Bastidores: EM enfrenta isolamento para cobrir julgamento em Londres
Como outros brasileiros em viagem ao Reino Unido em tempos de coronav�rus, rep�rter passa 14 dias confinado para garantir acesso ao julgamento, que come�a nessa quarta-feira
Vista dos arredores do apartamento usado pela reportagem, submetida a 14 dias de isolamento, com a Saint Paul%u2019s Chappel ao fundo
(foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
Londres e Manchester – Os sacrif�cios de um forte isolamento, no qual n�o se pode ir nem mesmo at� o passeio por 14 dias, sob risco de pagamento de multas de at� 3.200 libras (quase R$ 22 mil), sem falar em processo criminal, parecem duros. Contudo, essa exig�ncia, que foi imposta � reportagem do jornal Estado de Minas, se torna amena quando comparada ao sofrimento dos �ltimos cinco anos dos familiares de 19 mortos e 700 mil atingidos pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, operada pela Samarco.
Como todos os estrangeiros que v�m de pa�ses sem controle da COVID-19, como o Brasil, atravesso per�odo de quarentena em Londres para cobrir o julgamento da a��o internacional que processa a BHP Billiton nas cortes do Reino Unido, uma vez que a mineradora anglo-australiana � controladora da Samarco ao lado da Vale. O julgamento est� marcado para come�ar amanh� (22), em Manchester, na regi�o noroeste da Inglaterra.
Essa � a fase mais importante da a��o at� o momento. Ser� decidido, de uma vez por todas, se a corte do Reino Unido aceita os argumentos de que o caso ocorrido no Brasil tem jurisdi��o na Europa em decorr�ncia da participa��o da empresa anglo-americana na Samarco e de que a Justi�a brasileira ainda n�o garantiu, satisfatoriamente, indeniza��es, repara��es e respostas a todas as pessoas atingidas. Os advogados da BHP Billiton afirmam que o processo na corte inglesa duplicaria as a��es j� existentes, que se arrastam por cinco anos na Justi�a do Brasil.
A travessia para fazer a cobertura em tempos de coronav�rus � longa. Ao ingressar na Inglaterra, no setor de imigra��o do aeroporto de Heathrow, as pessoas que v�m do Brasil s�o colocadas numa fila onde os question�rios s�o os mais r�gidos. Cada viajante precisa ter preenchido um formul�rio on-line, ainda no Brasil, no qual determina exatamente o endere�o onde vai ficar isolado e o telefone de contato, bem como todas as informa��es sobre suas condi��es para se manter alimentado, hidratado e suprir todas as necessidades m�dicas sem ter de sair desse local de confinamento, que pode ser um apartamento ou hotel. A multa para as pessoas que n�o preencherem o formul�rio � de 100 libras e aqueles que n�o o fizeram, mesmo depois do pagamento podem ser impedidos de ingressar no Reino Unido.
Mas n�o � s� isso. Muitos s�o checados no pente-fino feito pelo Departamento de Imigra��o. Foi o que ocorreu comigo. Todas as credenciais foram conferidas e tamb�m a exist�ncia do pr�prio julgamento, caso que ainda n�o � muito popular no Reino Unido. Os agentes levaram mais de 20 minutos conferindo a hist�ria do rompimento da barragem, se as empresas envolvidas t�m realmente liga��o com o Reino Unido, se existia um julgamento marcado para Manchester, e a veracidade dos meus v�nculos com o EM, como a assinatura de reportagens recentes.
Tudo que estava dentro da mala foi removido, separado, atravessou o raio-X e depois ainda passou por exames qu�micos, com paletas que colheram amostras para detectar a presen�a de p�lvora, drogas e outras subst�ncias de ingresso proibido e que poderiam fazer parte de algum plano de terrorismo ou at� mesmo criminoso.
O rep�rter Mateus Parreiras: trabalho solit�rio para garantir acesso ao julgamento (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)
Depois de deixar o aeroporto, a �nica coisa que a pessoa que se comprometeu com isolamento pode fazer para n�o ser multada � tomar o caminho para o local onde vai ficar. Nesse caminho, � obrigat�ria a utiliza��o de m�scaras ou de outro tipo de cobertura sobre o nariz e a boca. Caso mude de rumo, pode ser processada e multada.
No Reino Unido, que j� passou pelos piores dias da pandemia da COVID-19, as pessoas transitam hoje sem m�scaras, se exercitam pelas ruas e andam de bicicleta. O edif�cio onde a “reda��o” do EM foi montada em Londres para a cobertura tem v�rios apartamentos alugados numa �rea onde predominam empresas, escrit�rios e sedes de bancos, no Bairro Castle Baynard, � margem esquerda do Rio T�misa. Minha entrada usando m�scara no pr�dio chamou a aten��o de vizinhos. Viram logo se tratar de um estrangeiro, mantendo dist�ncia segura para se evitar eventuais cont�gios. Essa aten��o especial me deu a sensa��o tamb�m de uma forma de vigil�ncia, j� que caso saia e seja denunciado, a pessoa posta em isolamento estar� sujeita a todas as san��es previstas pela Lei de Imigra��o no Reino Unido.
O isolamento dura 14 dias. No caso meu caso, as conversas se resumem ao WhatsApp e outros aplicativos, lembrando que o fuso hor�rio de ver�o em Londres � de quatro horas a mais do que no Brasil. Ou seja, quando o trabalho come�a, �s 7h, ainda s�o 3h no Brasil. E quando os estabelecimentos come�am a fechar, por volta das 18h, ainda � meio-dia no Brasil. Esse descompasso certamente afeta n�o apenas o trabalho, mas tamb�m as rela��es interpessoais e a disponibilidade de contatos para matar um pouco da sua saudade.
Uma das grandes dificuldades encontradas � a obten��o de comida. Com o c�mbio da libra em torno R$ 7, qualquer entrega que passa de tr�s libras j� come�a a pesar no custo dos itens recebidos. A solu��o foi fazer pedidos de supermercados, e, depois de j� ter algum estoque, marcar o recebimento em um esquema de agendamento pr�vio e que tem hor�rios como 23h e meia-noite, a pre�os mais baixos, devido ao pequeno volume de entregas e � possibilidade das empresas de log�stica poderem se organizar melhor. Com isso, o pagamento, que seria de tr�s a quatro libras, caiu para 1 ou 0,50 libra, reduzindo o custo do abastecimento nesses 14 dias.
Com �gua pot�vel e comida, a organiza��o da comunica��o tamb�m foi essencial. Como a produ��o de reportagem � di�ria, uma internet impec�vel e um chip de telefone m�vel local – tamb�m obtido por meio dos mercados que fazem entregas - s�o itens fundamentais. Sem eles, � praticamente imposs�vel falar com as fontes que se encontram no Brasil, e tamb�m na Inglaterra. Afinal nem todos t�m o h�bito de atender chamadas pelas redes sociais, sobretudo no Brasil, devido � necessidade de utiliza��o do seu pacote de dados.
Solid�o
A solid�o come�ou a se abater com mais for�a depois de sete dias de isolamento. A necessidade de fazer exerc�cio virou uma constante, at� para evitar comer o tempo inteiro levado pela ansiedade por estar confinado. Mesmo falar sozinho, ouvindo s� a pr�pria voz, tornou-se cansativo.
O trabalho ajuda a n�o pensar no isolamento e a TV ligada o dia todo d� uma sensa��o de movimento, quase como na reda��o de um jornal. Mas a necessidade de entrega, dentro dos prazos, de reportagens que s�o feitas com fontes em Belo Horizonte e outras cidades brasileiras estica a espera por retorno at� perto da madrugada londrina, por causa do fuso hor�rio.
Para um brasileiro acostumado ao calor do sol todo dia, os escassos raios que entram pela janela s�o essenciais. � nelas que me penduro para receb�-los e ainda passar o tempo entre uma chamada ou envio de mensagem e seu retorno. Algum alento vem do ato de assistir �s crian�as andando de bicicleta, aos jovens correndo para se exercitar e ao voo das gaivotas sobre o Rio T�misa.
Mas o incentivo para vencer as dificuldades do isolamento vem, sobretudo, do trabalho que � feito em Londres em prol de pessoas que tiveram suas vidas destru�das por 40 milh�es de metros c�bicos de lama que desceram da Barragem do Fund�o e contaminaram a Bacia Hidrogr�fica do Rio Doce, em novembro de 2015. A expectativa maior � em torno da decis�o da Justi�a estrangeira sobre o destino de milhares de brasileiros h� cinco anos sem uma resposta.
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