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Estado de Minas AS EDITORAS DAS EDITORAS

Silvia Nastari: a artes� de livros

Dona de equipamentos tradicionais como um linotipo, Editora Quel�nio aposta em volumes com edi��es caprichadas


04/08/2023 04:00 - atualizado 07/08/2023 17:28
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Silvia Nastari
Silvia Nastari come�ou a criar livros quando tinha apenas cinco anos e n�o parou mais; com a Quel�nio, j� lan�ou mais de 100 t�tulos, todos com edi��o cuidadosa e artesanal (foto: divulga��o)

 

Enquanto revirava algumas caixas e pertences dos pais, que perdeu durante a pandemia, a editora Silvia Nastari, 42 anos, tomou um susto: encontrou, guardado em uma caixa, um livrinho artesanal que fez de presente para a m�e, quando tinha apenas cinco anos. Foi uma esp�cie de comprova��o premonit�ria da sua voca��o, avalia ela, que hoje, junto do s�cio e marido Bruno Zeni, comanda a Quel�nio, que tem se destacado no cen�rio liter�rio nacional com uma produ��o cuidadosa e artesanal de livros, feitos com t�cnicas tradicionais de impress�o, como linotipia, tipografia, carimbos e serigrafia, al�m de costuras � m�o. 

 

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A aventura da editora come�ou em 2013, quando Silvia compilou alguns poemas de Zeni , que recebeu enquanto namoravam. Encantada pelo livro como objeto f�sico desde crian�a, ela resolveu edit�-los e transform�-los em um pequeno volume artesanal. Pensou no t�tulo – “Voc� � minha not�cia secreta” –, garimpou um clich� antigo no Br�s, bairro de S�o Paulo conhecido por abrigar gr�ficas, para imprimir a capa, e costurou o exemplar � m�o. Com essa primeira publica��o, surgia o embri�o da Quel�nio, batizada a partir do livro “Hist�rias de cron�pios e de famas”, de Julio Cort�zar. 

 

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A partir desse primeiro lan�amento, a ideia de ter uma editora com t�cnicas de impress�o tradicionais se fortaleceu. Graduada em Letras pela Universidade de S�o Paulo (USP), ela j� havia trabalhado com editoras de livros e revistas, quando decidiu estudar design, �rea em que tem mestrado, tamb�m pela USP. Na Quel�nio, ela uniu as duas �reas. “Nos primeiros anos, constitu�mos um cat�logo bem diversificado, com fotolivros, livros-objetos, plaquetes e formatos mais inusitados”, detalha Silvia. “Aos poucos, fomos consolidando o projeto editorial com a inten��o de abrir espa�o para escritores iniciantes, para a poesia brasileira contempor�nea, para a literatura feita por mulheres”, completa. Hoje, o cat�logo da editora j� conta com mais de 100 livros, todos em edi��es caprichadas e cuidadosas. 

 

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A sele��o � feita tanto por convites diretos aos autores quanto pelo envio de originais. “O que importa na sele��o do original � a qualidade liter�ria. N�o h� restri��o quanto ao g�nero, mas sim se ele se encaixa nas diretrizes gr�ficas e liter�rias da editora”. � o texto que direciona qual a t�cnica de impress�o vai ser usada no produto final. “� imposs�vel para mim antecipar como ser� o livro, o formato, o estilo das letras, sem antes compreender o texto liter�rio”, detalha Silvia. Ela faz quest�o de sempre conversar com os autores e propor uma interfer�ncia positiva nos trabalhos. “� sempre um processo coletivo, que envolve todos que participam da feitura do livro”, detalha. Cada t�cnica decidida direciona e, ao mesmo tempo, limita a cria��o das obras. 

 

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“Os livros em que temos mais experimenta��es gr�ficas s�o livros curtos, com uma quantidade menor de texto, o que favorece o g�nero da poesia. Muitos autores acabam nos procurando para publicar um livro espec�fico, mais experimental, que n�o se encaixaria num cat�logo de uma grande editora, onde tudo � mais padronizado”, avalia. 

 

Em 2017, a gr�fica onde Silvia imprimia parte dos livros decidiu encerrar as atividades, j� que os tal�es de notas fiscais – principal produto deles – passaram a ser digitais. Ela n�o titubeou: comprou as m�quinas, incluindo um linotipo. O equipamento, que usa chumbo derretido para fundir linhas de letras, � um dos �ltimos em funcionamento no Brasil – e, provavelmente, no mundo. Junto, vieram tamb�m o linotipista e o impressor. “Foi uma maneira de usar a t�cnica da tipografia nos livros e manter vivo este of�cio, com profissionais t�o capacitados e j� sem muito espa�o para atua��o. Trouxemos toda uma gr�fica para nossa casa”, conta. 

 

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Para abrigar o maquin�rio, uma �rea de lazer nos fundos da casa da fam�lia em S�o Paulo foi transformada em galp�o. “Come�amos a fazer os lan�amentos dos livros aqui, abrir a tipografia para visita��o. O fato de fazermos de tudo um pouco na editora facilita estarmos sempre aqui. Mas n�o deixa de ser um conflito pessoal, temos filhos pequenos e eles j� se acostumaram em viver na editora, na gr�fica”, conta Silvia, que � m�e de duas crian�as. “A minha filha sempre quis participar dos eventos da editora. Recentemente, ofereci um curso de tipografia para crian�as. Foi o maior barato, � muito legal ver uma nova gera��o encantada pela produ��o manual dos livros”, comemora.  

Depoimento / Ana Martins Marques  (autora de “O livro dos jardins”)

O convite para publicar “O livro dos jardins” na Quel�nio surgiu por interm�dio da poeta J�lia de Carvalho Hansen, que lan�ou pela editora o livro “Alforria blues”. Eu j� conhecia algumas publica��es da Quel�nio, como esse livro da J�lia e o �timo “A �rbita de King Kong”, do Jos� Luiz Passos. Quando me perguntaram se eu gostaria de publicar alguma coisa pela editora, logo lembrei dessa pequena s�rie de poemas que giravam todos de alguma forma em torno do universo das plantas, das flores ou dos jardins, e pensei que seria apropriado que eles sa�ssem em tipografia, numa edi��o artesanal, costurada � m�o… Imaginei que o trabalho da Quel�nio, uma editora que publica literatura brasileira em edi��es muito caprichadas, frequentemente utilizando tipografia e outras t�cnicas tradicionais de impress�o e acabamento, combinaria com a ideia de “cuidado”, “cultivo”, que eu associava � imagem do jardim. O trabalho da editora revelou que eu n�o poderia estar mais certa! O projeto gr�fico, assinado pela Silvia Nastari, lembra um pouco um caderno de campo, amarrado por uma linha vermelha. O papel da capa � feito de folhas de bambu verde. Acho muito bonito o fato de o papel, que � bem r�stico, deixar ver sua origem vegetal, como um lembrete de que os livros um dia foram �rvores. Tamb�m me encanta o fato de que cada exemplar do livro seja diferente um do outro. Para a segunda edi��o, acrescentei quatro poemas novos. Fico feliz de ver o livro crescer, como � pr�prio dos jardins. 

 

Entrevista / Silvia Nastari (Quel�nio)
“Vemos uma grande demanda de autores querendo publicar”

 

Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?

O maior desafio para n�s � o custo e o alcance do que produzimos. � muito caro fazer um livro. � muito trabalho fazer este livro circular, chegar ao p�blico. No nosso caso de uma editora independente de m�dio porte, esse custo esbarra tamb�m no custo pessoal, numa sobrecarga de trabalho. Vemos uma grande demanda de autores querendo publicar, poucos incentivos e uma cadeia do livro muitas vezes refrat�ria a livros mais delicados ou de g�neros pouco apelativos. S� trabalhamos com fic��o e com poesia de autores brasileiros contempor�neos, e o mercado e a imprensa infelizmente continuam a destinar pouco espa�o para essa produ��o.

 

Quais os pr�ximos cap�tulos de sua editora?

Na Quel�nio, tivemos de diminuir a quantidade de lan�amentos, pois dependemos muitos dos eventos presenciais, e durante a pandemia ficou invi�vel. Agora, nesse per�odo de retomada, tivemos que pensar cada vez mais na produ��o dos livros, encontrar alternativas h�bridas para viabilizar as produ��es mais experimentais, imprimindo parte da publica��o em tipografia, carimbo, serigrafia etc e parte em impressoras digitais ou offset. Estamos abrindo novas frentes de trabalho, como os cursos em torno das artes do livro, oficinas e a retomada de edi��es mais colaborativas, como no nosso curso de plaquetes. Al�m dos livros, nossa linha de papelaria liter�ria tamb�m deve crescer, como uma forma de expandir a literatura para al�m do livro e preservar esse caminho de pesquisa e atua��o com a mem�ria gr�fica.  

 

Qual livro ou autor, brasileiro ou estrangeiro, gostaria de ter sido a primeira a editar?

S�o tantos nomes, com tantas possibilidades gr�ficas... mas gostaria de fazer uma edi��o artesanal para “Vidas secas”, do Graciliano Ramos e, claro, seria incr�vel publicar o Drummond, meu poeta da vida. Mas confesso que j� realizei desejos editando “Eu sou a monstra”, de Hilda Hilst, “80 anos”, de Francisco Alvim e “O livro dos jardins”, de Ana Martins Marques. Este ano estou muito feliz e honrada com a possibilidade de publicar um livro de poemas da editora Heloisa Jahn, “Palindroma”, que deve sair em outubro e tem tudo a ver com o cat�logo da Quel�nio, pois une os poemas da autora e as ilustra��es de Carlos de Moraes de uma maneira muito surpreendente, em l�minas soltas, de uma forma ao mesmo tempo livre e intensa, algo que admiramos muito nessa rela��o entre texto e imagem. Para mim, ser� a melhor forma de homenagear uma editora que teve uma atua��o t�o importante para a literatura no Brasil. 

 


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