vários comprimidos no ar

O que mais preocupa � que cada vez mais se observa o uso inadvertido do zolpidem, sem indica��o adequada e sem acompanhamento m�dico

Christian Trick/Pixabay
  Uma pesquisa do Conselho Federal de Farm�cia (CFF), por meio do Instituto Datafolha (2019), constatou que a automedica��o � um h�bito comum a 77% dos brasileiros. Quase metade (47%) se automedica pelo menos uma vez por m�s, e um quarto (25%) o faz todo dia ou pelo menos uma vez por semana. O estudo detectou ainda uma outra modalidade de automedica��o, aquela em que a pessoa foi ao profissional de sa�de, teve um diagn�stico, recebeu a receita, mas n�o usa o medicamento conforme orientado, altera a dose receitada. Comportamento relatado pela maioria dos entrevistados (57%), especialmente homens (60%) e jovens de 16 a 24 anos (69%).
 
O risco � enorme, ainda mais com uso de medicamento viralizando na internet e nas redes sociais, tendo visibilidade com celebridades, sub-celebridades, influencers, famosos... O zolpidem � a bola da vez. O medicamento � um hipn�tico com efeito sedativo, relaxante e ansiol�tico, indicado para ins�nia, mas com as pessoas ingerindo-o para depress�o, tristeza. 
 
Nas �timas semanas, relatos de pessoas que usam zolpidem falando em epis�dios compulsivos de compras, alucina��es, sonambulismofome exagerada na madrugada deixaram a internet "nervosa" , causou mais um burburinho daqueles, se tornando o "novo" assunto mais comentado do momento. 

De acordo com Davi Teixeira Urzedo Queiroz, neurologista do Hospital Vila da Serra, "o zolpidem � um medicamento indicado para quem tem ins�nia, tanto pela demora em come�ar a dormir, mas tamb�m para aquelas pessoas que acordam muito durante a noite. Mas n�o � t�o simples assim. O ideal, conforme as recomenda��es, � que ao fazer uso do zolpidem, a pessoa se planeje para dormir entre 7 a 8 horas por noite. Dessa forma, uma das maneiras mais equivocadas de se fazer o uso do medicamento � n�o programar o hor�rio do sono – a consequ�ncia � que, ao acordar pela manh�, ainda pode haver efeito do medicamento, com redu��o da aten��o e da concentra��o, de modo que a pessoa se coloca em risco ao dirigir e at� mesmo ao atravessar a rua".
 
O neurologista destaca que muitas pessoas acabam utilizando doses maiores do que as recomendadas devido ao receio de que a dose habitual n�o fa�a o efeito desejado. "Compreendo a afli��o de quem est�, por vezes, h� noites sem dormir, mas a dose elevada pode causar um risco aumentado de quedas, principalmente em quem tem mais de 65 anos, altera��es comportamentais (agita��o, ansiedade, alucina��es) e at� mesmo confus�o mental." 

Idea��o e tend�ncia suicida

Davi Teixeira Urzedo Queiroz, neurologista do Hospital Vila da Serra

Davi Teixeira Urzedo Queiroz, neurologista do Hospital Vila da Serra, alerta que estudos mostraram que o zolpidem pode causar altera��es comportamentais e neuropsiqui�tricas

Arquivo Pessoal


Davi Teixeira Urzedo Queiroz explica que alguns estudos mostraram que o zolpidem pode causar altera��es comportamentais e neuropsiqui�tricas, como transtorno depressivo e ansiedade: "H�, inclusive, estudos que mostram um risco aumentado de idea��o e tend�ncia suicida. Dessa forma, pacientes que j� apresentam transtornos de humor n�o deveriam fazer uso do medicamento, a n�o ser que haja indica��o m�dica e, quando houver, que o acompanhamento do paciente seja feito com bastante cuidado". 

O neurologista alerta que h� relatos de sintomas de abstin�ncia do medicamento, ou seja, sintomas de que o corpo est� "dependente" do zolpidem, mas s�o raros. "Quando h� suspens�o do medicamento, seja pelo controle adequado da ins�nia, com mudan�as comportamentais e de h�bitos, ou por necessidade de troca do medicamento, recomenda-se que a redu��o da dose seja feita de forma gradual; n�o por uma depend�ncia do medicamento, mas sim para evitar alguns efeitos colaterais que chamamos de "rebote", que seriam efeitos contr�rios aos previstos pelo medicamento – por um a dois dias pode haver uma maior dificuldade para iniciar o sono, por exemplo. De toda forma, s�o efeitos transit�rios, que n�o v�o persistir, al�m de n�o caracterizar depend�ncia em si."
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Higiene do sono 

O m�dico frisa que o principal tratamento da ins�nia s�o medidas comportamentais e de higiene do sono. "O que ocorre muitas vezes � que a pessoa se sente incapaz de conseguir dormir sem tomar o medicamento, por�m n�o cria as mudan�as em seus h�bitos para que isso possa acontecer. Acaba sendo interpretado como um v�cio ou depend�ncia do medicamento, mas vale sempre lembrar que o principal tratamento da ins�nia s�o as mudan�as de alguns h�bitos."  

Risco do consumo com �lcool 

O neurologista alerta que o zolpidem age no c�rebro por meio de alguns receptores dos neur�nios que reduzem a atividade cerebral, como uma esp�cie de sedativo. "O �lcool atua de forma semelhante, por isso que depois de um momento de euforia com o uso do �lcool, a pessoa fica sonolenta, cambaleando e acaba, por vezes, desmaiando. Fazer uso de bebidas alco�licas e do zolpidem ao mesmo tempo aumenta muito a chance de que o efeito sedativo seja ainda maior. Da� o grande risco de se envolver em acidentes, de se machucar ao cair, de desmaiar, de apresentar alucina��es, confus�o mental, comportamento agressivo, amn�sia, ansiedade e depress�o." 

Dirigir sem saber, fazer sexo e n�o se lembrar

O fato de o assunto zolpidem ter viralizado na internet � bem perigoso, avisa Davi Teixeira Urzedo Queiroz. "Muito preocupante. O zolpidem pode apresentar efeitos adversos que chamamos de dist�rbios do sono. Esses efeitos s�o sonambulismo, fazer coisas enquanto ainda dorme e n�o se lembrar depois: a pessoa pode levantar durante a noite e comer, pode sair de casa e dirigir o pr�prio carro, pode apresentar alucina��es durante o sonambulismo, al�m de haver relatos de quem teve rela��o sexual e n�o se recordou. H� casos em que os dist�rbios do sono causaram graves acidentes, inclusive �bitos. Esses eventos t�m mais chance de acontecer em pacientes do sexo feminino, com uso concomitante de �lcool, ingest�o do medicamento antes do hor�rio previsto, e tamb�m quanto maior for a dose do medicamento."

Uso inadequado, sem acompanhamento m�dico 

Para o neurologista, o que mais preocupa � que cada vez mais se observa o uso inadvertido do zolpidem, sem indica��o adequada, sem acompanhamento m�dico. "Dessa forma, est�o mais frequentes os casos de pessoas que se acidentam ou provocam algum dano a terceiros pelo uso incorreto do medicamento." 

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Entre 2012 e 2021, o n�mero de caixas comercializadas de zolpidem subiu 676%, segundo dados fornecidos pela C�mara de Regula��o do Mercado de Medicamentos (CMED) e pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa). Entre janeiro e junho deste ano, 10,6 milh�es de caixas do rem�dio foram comercializadas, o que representa mais da metade (55,6%) do total de 2021. A m�dia de caixas vendidas por m�s em 2020 foi de 1,94 milh�o; em 2021, 1,58 milh�o. S� no primeiro semestre deste ano, esse n�mero chegou a 1,76 milh�o.

Controle de receita m�dica 

Um salto de consumo assustador, mesmo sendo um medicamento com controle de receita m�dica. "De fato, o medicamento � controlado e a receita deve ficar retida. Por�m, h� uma tend�ncia enorme de "troca de experi�ncia" entre os pr�prios pacientes. Quem aqui n�o tem um vizinho, amigo ou colega que comentou, "Voc� est� com dificuldade para dormir? Tome esse rem�dio aqui que meu m�dico me passou, � �timo!?" Nesse cen�rio, temos uma pessoa que det�m a prescri��o m�dica para compra e outra que n�o possui, mas a primeira acaba consumindo al�m do esperado, j� que compartilha o medicamento. H� ainda situa��es em que as farm�cias, principalmente de bairros e cidades menores, permitem que o paciente leve a receita depois", alerta o m�dido neurologista. 

Conhe�a o zolpidem quimicamente 

Alexandra Fl�via Gazzoni, coordenadora do curso de biomedicina da Est�cio BH, explica que existem classes distintas de medicamentos sedativos-hipn�ticos. O zolpidem � um gente n�o benzodiazep�nico. "Os benzodiazep�nicos s�o f�rmacos hipn�ticos e ansiol�ticos com a��o nos receptores GABA-A, que est�o localizados nas membranas sin�pticas – um dos locais de a��o dos f�rmacos nos tecidos neuronais (neur�nios). Eles n�o t�m atividade antipsic�tica, nem a��o analg�sica ou algum efeito ansiol�tico proeminente e n�o afetam o sistema nervoso aut�nomono. Ao contr�rio dos benzodiazep�nicos, os f�rmacos n�o benzodiazep�nicos apresentam um maior efeito sedativo e, assim, a seda��o � o principal efeito atribu�do ao zolpidem".

O zolpidem � de a��o curta e isso significa, conforme a biom�ica, que "ele apresenta um in�cio r�pido de atividade, ou seja, sua a��o � r�pida apresentando um tempo de in�cio de sintomas de duas, quatro horas em m�dia ap�s a sua ingest�o".

Alexandra diz que, por apresentar um maior efeito sedativo, quando comparado aos seus efeitos miorrelaxante, ansiol�tico e anticonvulsivante, "zolpidem � indicado para tratamento de ins�nia ocasional, transit�ria ou cr�nica. O f�rmaco diminui o tempo de indu��o do sono, ou seja, o paciente cai no sono mais r�pido, com aumento da dura��o do sono sem despertares noturnos". 

Depend�ncia f�sica ps�quica 

E quais os riscos do uso inadequado? "O medicamento tem potencial de desenvolvimento de abuso e capacidade de gerar toler�ncia ao uso exagerado. No entanto, o principal risco no seu uso indiscriminado e equivocado � a depend�ncia f�sica e ps�quica. Assim, muitas vezes o f�rmaco � utilizado como medida imediata, conduta que mascara a exist�ncia de um poss�vel problema maior, que muitas vezes ainda � desconhecido pelo paciente. O uso do zolpidem pode provocar pesadelos, nervosismo, irritabilidade, agita��o, agressividade, acessos de raiva, alucina��es, dist�rbios de comportamento e, at� mesmo, aumentar os casos de suic�dio e tentativa de suic�dio em pacientes com ou sem depress�o. Nestes �ltimos, o uso do medicamento exacerba os epis�dios depressivos e, portanto, os medicamentos hipn�ticos s�o contraindicados em pacientes que sofrem ou est�o em risco de depress�o".

Outro risco, alerta a biom�dica, � que a f�rmula do zolpidem, com uso errado, pode afetar o efeito de outras medica��es que a pessoa precise. "Sim, pode afetar. A combina��o de zolpidem com outros f�rmacos � muito prejudicial, principalmente em idosos, pessoas debilitadas ou quem utiliza uma polifarm�cia (usam muitos f�rmacos di�rios), uma vez que estes f�rmacos podem aumentar o estado de sonol�ncia e comprometimento psicomotor." 

Fernando Zor, risco do v�cio

Fernando Zor, dupla de Sorocaba

Fernando Zor, dupla de Sorocaba, revelou que era viciado em zolpidem, e chegou a tomar at� 15 comprimidos do medicamento diariamente

Reprodu��o/Instagram


Fernando Zor, dupla de Sorocaba, revelou que era viciado em zolpidem - rem�dio para tratamento de ins�nia. Segundo o sertanejo, ele tomava diariamente at� 15 comprimidos do medicamento para “amenizar as ang�stias" durante o per�odo em que teve depress�o.

Zor contou que chegou a ficar sete dias internado para tratar a depend�ncia qu�mica ap�s ter uma crise de ansiedade em um voo. � �poca, ele misturou o medicamento com bebida alc�olica e n�o conseguiu prosseguir com a viagem para o Canad� - onde mora sua filha."Foi a pior experi�ncia da minha vida", contou.