
A segunda onda de covid-19 no Brasil foi muito mais grave, em todos os sentidos, do que a primeira, revela um estudo que acaba de ser publicado no peri�dico cient�fico Lancet Respiratory Medicine.
Dessa vez, a cepa predominante foi aquela identificada pela primeira vez em Manaus, no Amazonas, antes conhecida como P.1 e rebatizada como variante Gama pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS).
Os pesquisadores analisaram 1,18 milh�o de interna��es entre fevereiro de 2020 e o final de maio de 2021 para comparar a primeira onda, em 2020, e a segunda, neste ano e que teve um pico de mortes no final de mar�o.
As interna��es aumentaram em 59%, e a mortalidade entre pacientes internados subiu em todas as faixas et�rias depois que a variante Gama se espalhou pelo pa�s.
Mais de 40% das pessoas com covid-19 que deram entrada num hospital em 2021 morreram. No pico da epidemia no ano passado, eram 33%.
Dos jovens de 20 a 39 anos que precisaram de interna��o esse ano, quase 20% morreram.
"A partir do momento em que a P.1 se torna dominante, h� um aumento expressivo do n�mero de hospitaliza��es por semana, do n�mero de pacientes com falta de ar, da necessidade de ventila��o mec�nica, al�m de maior mortalidade hospitalar", disse � BBC News Brasil o infectologista Fernando Bozza, pesquisador da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) e um dos autores do estudo.
Morte entre intubados explode

A mortalidade entre quem precisou de intuba��o passou de 78,8% na primeira onda para 84% do final de dezembro a 25 de maio — a m�dia mundial � de cerca de 50%.
"Houve um aumento expressivo do n�mero de hospitaliza��es, do n�mero de pacientes com falta de ar e da necessidade de ventila��o mec�nica", destaca Bozza, que � chefe do Laborat�rio de Pesquisa Cl�nica em Medicina Intensiva do Instituto Evandro Chagas.
A dificuldade para respirar parece ter se tornado mais aguda ou frequente entre quem tem covid-19.
O pico de pacientes internados por semana precisando de ventila��o mec�nica (invasiva ou n�o) cresceu 192% de uma onda para outra: na primeira, foi de 13.985 pessoas, e, na segunda, de 40.797.
Idade m�dia de doentes caiu
A pesquisa tamb�m confirma o que profissionais de sa�de v�m alertando: casos graves de covid-19 est�o aumentando entre pessoas com menos de 60 anos, inclusive os mais jovens.
A idade m�dia dos pacientes hospitalizados caiu de 63 para 59 anos. E a mortalidade entre os admitidos nos hospitais cresceu em todas as faixas et�rias depois que a Gama se tornou dominante.
Entre pacientes de 20 a 39 anos internados quando o "v�rus original" predominava, a mortalidade era de 11,2%. Na segunda onda, passou para 18,5%.

Dos hospitalizados de 40 a 59 anos, 19% morreram na primeira onda, enquanto cerca de 30% morreram na segunda. Entre maiores de 60 anos, passou de 47,7%, para 54%.
Considerando todas as faixas et�rias, quase 68% dos pacientes que deram entrada numa UTI morreram ap�s a Gama ser predominante. Antes, eram 56%.
"O sistema de sa�de o Brasil, sobrecarregado durante a primeira onda, esse ano pareceu viver restri��es de recursos ou at� colapso, num cen�rio de baixa ader�ncia a interven��es n�o-farmacol�gicas (uso de m�scara, distanciamento e higiene) e domin�ncia da VoC (variante P1)", dizem os pesquisadores no artigo.
Estrago 'sincronizado'
Uma diferen�a entre a primeira e a segunda onda foi o avan�o "sincronizado" da doen�a em quase todo o pa�s neste ano.
Em 2020, Estados foram impactados em momentos diferentes. Por exemplo, Norte, Nordeste e Sudeste foram mais atingidos primeiro e s� depois o Sul e o Centro-Oeste. Nesse ano, o "estrago" ocorreu quase ao mesmo tempo.
"Em torno da virada do ano, h� um incremento de casos em praticamente todos os Estados. Isso provavelmente � muito em fun��o do espalhamento da variante (Gama)", explica Bozza.
"Ela � mais transmiss�vel, ent�o, rapidamente se tornou dominante. E o segundo ponto � que isso ocorre junto das festas de final de ano, e ela se espalha rapidamente".
A pesquisa aponta ainda como a aus�ncia de lockdowns e regras de distanciamento social cumprem papel importante nos picos de infec��es. Quanto mais aglomera��es, mais infec��es e mortes.
"Quando a gente olha os dados, pr�ximo do final do ano, a mobilidade retornou aos n�veis de pr�-pandemia. Isso tamb�m facilitou o espalhamento dessa variante e a sobrecarga no sistema de sa�de", destaca o pesquisador da Fiocruz.
O que j� se sabe sobre agressividade da variante Gama

Uma quest�o, por�m, ainda n�o foi respondida pelos cientistas: a Gama � mais agressiva e gera quadros mais graves da doen�a?
Ou as consequ�ncias s�o piores porque ela � mais transmiss�vel e acaba sobrecarregando o sistema de sa�de?
Bozza diz que n�o � poss�vel cravar que a letalidade maior da segunda onda no Brasil se deve �s caracter�sticas gen�micas dessa variante.
"Olhando do ponto de vista do sistema de sa�de, a sobrecarga de casos graves � maior, seja porque ela � mais transmiss�vel ou porque, de fato, a variante tem mais gravidade", diz Bozza.
"Que no final o resultado � pior, � pior. Isso n�o h� d�vida. Agora, � pior porque ela � mais transmiss�vel e leva a uma maior sobrecarga do sistema de sa�de? Ou ela � pior porque de fato gera mais casos graves? Isso a gente n�o consegue responder."
Pesquisas anteriores j� apontaram que Gama � at� 2,4 vezes mais transmiss�vel, al�m de ser capaz de parcialmente driblar anticorpos gerados por infec��es pr�vias e vacinas.
Ou seja, por se espalhar mais rapidamente e causar reinfec��es em quem j� teve covid-19, essa variante pode ter levado a uma sobrecarga maior do sistema de sa�de, matando mais pessoas.
Existe a hip�tese de que a Gama provoque casos mais graves de covid-19, mas isso n�o foi comprovado.
E, agora, outras variantes com potencial de serem mais transmiss�veis foram detectadas no Brasil, entre elas a Delta, primeiro identificada na �ndia.
'Brasil n�o aprendeu li��o'

Os pesquisadores afirmam que, independentemente da gravidade maior ou n�o das variantes que circulam no Brasil, os dados apontam que o pa�s n�o incorporou aprendizados da primeira onda nem preparou o sistema de sa�de para novos picos.
Bozza argumenta que, mais de um ano ap�s o in�cio da pandemia, o governo poderia ter evitado a alta letalidade na segunda onda se tivesse implementado regras de distanciamento social de maneira consistente e adotado protocolos nacionais de tratamento de pacientes com covid.
"A gente perdeu a oportunidade, ao longo desse ano, de incorporar conhecimento das boas pr�ticas, muito em fun��o de uma discuss�o est�ril em rela��o a terapias que sabidamente n�o funcionam, como toda essa bobagem de kit covid e terapia precoce", critica o pesquisador.
"Enquanto isso, outras pr�ticas que se mostraram efetivas em grande parte do mundo acabaram n�o sendo incorporadas e divulgadas. Ent�o, se perdeu a chance de disseminar o que funciona para passar o ano inteiro discutindo coisa que n�o funciona."
Bozza destaca ainda que, num primeiro momento, no ano passado, o Brasil se mobilizou para combater a pandemia. Mas, em pouco tempo, os n�veis de circula��o voltaram a n�veis pr�-pand�micos. Ou seja, faltou consist�ncia nas regras de distanciamento social.
Ele tamb�m ressalta que o n�mero de mortes entre hospitalizados aumentou, mas n�o houve incremento na quantidade de internados em UTIs. Isso indica que, um ano ap�s o in�cio da pandemia, n�o houve aumento de leitos a n�vel nacional para responder � pandemia.
"A partir de um momento, os governos deixaram a coisa correr mais solta."
Novos picos
O pesquisador da Fiocruz diz que, ap�s o pico de mar�o, o pa�s vivencia um plateau, mas com n�mero elevado de mortes di�rias, embora a m�dia m�vel venha diminuindo.
Ele adverte ainda que "repiques" podem surgir com o aumento da circula��o em grande parte do pa�s.
"Novamente o pa�s est� voltando a estar completamente aberto de novo. A mobilidade se relaciona muito a esses incrementos na transmiss�o", diz.
"Ent�o, � poss�vel que a gente veja alguns repiques ou novos picos em algumas regi�es. Acho que a perspectiva para os pr�ximos meses � de uma intensidade alta de transmiss�o e alguns repiques."
Para Bozza, o Brasil est� agindo como se a pandemia tivesse terminado, mas isso est� longe de ser realidade.
"A cobertura vacinal ainda � baixa, e a doen�a est� com circula��o comunit�ria elevada. Mas o Rio de Janeiro, por exemplo est� praticamente todo aberto", critica.
"A sinaliza��o do pa�s � que a pandemia acabou sem ter acabado."
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