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Estado de Minas DIREITO E SA�DE

O caso do m�dico de Novo Hamburgo

N�o falamos em defesa do m�dico, pois pouco sabemos do caso. Mas defendemos seu direito de n�o ser condenado sumariamente e de forma p�blica


29/12/2022 23:09 - atualizado 29/12/2022 23:10

O médico possui especialização em cirurgia do aparelho digestivo e videocirurgia
O m�dico possui especializa��o em cirurgia do aparelho digestivo e videocirurgia (foto: Reprodu��o/Instagram )
Nos �ltimos dias a imprensa nacional voltou a repercutir um caso de mortes supostamente ligadas a erros m�dicos. E infelizmente, trata-se de um caso de aparente gravidade. Segundo consta nas reportagens, um cirurgi�o atua em Novo Hamburgo/RS e passou a ser investigado ap�s not�cia-crime apresentada 2 meses atr�s. A justi�a atendeu ao pedido do Minist�rio P�blico e o afastou de suas fun��es por 180 dias, negando, contudo, sua pris�o preventiva. Foram cumpridos mandados judiciais na casa do m�dico, em sua cl�nica particular e no hospital onde eram realizadas as cirurgias, sendo apreendidos os prontu�rios m�dicos dos casos em an�lise.

Cirurgi�o Geral desde 2003, o m�dico possui especializa��o em cirurgia do aparelho digestivo e videocirurgia. � membro do Col�gio Brasileiro de Cirurgi�es, da Sociedade Brasileira de Videocirurgia e da Sociedade Brasileira de H�rnia. Portanto, a an�lise preliminar indica que o m�dico � habilitado para as cirurgias que realizava. 

Conforme apurado pelas reportagens, muitas queixas se referem a perfura��es de �rg�os durante as cirurgias, o que de fato sugere a ocorr�ncia de graves erros profissionais. O volume de queixas tamb�m chama a aten��o, visto que ap�s a divulga��o do caso foram lavrados pelo menos 73 boletins de ocorr�ncias, ligando o cirurgi�o a queixas de pacientes. Ve�culos de imprensa informaram ainda que a autoridade policial afirmou existirem no caso, 18 v�timas de homic�dio. E embora o caso realmente demonstre gravidade, chamou nossa aten��o esta abordagem preliminar, indicando publicamente todos os �bitos como poss�veis homic�dios.
 

A investiga��o em tela � conduzida pela Pol�cia Civil e pelo Minist�rio P�blico do RS, �rg�os que n�o possuem expertise para an�lise t�cnica dos fatos. O �rg�o respons�vel seria o Instituto Geral de Per�cias – IGP, que ir� analisar os prontu�rios m�dicos apreendidos, para apurar se existe nexo de causalidade entre a��o ou omiss�o do m�dico, e os danos reclamados pelos pacientes. J� o CREMERS conduz uma sindic�ncia em sigilo, e n�o se manifestar� sobre o caso antes de conclu�da. Portanto, soa totalmente impr�prio que se fale em 18 homic�dios em cadeia nacional, na fase em que as investiga��es se encontram. 

O hospital envolvido informou, em nota, que o mandado judicial s� apontava 14 pacientes queixosos. Informou que somente 4 deles apresentaram alguma queixa administrativa contra o cirurgi�o, sendo que s� 1 delas foi acatada, e encaminhada � comiss�o de �tica. N�meros que colocam em d�vida os divulgados nas reportagens. 

Mas conforme a imprensa noticiou, a autoridade policial teria afirmado haver 73 “v�timas de cirurgias desastrosas”. Certamente a fala se baseou nos 73 boletins de ocorr�ncia lavrados ap�s a divulga��o do caso (que podem representar v�timas de erros, ou n�o – o que s� saberemos, ap�s a conclus�o das investiga��es e dos processos judiciais).  
 

Ainda segundo a imprensa, a autoridade policial teria afirmado que, al�m dos 18 pacientes vitimados de forma fatal, “os que sobreviveram” tiveram mutila��es, les�es ou complica��es. Ora, ser� que o autor da fala sabe o que s�o complica��es cir�rgicas? Provavelmente, quem o disse, desconhece que qualquer cirurgia est� sujeita a complica��es, e que estas n�o s�o necessariamente, culpa do m�dico. N�o deve saber que intercorr�ncias s�o comuns e indesejadas, mas nem sempre evit�veis. Nem o que significa um evento adverso. Na verdade, a autoridade policial ou a imprensa sequer precisam conhecer estes conceitos, por n�o serem m�dicos. Mas exatamente por isto, n�o devem conceder ou publicar entrevistas emitindo opini�es pessoais sobre o assunto.

Sobre os 18 �bitos informados, trata-se de mais um dado que por si s�, n�o prova qualquer m� conduta, sem uma an�lise t�cnica de cada um dos casos. O mal resultado faz parte do risco de qualquer procedimento (mesmo os n�o cir�rgicos). Conceder entrevistas imputando a um m�dico 18 homic�dios, antes da an�lise t�cnica dos casos por parte dos de profissionais capacitados para tanto, � no m�nimo irrespons�vel.   

Em pesquisa no TJRS, foram identificadas somente 10 a��es judiciais em face do m�dico, ajuizadas por pacientes. O que indica, mais uma vez que h� controv�rsias sobre a narrativa exposta nas entrevistas, pois se h� mais de uma centena de v�timas de danos (conforme estimativa apontada) e ainda 18 v�timas de homic�dio, por que todos estes casos n�o teriam sido judicializados? 

Segundo a imprensa, a autoridade policial classificou as cirurgias como desastrosas (embora n�o tenha conhecimento t�cnico para as analisar). Sugeriu ainda que o cirurgi�o teria atuado com “crueldade deliberada” (ou seja, de forma intencional), com requintes de crueldade e desumanidade, e com descaso total quanto � sa�de. Ainda, que o m�dico mutilava e agravava a situa��o de sa�de das pessoas intencionalmente, que eram “deixadas para morrer aos poucos” no hospital. Que haveriam pacientes “com o organismo podre e a pessoa viva, pedindo para morrer”. Uma narrativa bizarra, t�pica de um filme de terror. 
 

Contudo, os casos se passaram em um hospital que � refer�ncia na regi�o. Se realmente fossem casos de “crueldade deliberada”, n�o seria mais fact�vel que as cirurgias ocorressem na cl�nica pr�pria, longe de terceiros? Por este motivo, nota-se que as acusa��es das reportagens ultrapassam a pessoa do m�dico, e atingem toda a sua equipe, e todos os colaboradores do hospital. De forma prematura e irrespons�vel.

Respeitosamente, entendemos que tanto a imprensa quanto a autoridade policial devem se ater aos fatos, e aos limites legais de seus respectivos of�cios (sob pena de responder pelos excessos). No caso em tela, quais seriam os fatos? Uma not�cia-crime, 18 �bitos e 73 boletins de ocorr�ncia. Milhares de p�ginas de prontu�rios m�dicos, que devem ser analisados por profissionais qualificados para a fun��o (e n�o policiais ou rep�rteres). Relatos tristes e impactantes de in�meros pacientes e familiares, que precisam ser analisados e confrontados com as provas existentes. Toda uma investiga��o pela frente, assim como v�rios processos judiciais a ocorrer. E somente ap�s tudo isso, a eventual puni��o dos respons�veis, nos termos da eventual condena��o, e na forma da lei.  

Qual � o trabalho da autoridade policial, em casos como o presente? Investigar os fatos com responsabilidade e isen��o, e os apresentar ap�s a conclus�o, � justi�a (que � quem julga e decide), respeitando todos os direitos personal�ssimos e constitucionais do acusado. Mas no caso em tela, o que temos � a condena��o sum�ria do investigado, por parte de quem deveria zelar por seus direitos de forma isenta, ao emitir publicamente detalhes do caso e opini�es equivocadas sobre assuntos que desconhece completamente, jogando a opini�o p�blica contra o acusado e causando um verdadeiro linchamento social. Algo no m�nimo, impr�prio.
 
Segundo a imprensa, a autoridade policial chega a afirmar que o m�dico realizava 20 cirurgias por turno de plant�o (que geralmente s�o de 12 horas) “para ganhar mais dinheiro”. Embora tamb�m conste nas reportagens que o m�dico s� atendia pacientes particulares (ou seja, sem atendimento em plant�es) e que o mesmo teria realizado 25 mil cirurgias em 19 anos de profiss�o (cerca de 100 cirurgias mensais, e uma m�dia de 3 di�rias). Nota-se que a narrativa cr�tica n�o se sustenta frente aos dados das pr�prias reportagens. 

Por fim, as reportagens criticam as redes sociais do cirurgi�o, afirmando de forma cr�tica que o mesmo publicava conte�do informativo sobre os procedimentos que realiza. Muito embora isto n�o seja crime, e tenha nome: Publicidade M�dica, atividade autorizada pelo CFM e regulamentada pelo C�digo de �tica M�dica.  

Que fique claro: nosso objetivo no presente artigo n�o � defender o m�dico das acusa��es, pois pouco sabemos do caso. O que defendemos s�o seus direitos, que s�o iguais aos de todos os demais cidad�os. Direito a uma acusa��o �tica e equilibrada, com base nos fatos e provas, e n�o em “achismos”. Direito ao contradit�rio e � ampla defesa. Respeito ao devido processo legal. Mas sobretudo o direito de n�o ser condenado sumariamente de forma p�blica, atrav�s da imprensa, por quem deveria se ater � sua fun��o de investigar o caso, e submeter o conte�do obtido � justi�a, de forma isenta e imparcial. 

Pois da “banda podre” da imprensa e da legi�o de “desocupados das redes sociais”, estamos acostumados a esperar sempre o pior, como o apedrejamento sum�rio sem possibilidades de defesa, e o assassinando de reputa��es sem direito a um julgamento justo. Mas n�o � algo que normalmente esperamos das autoridades que representam o estado democr�tico de direito, e que deveriam zelar pelos direitos de todos n�s, mesmo quando acusados de crimes. 

Prestamos nossa solidariedade e apoio a todos os envolvidos no caso, assim como aos seus familiares, sobretudo dos que perderam a sa�de ou vida. Que todos os fatos sejam devidamente apurados por profissionais competentes e qualificados, e os respons�veis (caso existam) identificados, para que sejam punidos com todo o rigor da lei. 

Se o cirurgi�o � mesmo culpado de 1, 2 ou 73 erros profissionais, s� saberemos ao final da investiga��o em curso, e dos processos judiciais que vir�o a seguir. Condenar sumariamente qualquer pessoa, com base no relato das v�timas e na opini�o t�cnica de leigos, � absurdo. Reflitam sobre o assunto, pois hoje � o m�dico de Novo Hamburgo, mas amanh�, pode ser voc�. 
 
 
Renato Assis � advogado, especialista em Direito M�dico e Odontol�gico h� 15 anos, e conselheiro jur�dico e cient�fico da ANADEM. � fundador e CEO do escrit�rio que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o pa�s.  
 
 

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