
No final de 2015, uma senhora, moradora de Capivari, pequeno munic�pio do interior de S�o Paulo, notou uma s�bita mudan�a no comportamento de algumas pessoas com quem convivia na cidade. De uma hora para outra, elas come�aram a lhe tratar de uma maneira diferente, algumas delas, at� rispidamente. Sem entender o que estava ocorrendo, buscou informa��es com amigos e descobriu que algu�m estava usando seu nome e sua foto em um perfil no Facebook. Al�m disso, o criador do perfil falso, vinha se passando por ela e ofendendo diversas pessoas.
Seguindo as orienta��es de um advogado, a senhora, que sequer tinha uma conta no Facebook, enviou uma notifica��o para a plataforma, relatou o ocorrido e solicitou a exclus�o do perfil. Para sua surpresa, contudo, a empresa informou-lhe que s� poderia efetivar a exclus�o com uma ordem judicial.
N�o vendo outra op��o, a senhora solicitou que o advogado dela recorresse ao Judici�rio. Pediu a ele, tamb�m, que pleiteasse uma indeniza��o pelos danos sofridos. Seu primeiro pedido foi atendido e o perfil acabou sendo exclu�do. O pedido de repara��o, por�m, foi negado. O Juiz da causa fundamentou sua decis�o no artigo 19 da lei 12.965/14. A lei, conhecida como Marco Civil da Internet prev� que os provedores de aplica��es de internet somente poder�o ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes de conte�do gerado por terceiros se, ap�s ordem judicial espec�fica, n�o tornarem indispon�vel o conte�do apontado como infringente.
Foi apresentado recurso ao Tribunal de Justi�a de S�o Paulo, que teve um entendimento diferente. Para os desembargadores, a in�rcia da empresa em atender a solicita��o de exclus�o da plataforma gerou danos morais � autora da a��o e a aplica��o do artigo em quest�o n�o poderia se sobrepor ao direito de ser reparada.
Outro caso
Em setembro de 2014, em Minas Gerais, um pai recebeu um telefonema de um amigo que queria lhe alertar sobre uma postagem no Facebook envolvendo ele e seu filho menor. Quando o pai acessou a rede, ficou aterrorizado com o que viu. Uma foto dele e do filho, com uma legenda que o acusava de pedofilia. Enviou, imediatamente, uma notifica��o � plataforma solicitando a retirada daquele conte�do. A empresa, ap�s algum tempo, respondeu ao pedido informando que a foto n�o violava os seus “padr�es de comunidade” e que, de acordo com a lei, s� poderia excluir a postagem se recebesse uma ordem judicial. A lei mencionada era o Marco Civil da Internet, que havia entrado em vigor naquele ano.
O pai precisou, ent�o, ajuizar uma a��o e pedir uma liminar para retirar a postagem. Pleiteou tamb�m uma indeniza��o por danos morais. Os dois pedidos foram acolhidos tanto em primeira inst�ncia quanto pelo Tribunal de Justi�a de Minas Gerais. O principal fundamento adotado pelos julgadores foi a for�a das normas que protegem as crian�as e os adolescentes, previstas na Constitui��o Federal e no Estatuto da Crian�a e Adolescente (ECA).
O Facebook apresentou recursos contra as decis�es proferidas nos dois casos acima. Em rela��o ao primeiro, a quest�o foi levada ao STF (RE 1037396/SP). A discuss�o do segundo foi remetida ao STJ (RESP 1783269/MG) . Requereu em ambos que a lei fosse cumprida (o art. 19 do Marco Civil da Internet).
O julgamento no STJ ocorreu em fevereiro deste ano e a corte confirmou o entendimento das inst�ncias ordin�rias. Segundo os ministros, o provedor de aplica��es de hospedagem (Facebook), agiu ilicitamente ao n�o excluir a imagem do menor de idade, publicada sem autoriza��o dos respons�veis, relacionada a conte�do inapropriado, mesmo ap�s requerimento feito pelo pai. Os ministros destacaram que as normas de prote��o da crian�a e do adolescente devem prevalecer sobre aquela prevista no Marco Civil da Internet.
Ao recurso no STF foi atribu�do o car�ter de repercuss�o geral. Assim, a decis�o nele proferida resolver� o lit�gio entre os envolvidos e servir� de precedentes para todos os casos em que se discute a responsabilidade civil dos provedores (Facebook, Instagram, Google, Youtube, Twitter, etc) por conte�dos neles postados.
Para tanto, a Corte dever� declarar como aplicar o artigo 19 do Marco Civil da Internet de acordo com a Constitui��o Federal. Os ministros v�o analisar se sua interpreta��o literal ou moderada respeitam os princ�pios constitucionais. E o principal deles � o que garante a liberdade de express�o (arts. 5°, IV e IX, XIV e art. 220, caput, § 1° e 2°). O julgamento estava previsto para este m�s, mas foi retirado de pauta pelo presidente do Tribunal.
A doutrina especializada
Enquanto isso, podemos encontrar na doutrina especializada argumentos a favor e contra a constitucionalidade deste artigo.O grupo que a defende sustenta que um regime de responsabilidade civil diferenciado � justificado pelas peculiaridades da produ��o e difus�o de conte�do na internet. Afirma que o modelo de responsabiliza��o do artigo 19 impede a pr�tica de censura privada por parte dos provedores. Entende, por fim, que a imposi��o aos provedores de uma obriga��o de modera��o pr�via poder� gerar a exclus�o indevida de conte�dos l�citos.
O principal argumento daqueles que contestam a constitucionalidade � de que o risco a certos valores imp�e a a��o das plataformas, independentemente de uma ordem judicial pr�via. Dentre eles, est�o o desrespeito ao consumidor, a exposi��o de crian�as e adolescentes, ataques � democracia, incita��o ao �dio, desinforma��o e discrimina��o de certos grupos.
Outro ponto relevante aventado refere-se ao custo imposto a uma v�tima de um conte�do il�cito ou ofensivo: a obriga��o de buscar o judici�rio. Em um momento em que se prega a desjudicializa��o dos conflitos, a imposi��o prevista pela lei n�o parece coerente.
E, por fim, alguns doutrinadores afirmam que a lei j� nasceu defasada. � �poca de sua edi��o, prevalecia a no��o de que os servidores eram neutros e, que por isto, deveriam ser considerados meros hospedeiros dos conte�dos criados por terceiros.
A realidade hoje � bem diferente, segundo eles. � o que bem destacou a professora Ana Fraz�o, em artigo publicado no site jur�dico JOTA. Segundo ela, estas empresas (os servidores) hoje det�m um forte controle sobre o fluxo informacional. Est�o longe, portanto, de serem meras intermedi�rias. Vale destacar um trecho do texto: (...) j� faz algum tempo que se sabe que tal postura de neutralidade � fantasiosa, pois as plataformas selecionam, filtram, ordenam e escolhem os conte�dos que cada usu�rio ir� receber e ganham muito dinheiro com isso. Exercem, portanto, um consider�vel controle de conte�do, que vai muito al�m da sua parte mais vis�vel — a chamada modera��o ex post — e envolve um intrincado e obscuro conjunto de medidas adotadas ex ante para decidir que conte�do cada usu�rio vai receber.
A realidade hoje � bem diferente, segundo eles. � o que bem destacou a professora Ana Fraz�o, em artigo publicado no site jur�dico JOTA. Segundo ela, estas empresas (os servidores) hoje det�m um forte controle sobre o fluxo informacional. Est�o longe, portanto, de serem meras intermedi�rias. Vale destacar um trecho do texto: (...) j� faz algum tempo que se sabe que tal postura de neutralidade � fantasiosa, pois as plataformas selecionam, filtram, ordenam e escolhem os conte�dos que cada usu�rio ir� receber e ganham muito dinheiro com isso. Exercem, portanto, um consider�vel controle de conte�do, que vai muito al�m da sua parte mais vis�vel — a chamada modera��o ex post — e envolve um intrincado e obscuro conjunto de medidas adotadas ex ante para decidir que conte�do cada usu�rio vai receber.
Como se v�, a quest�o � bem complexa. Caber� � nossa Suprema Corte tentar colocar um tempero na aplica��o deste artigo, considerando, para isto, nossa atual realidade social e tecnol�gica.
Vale mencionar que em alguns pa�ses, como a Alemanha, j� existe, h� algum tempo, uma tend�ncia de se exigir maior responsabilidade dos provedores. Por l� tem prevalecido a regra de que a simples notifica��o do usu�rio gera para a plataforma a obriga��o da retirada de um conte�do tido como il�cito.
Aqui o PL 262/20 chamado de PL de Fake News ainda aguarda aprova��o pelo Congresso. Como destacamos em outro texto desta coluna, o projeto prev� altera��es no Marco Civil da Internet, especialmente, no que diz respeito � obriga��o de modera��o de conte�do por parte das grandes empresas de tecnologia.
Ao que tudo indica, por�m, ele s� ser� colocado em pauta ap�s as elei��es deste ano.
O autor desta coluna � Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. � s�cio fundador do escrit�rio Ribeiro Rodrigues Advocacia
Sugest�es e d�vidas podem ser enviadas para o email [email protected]