
“Na verdade, n�o me interessa muito discutir o policial como uma esp�cie de gueto para as pessoas que se interessam pelo crime e pelo homic�dio”, complementa o autor de mais de 30 obras, entre poesia, cr�nicas, perfis biogr�ficos, livros de viagem e romances.
O mais recente, “A luz de Pequim”, acaba de chegar ao Brasil pela Editora Gryphus. H� um cad�ver, um mist�rio, uma investiga��o conduzida por um personagem presente em outras obras do escritor. Mas h� tamb�m uma aguda vis�o das transforma��es sociais ocorridas nas �ltimas d�cadas, dilemas �ntimos, reflex�es desencantadas (ocasionalmente �cidas) sobre a pol�tica, sobre Portugal, sobre o Brasil. Ou seja: � – e n�o � – um romance policial. “O que me move, sempre, muito mais do que uns crimes, s�o as biografias dos personagens”, conta Viegas.
Ex-militante comunista (“derrotado pela pr�pria Hist�ria”, na defini��o de seu criador), o policial Jaime Ramos � personagem recorrente na obra de Viegas – como o comiss�rio Salvo Montalbano do italiano Andrea Camilleri e o investigador-livreiro Mario Conde, do cubano Leonardo Padura Fuentes.
Ramos volta em “A luz de Pequim” para fazer um acerto de contas com as convic��es ideol�gicas, com uma paix�o indefinidamente correspondida e com o pr�prio of�cio. Ap�s uma abertura espl�ndida, que vai do sexo � morte num pular de p�ginas, Viegas nos leva ao labirinto de Ramos, tratado pela chefia como uma “pe�a de mob�lia” e habitante de “um mundo que j� n�o existe”.
“J� s� tenho mem�ria, � a �nica coisa de que dependo”, constata o oficial, ao ser comunicado de um iminente afastamento. Antes, por�m, de sair de cena, o policial atender� ao pedido de um velho amigo e far� uma �ltima investiga��o, que o levar� ao Brasil (com uma passagem decisiva por Belo Horizonte) e � China, e o deixar� em paz com suas recorda��es e imperfei��es.
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Nascido em 1962, Francisco Jos� Viegas tem mais de 30 livros publicados, entre romances, poesias e cr�nicas. Editor da Quetzal, � tamb�m diretor da revista “Ler”. Ele esteve no Brasil para participar da Bienal do Livro, em S�o Paulo, em mais uma visita ao pa�s que conhece melhor do que muitos de n�s. Gravou um programa para a tev� portuguesa que o levou a quase todos os estados brasileiros: “S� me falta Rond�nia”, conta.
Da mais recente incurs�o, ficaram duas constata��es: “Os n�veis de mis�ria aumentaram, isso � chocante, assim como a impossibilidade de cordialidade no debate em espa�o p�blico: a pol�tica e a guerra cultural chegaram num n�vel muito alto de ressentimento e sordidez.”
Depois de citar alguns escritores brasileiros que admira (“Erico Verissimo, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Milton Hatoum, Tabajara Ruas, todos eles me mostraram que n�o existe o Brasil, mas Brasis”), ele concedeu a seguinte entrevista ao Pensar, com algumas perguntas formuladas a partir de passagens de “A luz de Pequim”.
Como surge “A luz de Pequim”?
Em primeiro lugar, � uma homenagem ao Porto, � cidade. A vaga de turismo que a transformou numa cidade cosmopolita e moderna n�o conseguiu apagar a sua melancolia, o seu ar conservador e burgu�s.
E, depois, � uma esp�cie de balan�o do Jaime Ramos, personagem de dez livros anteriores e cuja primeira apari��o tem trinta anos. � um velho amigo que tamb�m precisava de uma homenagem.
Ao longo destes trinta anos, ele andou em Portugal, Angola, Guin�, Brasil, M�xico, Cuba, A�ores. Talvez precisasse de vir ao Brasil de novo e depois partir para uma esp�cie de terra distante, como Pequim, voltando ao Porto, onde come�a o seu mundo.
As transforma��es profundas ocorridas no Porto nos �ltimos anos e em outras localidades portuguesas s�o descritas em detalhes. O que mais o fascina, como escritor, nessas mudan�as dr�sticas na cidade e no pa�s?
A forma como as cidades resistem e conservam a sua identidade. A transforma��o dessas cidades era necess�ria. H� vinte anos, eram cidades mais ou menos arruinadas e hoje, sobretudo gra�as ao turismo, s�o lugares de peregrina��o de gente de todo o mundo, especialmente Porto e Lisboa.
Foram reformadas, modernizadas, transformadas, v�m em todos os jornais e reportagens de viagem e lazer. No entanto, Jaime Ramos pertence ao passado e sente a nostalgia desse mundo que desapareceu e foi mais ou menos normalizado, cheio de restaurantes gourmet e de turistas a quem � preciso vender a sensa��o de que est�o a viver uma vida maravilhosa. Ele � peregrino num mundo que j� n�o lhe pertence.
Ou melhor: s� lhe pertence o lado mais obscuro, o lado menos tur�stico, menos luminoso. E mais melanc�lico. Jaime Ramos �, um pouco, o instrumento da melancolia portuguesa. Sem fado, sem bacalhau, sem propriet�rios de padaria, sem imp�rio. Ali�s, devo ser um dos poucos portugueses que n�o gosta de fado.
“J� n�o fazes parte desse mundo, Ramos.” E os romances policiais? Ainda fazem parte desse mundo?
Nabokov dizia que uma das fun��es dos seus romances era a de provar que o romance n�o existe. Eu acho que uma das fun��es dos meus livros � demonstrar que o romance policial n�o existe, que toda a literatura � policial ou marcada pelo policial.
Na verdade, n�o me interessa muito discutir o policial como uma esp�cie de gueto para as pessoas que se interessam pelo crime e pelo homic�dio. Escrevo romances, ponto final. Incurs�es no para�so para mostrar talvez o lado menos luminoso do para�so.
E o mais melanc�lico, tamb�m. Crimes no para�so, isso interessa-me muito, para mostrar que h� sempre uma esp�cie de esconderijo para o horror.
“A luz de Pequim”, de certa forma, tamb�m permite um acerto de contas de Ramos com o pr�prio passado, em especial a parte da milit�ncia e da cren�a na revolu��o. Como as convic��es de ideias e ideais s�o tratadas no livro e como voc� v� o atual momento do Brasil, marcado pela polariza��o do debate p�blico?
Acho que um dos problemas atuais da rela��o com os escritores � o dessa polariza��o. Hoje somos prisioneiros da linguagem, por exemplo, vigiamo-nos muito para n�o ofender, para n�o nos denunciarmos como seres humanos.
O ser humano n�o � perfeito, � uma soma de imperfei��es maravilhosas. O problema � que a um escritor, hoje, n�o lhe basta exigir coisas bondosas, o que j� � ruim, mas tamb�m que seja uma pessoa bondosa, acima de toda a suspeita, o que � desumano.
O Brasil est� muito polarizado sim, e isso � vis�vel a cada minuto que leio jornais e vejo debates. A “direita bolsonara” � muito abjeta, horrorosa. Mas tamb�m me irrita a esquerda que vive na ‘bolha’, muito militante nas quest�es de ra�a, g�nero e linguagem, mas n�o na luta contra a pobreza. Passar nas ruas de S�o Paulo � um pesadelo, para mim.
S� que a luta de classes do marxismo migrou para uma esp�cie de luta de egos, uma luta de luxos morais. E ent�o tenho saudade de um bom marxista, n�o porque concorde com ele, mas porque temos certos objetivos comuns: a justi�a no presente e no futuro, livrar o ser humano da pobreza, da necessidade e do sofrimento.
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E da falta de empatia. Sou um social-democrata. Algu�m que acredita na justi�a, na igualdade de oportunidades, na educa��o liberal, no primado da beleza e do bem-estar, na liberdade e na prote��o dos que nasceram menos favorecidos.
Jaime Ramos foi comunista e eu respeito isso no seu passado, nas suas desilus�es. Gosto daquele folclore, daquela liturgia que ele recorda, daqueles debates. Ele ainda est� discutindo a invas�o da Tchecoslov�quia em 1968. Conheci pessoas maravilhosas nesse campo. N�o � o meu campo, porque j� cresci em democracia, depois das purgas estalinistas, depois do Gulag, depois do fascismo. N�o tenho de ficar preso a essa arqueologia, mas respeito muito as pessoas que sofreram essas desilus�es.
"O Brasil est� muito polarizado, e isso � vis�vel a cada minuto que leio jornais e vejo debates. A 'direita bolsonara' � muito abjeta, horrorosa. Mas tamb�m me irrita a esquerda que vive na 'bolha', muito militante nas quest�es de ra�a, g�nero e linguagem, mas n�o na luta contra a pobreza"
“O Brasil, pa�s do futuro, n�o pode falar uma l�ngua do passado”, pontua um dos personagens, ao afirmar: “Um dia, o portugu�s vai desaparecer e passaremos a falar brasileiro”. Concorda com a previs�o de seu personagem que, al�m de falar mal dos ‘descobridores’ (“O Brasil teria sido muito melhor se os holandeses tivessem expulsado os portugueses definitivamente”), ainda revela que odeia bacalhau? Como criou o discurso desse personagem?
Ah, mas esse discurso � muito comum, embora os brasileiros n�o o assumam quase nunca. Eu o escutei muito, em debates na USP e em conversas de boteco, por pessoas de esquerda que lamentavam muito n�o terem sido colonizados por holandeses racistas e por negreiros ingleses supremacistas, muito p�lidos e com falta de banho.
E tamb�m por pessoas de direita que acham Portugal um pa�s subdesenvolvido. Uma hist�ria interessante, durante a Eurocopa de 2004, eu vi grande parte dos jogos no Brasil, e o treinador era o Felip�o, um chato. Lembro-me de ouvir o Galv�o Bueno na TV, gritando “Olha a torcedora portuguesa”, e eu ria, porque os comentadores vibravam com as imagens de mulheres portuguesas na bancada, como se tivessem descoberto que as portuguesas eram gostosas, mostrando a pele, dan�ando, e n�o eram matronas de bigode.
Nessa altura, de certa maneira, o Brasil descobria Portugal, um pa�s moderno e mais atrevido. Mas eu compreendo o ressentimento contra o “portugu�s”. � uma necessidade. S� que esse personagem de “A luz de Pequim”, o Cledenor, que � operacional da Abin, � um fascista subtil, para quem o tempo � uma pris�o. Os portugueses t�m muitos defeitos, e ele os explora.
Os portugueses eram pobres, ligeiramente sujos, malvestidos, incivilizados, mulheres de bigode, o seu racismo era epid�rmico, jesu�tico, cat�lico, n�o tinha fundamenta��o te�rica, n�o era cient�fico. Na Bienal do Livro, em S�o Paulo, v�rias pessoas vieram ter comigo e disseram “Olha, isso � verdade, n�s n�o gostamos de assumir, mas � verdade, temos um certo antiportuguesismo.” Eu acho natural.
Funciona como as piadas de portugu�s. Eu gosto de piadas de portugu�s. Acho justas. E invento piada de brasileiro. Infelizmente, brasileiro n�o gosta muito de piada de brasileiro. Brasileiro tem uma certa ideia prof�tica e religiosa do seu pa�s, n�o gosta muito de cr�tica.
E acho um pouco injusto o que a corrente dominante, hoje, diz de Gilberto Freyre, S�rgio Buarque, at� de Darcy Ribeiro, que tinham uma certa leitura de Portugal que n�o era t�o negativa.
“Tudo come�a pelo fim. Pela morte.” Essa senten�a tamb�m descreve um dos recursos mais comuns aos romances policiais: um assassinato no in�cio da narrativa. E, entre o in�cio e o fim, o que cabe em um romance policial?
Cabe tudo. Eu acho que quase toda a literatura � policial. O policial passeou de g�nero minorit�rio e acabou devorando a “literatura s�ria”, porque o seu modelo narrativo � mais poderoso, mais fascinante, mais capaz de prender o leitor, menos autocentrado e menos chato, no fundo.
Como leitor, o que mais o interessa em uma hist�ria? Poderia citar alguns autores brasileiros de que voc� mais gostou de ler?
Olha, os autores que mais me ensinaram a escrever, al�m do E�a de Queir�s e do Camilo Castelo Branco, foram brasileiros.
A minha adolesc�ncia foi muito marcada por esses autores, Erico Verissimo, Graciliano, Jorge Amado, Euclydes, Drummond, Bandeira... E devo muito a dois escritores brasileiros de hoje, Rubem Fonseca (1925-2020), naturalmente, que � o maior criador da nossa l�ngua no s�culo 20, e Tabajara Ruas, um ga�cho fant�stico, que conseguiu ligar a linguagem da prosa com a linguagem da poesia. Mas Rubem, Rubem � fant�stico.
Ali�s, h� um livro meu, “Crime capital”, em que roubei um personagem de Rubem, o Mandrake, e me servi dele. O Rubem gostou. Foi um grande momento de felicidade.
"Eu gosto de piadas de portugu�s. Acho justas. E invento piada de brasileiro. Infelizmente, brasileiro n�o gosta muito de piada de brasileiro. Brasileiro tem uma certa ideia prof�tica e religiosa do seu pa�s, n�o gosta muito de cr�tica"
O que foi mais marcante no tempo em que voc� viveu no Brasil?
A descoberta de um pa�s onde tudo era poss�vel. N�s, europeus, temos um pouco a obsess�o de Stefan Zweig com ‘o pa�s do futuro’. Mas os portugueses querem encontrar um pouco do seu passado. � por isso que vamos a Ouro Preto, a Congonhas, a Porto Alegre, ao Rio, a certas zonas de Santa Catarina... Para encontrar o que nunca fomos realmente.
N�o tenho ilus�es: o Brasil tamb�m foi uma utopia nossa, como europeus, e gost�vamos que o Brasil fizesse o que n�s nunca soubemos fazer l�, na Europa. � uma responsabilidade muito grande para o Brasil. Nada a fazer. Mas tamb�m me marcaram a injusti�a social, a pobreza extrema, tanto como a modernidade cultural, a capacidade criadora e criativa.
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Quando comecei a vir ao Brasil, na d�cada de 1980, a Europa sabia muito pouco do Brasil, s� conhecia praias, futebol e um pouco de m�sica. Para mim foi importante descobrir os debates intelectuais dos anos 1960 e 70, gente como Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Paulo Mendes Campos, Clarice Lispector, Arnaldo Jabor, Hilda Hilst.
O que � poss�vel fazer para reduzir a dist�ncia entre autores portugueses e leitores brasileiros e vice-versa?
Deixar que brasileiros e portugueses se encontrem em liberdade. Nunca houve uma verdadeira sinceridade entre n�s. Fazer isso sem programa, sem muita lideran�a. Fazer isso em liberdade, deixar que nas�a alguma empatia. J� existe alguma, mas era bom que os portugueses lessem melhor os brasileiros, e que os brasileiros n�o tivessem preconceito contra os portugueses. De parte a parte.
De onde v�m as suas hist�rias? De lembran�as, da observa��o, da escuta ou da inven��o?
Geralmente v�m de uma irrita��o s�bita [risos]. Sobretudo s�o hist�rias que v�m das hist�rias dos outros. Incomoda-me muito a chamada auto-fic��o, aquela coisa de boa parte dos escritores fazerem de si a personagem principal, o que os torna incapazes de empatia e de observa��o. Eu gosto das hist�rias dos outros, n�o por gostar dos outros, propriamente, mas porque as suas hist�rias s�o inspiradoras.
�s vezes vou para uma esplanada tomar nota de conversas, roubar vidas alheias. Escrever � isso, roubar vidas alheias, plagiar essas vidas. N�o tenho paci�ncia para o (Marcel) Proust, sabe? Aquela coisa de mastigar a ‘madalena’ at� n�o sobrar mais nada, aquela madalena � infinita e chata. Nem para o (Karl Ove) Kn�usgard, para aquele choro que irrompeu pela literatura e transformou os escritores em v�timas profissionais.
Como escritor gosto de tomar notas, tem sido a minha vida. Ver como os poderosos s� fazem merda sempre que podem. Ver como as vidas ocultas s�o realmente as importantes. Ver como estamos sempre � beira do abismo, caminhando no precip�cio. Isso n�o se faz falando da nossa vida sem cessar, mas prestando aten��o �s vidas dos outros.
Costumo dizer: n�o me conte muitas coisas, tem cuidado que eu ponho tudo no pr�ximo livro. De certo modo, sim, � uma heran�a do jornalismo, mas tamb�m do modo como o escritor do s�culo 19 via o romance, um misto de revela��o e de investiga��o. Sou um cara antigo, n�o �?
Trechos
(“A luz de Pequim”)
“Era voz comum que Jaime Ramos possu�a, decididamente, uma personalidade recalcitrante. E dois dos seis �ltimos diretores tinham mesmo admitido, de forma mais ou menos velada, que se tratava de uma figura hist�rica da institui��o, o que significava tamb�m ‘pitoresca’, e que, com o decorrer do tempo, teria de ser recolhida no museu da pol�cia para aprecia��o das gera��es futuras, que olhariam com curiosidade para algu�m que, � primeira vista, nada recomendaria – alguma obesidade depois dos 50, roupas de um homem que tinha pregui�a para se vestir com outra coisa que n�o jeans, t-shirt e blus�o, com o seu cabelo curto e grisalho, os dedos m�dio e indicador da m�o direita manchados de nicotina e pouco mais de interessante. N�o fazia jogging. N�o tinha deixado de fumar. N�o tinha morrido. N�o acreditava na reden��o de homicidas. N�o tinha uma conta banc�ria confort�vel. Sinais particulares, nenhum em especial. Talvez uma ligeira surdez cr�nica. Mas isso n�o se notava – e ele disfar�ava-a, admitindo que n�o ouvia o que lhe diziam porque geralmente n�o tinha interesse na conversa. Uma figura hist�rica. Eis o resumo.”
*
“Ele concordou. Estava habituado a concordar. Nunca se discorda de um brasileiro quando ele est� embalado num discurso sobre a origem do mundo, explicando como Deus criou as esp�cies, os continentes, as l�nguas, os rios do para�so – at� chegar ao Brasil, uma esp�cie de objetivo final do trabalho divino. Como voc� sabe, Deus criou o mundo como pretexto para criar o Brasil. Na verdade, Deus apenas criou o Brasil – mas, para isso, teve de infestar o mundo de europeus, libaneses, africanos, �rabes, chineses, bosqu�manes, esquim�s e portugueses. Dos portugueses, por lapsos, foram gerados todos os v�cios e defeitos brasileiros. Os brasileiros, tamb�m por lapso (os portugueses n�o foram cuidadosos), misturaram-se com africanos e �ndios, apenas aqueles que os colonizadores tinham poupado ao massacre, e da� resultou o para�so, de onde os portugueses teriam de ser expulsos para n�o contagiarem o mundo com tuberculose.”
Nas palavras do autor
Francisco Viegas comenta outros livros protagonizados pelo policial Jaime Ramos e editados no Brasil
“As duas �guas do mar”
Record, 384 p�ginas
“As duas �guas do mar” � de 1992 e Jaime Ramos est� ainda em dupla com Filipe Castanheira, o detetive que vive nas ilhas dos A�ores. Juntos, investigam dois crimes cometidos em simult�neo, um na Galiza, Espanha, outro nos A�ores. Jaime Ramos n�o entende o amor (ele come�a por detestar cen�rios rom�nticos, demasiado belos); prefere caminhar entre o processo da pr�pria investiga��o, sorrindo sempre, cheio de cinismo, d�vidas – mas as grandes descobertas s�o dele, trabalhando no duro.
“Um c�u demasiado azul”
Record, 350 p�ginas
Lan�ado em 1995, � uma esp�cie de autonomiza��o de Jaime Ramos, que parte para Cuba e para o M�xico (onde comete adult�rio) em busca do passado de um ex-revolucion�rio que enriqueceu no mundo da publicidade e da televis�o. � o in�cio da obsess�o de Ramos com as quest�es de poder e de classe que minam a sociedade portuguesa. Ao mesmo tempo, ele encontra personagens estranhas – como uma artista de striptease que estuda filosofia e foge para Venezuela. Mas tamb�m marca o in�cio da sua descren�a em rela��o ao trabalho da pol�cia, achando que h� uma distin��o clara entre “lei”
e “justi�a”.
“Longe de Manaus”
Record, 464 p�ginas
Sinto por “Longe de Manaus”, lan�ado em 2004, uma enorme ternura. Escrevi-o em duas ortografias – a portuguesa e a brasileira, consoante as personagens est�o num e no outro lado do Atl�ntico. � a hist�ria de portugueses em fuga, que saem de Portugal e raramente querem regressar (e mant�m os seus la�os antigos com Manaus, por exemplo, com a mem�ria colonial ou libanesa – ou com Angola, onde tudo come�a). No fundo, � um romance sobre a solid�o e a melancolia portuguesas, que t�m parte das suas ra�zes no Brasil, para onde Ramos viaja, encontrando o policial Omar, um espirituoso fil�sofo de Manaus; e um regresso de Ramos �s hist�rias de amor sempre interrompidas.
“O mar em Casablanca”
Gryphus, 254 p�ginas
“O mar em Casablanca” come�a com um flashback que h� de concluir-se com um ataque card�aco de Ramos. � o come�o das suas viagens ao passado: a �frica (onde � obrigado a revisitar o sangrento golpe de estado de 1977 em Luanda, bem como a guerra real na Guin�) e aos servi�os secretos e �s suas desilus�es. Ainda hoje me comove muito o cen�rio inicial das florestas do Vidago, em Tr�s-os-Montes, onde ele revisita um hotel inaugurado em 1910, nas v�speras da Rep�blica. Ramos tem uma crise card�aca (premonit�ria da que eu pr�prio tive depois), mas sobrevive e conta os seus sonhos. � o livro em que h� mais homic�dios, de qualquer modo.
“A luz de Pequim”
De Francisco Jos� Viegas
Editora Gryphus
350 p�ginas
R$ 59,90