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Estado de Minas PENSAR

Rejane Dias: em defesa dos livros de vida longa (mas sem 'lombadas')

Diretora editorial mineira fundou e consolidou a Aut�ntica entre as maiores editoras do pa�s, com sete selos e mais de 1.600 t�tulos


30/06/2023 04:00 - atualizado 07/08/2023 17:46
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Rejane Dias e sua equipe na sede do grupo editorial Autêntica, em BH: 'Aqui, se for preciso, todo mundo carrega caixa'
Rejane Dias e sua equipe na sede do grupo editorial Aut�ntica, em BH: "Aqui, se for preciso, todo mundo carrega caixa" (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

 

“Um livro deve ser o machado que quebra o mar gelado em n�s mesmos.” 

(Frase de Franz Kafka em parede na entrada da editora Aut�ntica)

 

Livros s�o empilhados e embalados para expedi��o no t�rreo da sede mineira do grupo editorial Aut�ntica em uma rua tranquila do Bairro Silveira, Regi�o Nordeste de Belo Horizonte. Livros s�o idealizados, avaliados, produzidos e editados para os sete selos do grupo no andar de cima. Livros est�o nas frases de Kafka, Machado de Assis, Castro Alves e outros autores espalhadas na parede da entrada da editora onde nascem diariamente as obras que ir�o se juntar aos mais de 1,6 mil t�tulos lan�ados pela diretora editorial, Rejane Dias, e a equipe de 60 profissionais.

 

Mineira de Itabira, Rejane se tornou uma das refer�ncias do mercado brasileiro ao consolidar a Aut�ntica como um dos maiores grupos editoriais do pa�s. “H� uma rede de livrarias que informa que estamos entre os 10, outra entre os 14. Eu acho que podemos dizer com seguran�a que somos umas das 12 que mais vendem no varejo”, conta, em entrevista na sede do grupo editorial.

 

 

Jornalista com mestrado em letras, montou ag�ncia de comunica��o no in�cio dos anos 1990. O neg�cio caminhava bem com a produ��o e edi��o de publica��es at� ela perceber que a onda da internet se transformaria em um tsunami. “Precisava achar um outro business e pensei: por que n�o uma editora, se a minha rela��o com o livro � t�o visceral?”, lembra. Adicionou � compuls�o de leitura a experi�ncia adquirida em produ��o gr�fica e fundou a Aut�ntica em 1997, em Belo Horizonte.

 

 

Os primeiros anos da editora foram dedicados a t�tulos voltados para o p�blico universit�rio. Mas os resultados n�o eram animadores em um “neg�cio dific�limo, que nem prospec��o de petr�leo”. Rejane reconhece que a literatura de entretenimento n�o estava no radar at� iniciar em 2008 a publica��o de Paula Pimenta, “autora de livros cor-de-rosa”, na pr�pria defini��o da mineira que j� vendeu mais de dois milh�es de exemplares (m�dia de 100 mil por ano) de t�tulos como os das s�ries “Fazendo meu filme” e “Minha vida fora de s�rie”. 

 

 

Rejane percebeu, ent�o, que editar iria muito al�m de avaliar e aprovar originais. Para um neg�cio lucrativo, ela e sua equipe teriam de se dedicar igualmente �s atividades inerentes ao trip� editora��o-comunica��o-vendas, o que inclui negocia��es com as redes de livrarias para “pilhar” lojas com dezenas de exemplares de maior apelo de seus autores, organizar turn�s de lan�amento, manter conversas constantes com livreiros. “Aqui, se for preciso, todo mundo carrega caixa”, ressalta. O resultado � o crescimento de 58,8% em rela��o a 2019, impulsionado por best-sellers recentes como “Talvez voc� deva conversar com algu�m” (mais de 260 mil exemplares vendidos desde 2020) e “Na��o Dopamina” (quase 60 mil vendidos desde abril de 2022), ambos do selo Vest�gio. “H� tamb�m livros recentes de fantasia e do selo Gutenberg que caminham muito bem”, revela.

 

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Intui��o? N�o com Rejane. Ela utiliza m�tricas de avalia��o, tamb�m confere a evolu��o das vendas ao dormir e acordar: “� preciso respeitar os n�meros, n�o tem nada feio nisso. Eles me dizem sobre o mundo real em um neg�cio que � cheio de ilus�es”. Diz buscar o que chama de “calibragem” entre a expectativa de vendas e o faturamento obtido. Destaca as �reas de sa�de mental e de fic��o para o p�blico juvenil como aquelas em que conseguiu, nos �ltimos anos, acertar a tal “calibragem”. “Publicar � prestar aten��o no contexto, no desejo do leitor”, acredita. “Muitas vezes tamb�m vamos atr�s de livros que possam responder �s quest�es da conjuntura atual”, complementa. 

 

“N�s, que n�o estamos em S�o Paulo ou no Rio, temos que fazer todo esfor�o para fazer melhor”, disse a ela o tradutor catarinense Tomaz Tadeu, respons�vel pelas vers�es em portugu�s de obras consagradas de James Joyce e Virginia Woolf. Rejane guardou o conselho e adicionou Minas Gerais � receita.

 

 

“Somos s�brios, olhamos para dentro, isso tem muito da mineiridade”, acredita Rejane. Sobre os cl�ssicos, com a concorr�ncia muito mais forte por se tratar de obras que ca�ram em dom�nio p�blico, o objetivo � definido: ter a melhor tradu��o poss�vel. E fazer que esse trabalho seja reconhecido pelo leitor.

 

 Como a edi��o de “�tica”, de Spinoza, que ela considera um divisor de �guas na hist�ria da Aut�ntica. “A partir da�, come�amos a valorizar mais a tradu��o e a publica��o dos cl�ssicos, divididos entre as obras cl�ssicas de filosofia e psican�lise mais as tradu��es liter�rias voltadas para os p�blicos infantil, juvenil, adulto e os cl�ssicos da Antiguidade: latim, grego e ac�dio, este traduzido por Jacyntho Lins Brand�o”, lembra. 

 

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“Errar o m�nimo poss�vel”

 

Na edi��o, Rejane costuma exigir de sua equipe a identifica��o de “lombadas” internas do livro. � o objetivo: publicar livros “sem lombada”, que deslizam – e n�o derrapam – no caminho da leitura. “Um livro de entretenimento, por exemplo, n�o pode ter 50 p�ginas que sejam chatas, tem que prender do in�cio ao fim. Assim como um cl�ssico n�o pode ter tradu��o ruim”, exemplifica. Por isso, tem como lema: “Errar o m�nimo poss�vel e encontrar livros que cumpram o seu papel. N�o � simples, mas � muito bom que seja assim.” 

 

Rejane admite que, tempos atr�s, “comprou a futurologia” que os livros impressos deixariam de existir. “N�o � o que est� acontecendo: o impresso ganhou uma sacralidade ainda maior, aumentou a percep��o de que o impresso � para sempre, especialmente entre os mais jovens. Dois dos segmentos que vendem menos e-book s�o o juvenil e o infantil”, revela. 

 

Ela explica a decis�o de concentrar a produ��o em Belo Horizonte, mesmo ap�s a consolida��o da Aut�ntica como um grupo nacional: “S� vejo vantagem. A produ��o est� aqui. Temos voca��o para o detalhe, para a ourivesaria”, afirma, n�o sem antes lembrar de quando decidiu retirar a refer�ncia � capital mineira nas folhas de rosto de suas edi��es. “Achava, no in�cio, que colocar o nome de uma cidade fora do eixo atrapalhava mais do que ajudava. Agora n�o sinto mais isso”, conta.

 

A rotina de Rejane se divide entre Minas e S�o Paulo. “BH � uma cidade linda. Quando estou na Savassi, fa�o tudo a p� e as livrarias de rua s�o um milagre, gosto de marcar reuni�es de trabalho nelas. Mas me sinto � vontade em S�o Paulo, a intensidade da cidade alimenta a minha inquieta��o”. E de Itabira, o que ficou al�m do Drummond em um dos retratos na parede da Aut�ntica? “O h�bito de leitura. Foi l� que me tornei uma superleitora, cheguei a ser homenageada no col�gio onde estudava por ter sido a aluna que mais havia lido”.

 

As leituras da executiva do grupo n�o se restringem aos t�tulos lan�ados pela Aut�ntica. “Leio muitos livros de outras editoras”. “Torto arado”? “Li e gosto muito. � uma felicidade quando um livro bom se torna um blockbuster.”

 

Rejane assume ser menos leitora de poesia do que de prosa e mais de romances do que de contos. E enxerga, no momento, cen�rio mais favor�vel � produ��o ficcional do que alguns anos atr�s. “A fic��o � uma maneira espetacular de escapar da realidade do mundo estressante. Mas estamos com dificuldade de vender um determinado tipo de fic��o realista que reproduz, por exemplo, a viol�ncia dos grandes centros urbanos”, adverte. 

 

Ela se sente especialmente realizada ao consolidar a Aut�ntica como uma casa editorial e seus sete selos, “cada um com seus sucessos e fracassos”. “� muito bom fazer um autor e acompanhar a carreira dele”, citando os ensa�stas Vladimir Safatle e Jo�o Cezar de Castro Rocha como exemplos de autores que deseja manter por longo tempo.

 

A diretora editorial cita Virginia Woolf, Annie Ernaux e Deborah Levy, um dos destaques do selo Aut�ntica Contempor�nea, como exemplos marcantes de vozes femininas. O fato de ter maior n�mero de mulheres no trabalho de edi��o � considerado decorr�ncia natural da crescente ocupa��o de espa�os no s�culo 21. “Al�m disso, h� muito mais mulheres escrevendo e sempre houve mais mulheres lendo: h� uma fome hist�rica, que somente agora est� sendo saciada”, acredita.

 

Sobre o mercado editorial, Rejane alerta: “Continuo vendo pessoas abrindo editoras sem se preparar do ponto de vista do neg�cio. � poss�vel evitar certos erros.” E cita alguns deles; falta de controle sobre dados de venda e de volumes no estoque, aus�ncia de plano de reimpress�o. E os erros da Aut�ntica? “Publiquei o primeiro livro da Paula Pimenta de um jeito completamente errado. Tivemos que refazer o livro. Outro erro foi cair em ondas passageiras, como as dos livros de colorir, dos blogueiros, de celebridades. � preciso ter muito cuidado com as ondas. O long seller � mais importante do que o livro de oportunidade”, ensina.

 

Raio X
Os �ltimos anos e os n�meros de publica��o do grupo Aut�ntica

  • 2021 – 92 livros lan�ados
  • 2022 – 114 livros lan�ados 
  • 2023 - 110 livros a serem lan�ados at� o fim do ano 

 

 

Entrevista/ Rejane Dias
“Adoraria ter publicado toda a cole��o ‘Para gostar de ler”’

 

Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil? 

Eu penso que um deles � o mesmo desafio que qualquer empres�rio bem-intencionado enfrenta neste pa�s: a falta de estabilidade, de um contexto que nos permita fazer planejamento a longo prazo. � dif�cil conviver com a impossibilidade de n�o sabermos em que contexto econ�mico estaremos em alguns meses. Portanto, at� para planejar o ano corrente � dif�cil. Outra dificuldade diz respeito aos programas de compras governamentais, e isso se aplica a compras municipais, estaduais e federal. Elas podem ser interrompidas ou procrastinadas, como no governo anterior; podemos ter um edital de convoca��o para inscri��o de livros em prefeituras e/ou estados e isso se arrastar por anos, anos mesmo. Rrecentemente, fizemos uma venda para uma prefeitura cuja lista de livros havia sido escolhida h� mais de quatro anos, e j� hav�amos praticamente interrompido a publica��o de dois t�tulos, por exemplo.

 

Quais ser�o os pr�ximos cap�tulos da editora Aut�ntica? 

Gosto do rumo que o Grupo Aut�ntica est� tomando. Gosto de ver como editores e editoras de cada selo est�o depurando os seus respectivos cat�logos. Me sinto mais inteira tamb�m vendo como tomamos consci�ncia de que vale muito a pena investir em livros que possam ter vida �til longa, sem abrir tanto espa�o para livros do momento, para ondas que nos empolgam, mas que passam rapidamente. Penso que a ideia de cat�logo durante a pandemia da COVID-19 voltou com for�a, at� porque o que chamamos de backlist vende mais nas lojas online, as ponto.com, do que nas lojas f�sicas. Ent�o, para o futuro breve espero que publiquemos bem, com foco, fazendo o melhor para que esses livros possam permanecer em cat�logo por muito tempo. Tamb�m acredito que estaremos concorrendo com grandes editoras em p� de igualdade em determinados segmentos, porque de fato estamos acertando bastante nas nossas escolhas. Tamb�m acredito que eu, pessoalmente, possa me dedicar mais aos livros de que gosto mais como leitora, como a fic��o contempor�nea, publicada hoje pela Aut�ntica Contempor�nea, mas tamb�m pela Vest�gio e pela Gutenberg, com foco em grupos de leitores diferentes. Tamb�m espero que o Grupo como um todo se torne cada vez mais lucrativo e menos dependente das compras governamentais, mas elas ser�o sempre bem-vindas. 

 

Que livros ou autores, brasileiros ou estrangeiros, gostaria de ter sido a primeira a editar? 

H� in�meros autores e autoras, brasileiros e estrangeiros, que gostaria de ter publicado. Eu gosto de uma literatura de qualidade, boa de ler, que muitas editoras brasileiras fazem muito bem. Por exemplo, o Domenico Starnone e o Pedro Mairal, ambos da Todavia, s�o autores que eu gostaria de ter publicado. De certa forma, pautamos o selo de fic��o contempor�nea com base nessa premissa: “livros muito bem escritos e bons de ler”.  Adoraria ter traduzido pela primeira vez no Brasil a fabulosa trinca de l�ngua inglesa, Ian McEwan, Philip Roth e J. M. Coetzee, e a fabulosa Natalia Ginzburg. O meu preferido ainda � o Nabokov. Entre os nacionais, eu adoraria ter publicado autores como Graciliano Ramos e Lygia Fagundes Telles. Mas eu adoraria mesmo ter publicado toda a cole��o “Para gostar de ler”, porque foi com ela que me tornei leitora.

 


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