um �leo obtido a partir de azeitonas muito fermentadas ou machucadas, cuja acidez supera os 2%. O aspecto � ran�oso, e o gosto fica forte e desagrad�vel, o que torna o alimento impr�prio para consumo humano. Muitas vezes, ele � utilizado como combust�vel — o nome "lampante", inclusive, vem do uso desse substrato para acender lamparinas no passado.
Por fim, a �ltima categoria � disposi��o nos supermercados brasileiros � a do "tipo �nico". Aqui, o lampante passa por uma refina��o e alguns processos qu�micos. Depois, � misturado com o azeite virgem antes de ser envasado e vendido.

Um dos primeiros fatores que ajuda a entender as fraudes tem a ver justamente com essas classifica��es todas. Apesar de existirem alguns testes laboratoriais padronizados, o que determina se um azeite � extravirgem ou virgem, os tipos considerados mais "nobres", � a avalia��o sensorial de um grupo de especialistas.
"S�o indiv�duos treinados durante anos para detectar problemas no gosto, no aroma e nos demais aspectos desse alimento", explica o farmac�utico e bioqu�mico Jos� Fernando Rinaldi de Alvarenga, que faz p�s-doutorado no Centro de Pesquisa em Alimentos da Universidade de S�o Paulo (Forc-USP).
E, ao contr�rio do que ocorre nos pa�ses produtores, como Espanha, Portugal e Gr�cia, onde um sistema de avalia��o est� bem padronizado, o Brasil ainda d� os primeiros passos nessa �rea.

As fraudes mais comuns
Rita Bassi, presidente da Associa��o Brasileira de Produtores, Importadores e Comerciantes de Azeite de Oliveira (Oliva), explica que a adultera��o mais simples acontece quando o sumo da azeitona � dilu�do em outros �leos mais baratos, como o de soja. O fato de eles serem muito parecidos e se misturarem bem ajuda a enganar o consumidor.
"Por�m, com o passar do tempo e a melhora na fiscaliza��o, vemos que as fraudes est�o se tornando cada vez mais complexas e elaboradas", conta.
"Hoje, observamos misturas de azeite de oliva de v�rias classifica��es, como os virgens e os extravirgens, adultera��es com o �leo do baga�o da oliva ou at� o uso de azeite lampante puro em alguns produtos", exemplifica.
Todas essas misturas, que n�o obedecem �s legisla��es do setor, s�o vendidas pelos fraudadores como azeites da categoria extravirgem, a mais valorizada e que costuma ser mais cara.
O objetivo, claro, � ampliar a margem de lucro ao diluir o produto original — o sumo mais nobre das azeitonas — com �leos baratos e de menor valor agregado.
Isso traz riscos � sa�de?
Do ponto de vista da sa�de, os especialistas entendem que o consumo desses �leos adulterados que tentam se passar por azeite n�o traz um perigo imediato.
O maior problema, apontam, est� no fato de a pessoa deixar de ingerir, muitas vezes sem se dar conta, uma s�rie de compostos ben�ficos presentes no sumo das azeitonas.
"A gente costuma chamar o azeite de 'ouro l�quido' porque ele traz diversos componentes saud�veis, como o �cido oleico, os antioxidantes e os compostos fen�licos", diz Miguel.
"Os compostos fen�licos encontrados no azeite extravirgem s�o muito ben�ficos � sa�de e tem a��o anti-inflamat�ria, antif�ngica e antioxidante", explica Cintra, da Unicamp.
N�o � toa, esse alimento � uma das estrelas da dieta Mediterr�nea, considerada uma das mais saud�veis do planeta.
A nutricionista Val�ria Machado, diretora cient�fica do Departamento de Nutri��o da Sociedade de Cardiologia do Estado de S�o Paulo (Socesp), explica que o azeite � um representante do grupo de alimentos ricos em gorduras boas, conhecidas como monoinsaturadas e poliinsaturadas.
Al�m do azeite, esses compostos tamb�m podem ser encontrados nos �leos de soja, canola, de girassol, de gergelim, na castanha do par�, na semente de linha�a, no abacate…
"Consumidas na medida certa, elas aumentam o HDL, o colesterol bom, que protege o sistema cardiovascular", diz.

"Os azeites em geral s�o fontes exuberantes da gordura monoinsaturada, que est� associada n�o apenas � redu��o do risco cardiovascular, como tamb�m � preven��o de quadros como diabetes tipo 2 e doen�a de Alzheimer", concorda Cintra.
Os especialistas apontam que as gorduras devem representar at� 35% do valor cal�rico total de uma dieta. Por isso, ao priorizar azeite e companhia como fonte deste nutriente, uma pessoa pode, por exemplo, reduzir sem preju�zo o consumo de carnes, que s�o ricas em gordura saturada, tipo relacionado ao aumento do LDL (o colesterol ruim) e a uma s�rie de problemas card�acos, como o infarto.
Apesar de reconhecerem as qualidades do azeite, Machado e Cintra ponderam que n�o � adequado enxerg�-lo como um "superalimento".
"Uma dieta saud�vel � resultado do equil�brio de v�rios nutrientes. O consumo desse ingrediente deve ser na quantidade adequada, pois o exagero faz mal", aponta a especialista, que tamb�m � doutora em Ci�ncias Aplicadas � Cardiologia pela Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp).
"Mas essas contas e recomenda��es espec�ficas para cada indiv�duo precisam ser feitas por um profissional de sa�de especializado, como o nutricionista."
J� Cintra chama a aten��o para a import�ncia de usar diversos tipos de �leos na alimenta��o. "N�o se pode viver exclusivamente do azeite de oliva. � preciso equilibrar a dieta com as outras op��es, como de soja, de milho e de girassol, que trazem outros nutrientes que s�o complementares."
E na culin�ria?
No preparo de receitas, o preju�zo mais uma vez est� relacionado � compra de gato por lebre: al�m dos atributos nutricionais pr�prios, o uso do azeite em prepara��es ajuda preservar os pontos positivos de outros alimentos.
Essa, inclusive, foi a conclus�o de um artigo rec�m publicado por Alvarenga, da Forc-USP, em parceria com cientistas da Universidade de Barcelona, na Espanha.
O grupo revisou mais de 90 pesquisas sobre o tema e concluiu que cozinhar com o azeite extravirgem ajuda a conservar os nutrientes dos outros ingredientes usados durante o preparo de uma receita.
Isso ocorre porque as subst�ncias do azeite (principalmente as gorduras boas e os compostos fen�licos) protegem literalmente os nutrientes dos outros alimentos da degrada��o causada pelo calor no momento do cozimento. � como se servissem de "escudo".
"Tamb�m precisamos acabar com o mito de que o azeite n�o pode ser esquentado", acrescenta.
"No passado, acreditava-se que a temperatura oxidava e degradava rapidamente as gorduras boas do azeite. Mas, hoje, sabemos que a fuma�a que sai � constitu�da de outros compostos vol�teis."

� claro que, quanto mais tempo o azeite fica no fog�o ou no forno, mais nutrientes se perdem. Mas, como revelam os estudos recentes, isso n�o significa que o sumo da azeitona � menos resistente ao calor em compara��o com outros �leos.
"S� precisamos ter em mente que o sabor dele � mais forte. Portanto, se voc� fritar batatas no azeite, vai ter um gosto diferente", acrescenta o especialista.
"E isso sem levar em conta o pre�o elevado do azeite no Brasil, o que limita o seu uso em maiores quantidade."
O valor desse produto, ali�s, vem aumentando nos supermercados: de acordo com o �ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA), acumula uma infla��o de 7% no ano de 2022.
Isso tem a ver com o encarecimento dos custos de produ��o e transporte, mas tamb�m est� relacionado com a forte seca que atingiu partes da Europa nos �ltimos meses. Em algumas regi�es da Espanha, o rendimento das oliveiras neste ano j� caiu um ter�o do esperado, como revela uma reportagem da BBC News.
Diante de todo esse contexto, Cintra sugere empregar cada tipo de azeite para uma prepara��o espec�fica. O extravirgem, por exemplo, pode ser usado com mais frequ�ncia para temperar saladas ou finalizar pratos que j� foram ao fogo. Isso garante que esses nutrientes permanecer�o no prato por mais tempo.
J� o azeite virgem — que pode ter passado por temperaturas um pouco mais elevadas durante o processo de fabrica��o — � mais indicado para receitas que v�o para o fog�o ou o forno.
"E isso tamb�m compensa do ponto de vista financeiro, j� que o azeite virgem costuma ser mais em conta", diz o nutricionista.
Como n�o comprar gato por lebre
Na hora de botar o azeite no carrinho do supermercado, � importante ficar atento a todos esses fatores para acertar na escolha.
Taveira, da Proteste, orienta que as pessoas prefiram os azeites produzidos e envasados no local de origem. "O risco de ele ser fraudado nessas condi��es � muito menor", garante.

J� Bassi, da Associa��o Oliva, pede que os consumidores desconfiem de pre�os muito abaixo da m�dia. "N�o existe milagre. Quase 100% do azeite consumido aqui � importado. � s� ver o valor do euro e do d�lar pra entender porque o pre�o do produto est� elevado", diz.
Miguel, do Ital, sugere olhar a data de fabrica��o e preferir op��es produzidas h� menos de seis meses. Isso � importante porque o azeite vai perdendo os compostos ben�ficos e se degradando com o tempo.
"E a forma como a gente guarda os frascos na nossa casa tamb�m faz a diferen�a. � importante mant�-los tampados, em locais secos e escuros, e nunca troc�-los de recipiente", conta a especialista.
Isso porque o contato direto com a luz e o oxig�nio degrada os nutrientes — � por isso, inclusive, que as garrafas de azeite costumam ser escuras.
Por fim, vale sempre ficar de olho nas avalia��es feitas por �rg�os como o Mapa, a Anvisa e a Proteste para saber quais marcas n�o passaram nos testes de qualidade e apresentaram fraudes recentemente.
5 passos para reduzir o risco de comprar um azeite fraudado
- Leia o r�tulo para ver se o produto � um "azeite extravirgem", "virgem", "tempero misto" ou "�leo composto".
- Sempre prefira azeites vendidos em vidros escuros.
- Priorize as marcas em que a extra��o e o envase do azeite acontecem no mesmo local.
- Compre azeites cuja fabrica��o tenha acontecido nos �ltimos seis meses.
- Desconfie de ofertas e pre�os muito abaixo da m�dia do mercado.
- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/geral-62813119
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