
Entre as v�rias doen�as cuja preven��o e tratamento foram afetadas pela pandemia de coronav�rus, est� o c�ncer mais numeroso em novos casos e mortes de mulheres no Brasil, depois do de pele n�o melanoma: o de mama.
Uma das medidas mais importantes para a detec��o precoce da doen�a, a mamografia para mulheres com idade entre 50 e 69 anos, foi diretamente afetada pela pandemia, conforme mostra um levantamento recente, publicado em abril na Revista de Sa�de P�blica.O n�mero de mamografias realizadas na rede p�blica nesta faixa et�ria diminuiu 42% em 2020 na compara��o com o ano anterior, caindo de 1.948.471 em 2019 para 1.126.688 no ano em que a pandemia come�ou.
A diferen�a de 800 mil exames n�o realizados no ano passado deve significar algo em torno de 4 mil casos de c�ncer de mama n�o diagnosticados em 2020, considerando estimativas da taxa de detec��o da doen�a nas mamografias digitais (em m�dia de 5 casos detectados para 1000 exames).
"Isso representa uma sobrecarga em potencial da doen�a para os pr�ximos anos", diz o estudo, assinado pela mastologista Jordana Bessa.
Mamografias realizadas pelo SUS em 2019 e 2020 na faixa et�ria de 50-69 anos
M�s
2019
2020
Varia��o (%)
Total
1.948.471
1.126.688
-0.42
Janeiro
149.053
152.526
+2.33
Fevereiro
151.453
143.099
-5.52
Mar�o
144.763
135.000
-6.74
Abril
154.395
37.016
-76,03
Maio
155.700
27.381
-82,41
Junho
140.324
37.313
-73,41
Julho
148.190
47.528
-67,93
Agosto
153.784
57.053
-62,90
Setembro
158.140
77.136
-51,22
Outubro
214.514
135.274
-36,94
Novembro
199.783
160.616
-19,60
Dezembro
178.372
116.746
-34,55
Fonte: Jordana de Faria Bessa, "Breast imaging hindered during covid-19 pandemic, in Brazil", Revista de Sa�de P�blica (2021)
A autora usou ainda informa��es do DATASUS para detalhar os n�meros por Estado e m�s. Ainda que com algumas varia��es regionais, o volume de mamografias realizadas em 2020 caiu na maior parte do pa�s, mostrando que se trata de um problema disseminado.
"Em janeiro (o n�mero de mamografias realizadas no pa�s) come�ou razoavelmente bem, e a� em abril come�ou a ter uma queda muito grande. A queda foi amenizada em outubro, com a campanha Outubro Rosa, mas n�o chegou ao n�vel de antes" da pandemia, detalha Bessa, formada na Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e m�dica da Rede D'or S�o Luiz em S�o Paulo.
O Minist�rio da Sa�de recomenda que mulheres com idade entre 50 e 69 anos fa�am a chamada mamografia de rastreamento, um exame de rotina mesmo sem sintomas, a cada dois anos. Representando o minist�rio, o Instituto Nacional do C�ncer (INCA) explicou � BBC News Brasil que mesmo na pandemia as mamografias n�o foram suspensas e devem continuar sendo feitas, alinhadas a cuidados como uso de m�scara e distanciamento social.
Mesmo que o �rg�o e os entrevistados destaquem a import�ncia da manuten��o desta rotina, Jordana Bessa diz que n�o � o que est� acontecendo na realidade.
"A gente v� na pr�tica que as pacientes sumiram mesmo. No consult�rio, est�o voltando para colocar em dia os exames e dizem que est�o atrasadas", conta a mastologista e autora da pesquisa, exaltando a exist�ncia e disponibilidade das informa��es do DATASUS.
Bessa ressalva que o levantamento inclui apenas dados da rede p�blica, mas possivelmente houve queda tamb�m na rede particular. Por este e outros fatores, a estimativa de 4 mil casos n�o diagnosticados em 2020 � conservadora.
Dados pr�vios, n�o inclu�dos no estudo, mostram que nos tr�s primeiros meses de 2021 o n�mero mensal de mamografias foi ainda menor do que em 2020 e 2019.
Redu��o mesmo em casos com n�dulo
No pedido para uma mamografia, o m�dico deve preencher um pequeno question�rio, respondendo por exemplo: "A paciente tem algum n�dulo na mama?"
Se responder que sim, isso quer dizer que o m�dico encontrou um caro�o na mama que pode ser benigno ou maligno, e a mamografia � um dos exames que ajudar� a investigar isso.
Jordana Bessa diz que casos assim exigem aten��o — e assist�ncia em sa�de — redobrada, j� que a taxa de detec��o do c�ncer � maior quando h� n�dulos.
Em seu levantamento, ela coletou tamb�m n�meros de mamografias realizadas em 2019 e 2020 em cujo pedido m�dico a presen�a de n�dulos foi afirmativa.
O volume destas mamografias caiu de 137.570 em 2019 para 89.408 em 2020.
Ou seja, dezenas de milhares de mulheres com n�dulos detectados deixaram de fazer mamografias no primeiro ano da pandemia.
"Mais ou menos 50 mil mulheres com n�dulos palp�veis est�o sumidas. Onde est�o essas mulheres que n�o foram fazer a mamografia? Preocupa mesmo", diz a m�dica.
Problemas antigos
Enquanto h� mulheres que, na pandemia, deixaram de fazer a mamografia, h� aquelas que tentaram muito e enfrentaram problemas antigos no acesso a esse exame, agravados pela crise gerada pela covid-19.
Um relat�rio de 2019 do Col�gio Brasileiro de Radiologia e Diagn�stico por Imagem (CBR) mostrou que a taxa de mam�grafos dispon�veis do SUS era de 1,3 para cada 100 mil habitantes; na rede privada, de 6,16.
Hoje, as diretrizes do Minist�rio da Sa�de n�o falam em um n�mero ideal, mas consideram diferentes variantes e particularidades locais. Como par�metro, por�m, uma portaria de 2002 determinava um m�nimo de 0,42 aparelhos para cada 100 mil habitantes.
Segundo o relat�rio do CBR, por�m, � comum que hospitais p�blicos tenham dificuldades para manuten��o dos aparelhos, e que tamb�m faltem profissionais habilitados para utiliz�-los.
A dom�stica Severina Maria, de 55 anos e moradora de Niter�i (RJ), conta que tenta desde outubro de 2019 fazer uma mamografia pela rede p�blica, atrav�s do Sistema �nico de Sa�de (SUS). Al�m da rotina de bienal, ela precisa fazer o exame tamb�m por acompanhamento, j� que teve g�nglios encontrados na mama h� cinco anos.
H� quase dois anos, Severina j� escutou no posto do M�dico de Fam�lia do Engenho do Mato que o aparelho estava quebrado e tamb�m que a fila de mulheres � sua frente estava grande, nunca conseguindo a marca��o do exame.
"Com a pandemia piorou, porque est�o focando mais na covid. Mas nunca foi f�cil marcar mamografia n�o. Sempre foi dif�cil. S� consegui fazer mamografia pelo SUS uma vez, em 2018, o resto foi tudo pagando", conta a dom�stica, que diz ter pedido em outras ocasi�es ajuda de familiares para pagar consultas e exames particulares, mas agora enfrenta o desemprego e uma situa��o financeira mais dif�cil.
Em nota, a Prefeitura de Niter�i garantiu que "n�o h� demanda reprimida de mamografia na cidade", onde h� dois mam�grafos e uma cl�nica conveniada para atendimento ao p�blico. Questionada pela BBC News Brasil sobre o que poderia explicar a dificuldade encontrada pela paciente, a assessoria de imprensa da prefeitura afirmou que iria averiguar a situa��o dela em particular, mas n�o deu retorno at� a publica��o desta reportagem.
Em Bel�m (PA), o estudante e profissional de tecnologia da informa��o Victor Arcanjo, de 30 anos, tenta desde novembro de 2020 marcar uma mamografia para a m�e, que tem 59 anos. Foi naquele m�s que um m�dico entregou a ela um pedido de realiza��o do exame com o aviso: "Urgente".
Victor n�o sabe o motivo da urg�ncia, pois n�o estava na consulta, mas por motivos de sa�de da m�e, � ele quem vem correndo atr�s de atendimento m�dico para ela nos �ltimos meses. Na Unidade B�sica de Sa�de (UBS) em que s�o atendidos, o mam�grafo ficou quebrado por um tempo e depois o m�dico respons�vel ficou ausente, por demandas externas referentes � pandemia.
Hoje, mam�grafo e m�dico voltaram, mas Victor e a m�e est�o agora com um problema burocr�tico, tentando regularizar o cadastro para atendimento m�dico devido a uma mudan�a de endere�o.
"O que a gente sente � frustra��o. � um exame important�ssimo, urgente, e n�o conseguimos h� seis, sete meses. Como fica a cabe�a?", indaga o universit�rio. "N�o tem muita gente trabalhando no posto, pois est�o concentrados no atendimento � covid. As informa��es ficam desencontradas. N�o que n�o deva ter essa concentra��o com a covid, mas a gente fica frustrado com problemas que poderiam ser tratados mais r�pido."
A BBC News Brasil n�o conseguiu contato, por e-mail ou telefone, com a UBS mencionada por Victor e nem sua assessoria de imprensa.
Por outro lado, o m�dico Arn Migowski, chefe da Divis�o de Detec��o Precoce e Apoio a Organiza��o de Rede do INCA, diz que no Brasil h� tamb�m o problema do desperd�cio de mamografias — aquelas realizadas anualmente e antes da idade indicada, tanto na rede p�blica quanto na particular.
"Mesmo antes da pandemia, e agora mais do que nunca, deve-se evitar fazer o rastreamento fora das necessidades. Do que analisamos at� agora, com dados pr�vios, esse padr�o n�o mudou na pandemia: a quantidade de mamografias certamente caiu, mas a distribui��o de procedimentos inadequados n�o mudou. � um equ�voco, pois n�o h� evid�ncia de benef�cios", diz o m�dico do INCA.
Ele lembra que a recomenda��o � de mamografias bienais para mulheres com 50 a 69 anos, al�m do atendimento em casos suspeitos.
"Em casos de sintomas, as pessoas n�o devem deixar de procurar consulta, como nos casos com n�dulos, que normalmente t�m progn�stico pior."
Efeito cascata

Jordana Bessa acrescenta que a estimativa de milhares de casos n�o detectados na pandemia se torna ainda mais preocupante quando considerados os gargalos nas etapas posteriores de tratamento — ou seja, depois da pandemia, podem n�o s� chegar quadros da doen�a represados, como mais avan�ados, o que j� � um problema no pa�s.
"Infelizmente, cerca de mais ou menos um ter�o (dos casos) � diagnosticado com linfonodo j� palp�vel no Brasil", explica a mastologista.
"Tem muitas outras barreiras a serem vencidas (al�m da mamografia). Tem o tempo entre a pessoa apresentar o n�dulo palp�vel e fazer o exame de bi�psia; tem o tempo entre ela fazer o exame de bi�psia e fazer a cirurgia; o tempo entre fazer a cirurgia e come�ar a quimio", enumera a mastologista.
Um estudo publicado em 2019, por exemplo, mostrou que entre 4.912 pacientes com c�ncer de mama tratadas em 28 institui��es pelo Brasil em 2001 e 2006, 23,3% tiveram diagn�stico na fase 1 a doen�a; 53,5% j� na fase 2; e 23,2% na fase 3.
Embora a compara��o com outros pa�ses seja dificultada por diferen�as na coleta e apresenta��o dos dados, a preval�ncia de diagn�sticos tardios est� longe de ser uma exclusividade do Brasil.
Em geral, diagn�sticos mais tardios significam tratamentos mais invasivos e chances menores de sobreviv�ncia. Por esses e outros motivos, o rastreamento � t�o importante.
"Fazer um diagn�stico tardio acaba gerando mais custos para o sistema, porque a gente poderia fazer um tratamento menos invasivo. � aquele problema que vai gerando um gasto econ�mico atr�s do outro, porque um linfonodo palp�vel, por exemplo precisa de quimioterapia, precisa de radioterapia. E um outro trabalho j� mostrou que, mesmo com todas as limita��es, a sobrevida no Brasil ainda � muito boa quando o diagn�stico � precoce, acima de 90%. Ent�o vale a pena insistir nisso."
Segundo o INCA, o Minist�rio da Sa�de publicou em dezembro de 2020 uma portaria estabelecendo uma verba de R$ 150 milh�es para os Estados fortalecerem a preven��o e controle do c�ncer durante a pandemia de coronav�rus, inclusive o de mama. O �rg�o afirmou ainda que foram realizadas oficinas com gestores estaduais no in�cio de 2021 orientando-os sobre a detec��o precoce no per�odo da crise sanit�ria causada pela covid-19.
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Confira respostas a 15 d�vidas mais comuns
Quais os sintomas do coronav�rus?
O que � a COVID-19?
A COVID-19 � uma doen�a provocada pelo v�rus Sars-CoV2, com os primeiros casos registrados na China no fim de 2019, mas identificada como um novo tipo de coronav�rus pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em janeiro de 2020. Em 11 de mar�o de 2020, a OMS declarou a COVID-19 como pandemia.
