
Silvia Naschenveng � a editora da Mundar�u. Mas tentou ser a editora da Madalena. “Eu moro na Vila Madalena (bairro paulistano), tinha a Madeleine do Proust... Ent�o, quando decidi abrir uma editora, o nome seria esse.” A primeira op��o, contudo, n�o obteve registro no INPI porque j� havia uma revista com o mesmo nome. E a� Madalena virou Mundar�u. “Gostei tamb�m porque � um nome bem sonoro e com significado muito brasileiro, de linguagem popular.”
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O cat�logo da Mundar�u, dividido entre fic��o europeia e latina dos s�culos 20 e 21, ensaios liter�rios e filosofia, � formado por seis cole��es. Uma das mais atraentes � “Linha do tempo”, que tem o objetivo de refletir sobre um acontecimento hist�rico a partir de obras de escritores que a tenham vivenciado. L� est�o tr�s t�tulos do austro-h�ngaro Joseph Roth (1894-1939), testemunha ocular da Primeira Guerra Mundial e da ascens�o de Hitler. “� um cronista de seu tempo, com olhar agudo e prosa l�mpida e melanc�lica, que escolhe como personagens tipos comuns que s�o atropelados pelo seu tempo, pessoas deslocadas vivendo momentos cruciais”, destaca a editora. Considerada a obra-prima do autor, “Marcha de Radetzky”, sobre as tr�s gera��es da fam�lia de um soldado do Imp�rio Austro-H�ngaro, foi um dos primeiros t�tulos lan�ados pela Mundar�u, em novembro de 2014.
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Ainda entre os autores europeus, mas pela cole��o “Mundo afora”, o romance polif�nico “Canto eu e a montanha dan�a”, da catal� Irene Sol�, e o corrosivo e pungente “O ver�o em que mam�e teve olhos verdes”, da moldava Tatiana Tibuleac, tamb�m se destacam. Outro expoente � “Nostalgia”, do romeno Mircea Cartarescu, constantemente apontado como uma possibilidade para o Nobel de Literatura. “� um autor muito reconhecido na Europa e que exige muito do leitor. ‘Nostalgia’ � um livro denso e envolvente, mas n�o � para ler na praia ou copiar frases para o Instagram”, adverte a editora.
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O furac�o Melchor
Uma cole��o que tem obtido grande repercuss�o � dedicada � literatura latino-americana. “Nosotros!” publicou dois romances de uma das autoras mais premiadas dos �ltimos anos, a mexicana Fernanda Melchor. “Quando terminei de ler ‘Temporada de furac�es’ j� fiz uma proposta. A prosa dela � muito impactante, muito fora da curva”, conta Silvia Naschenveng. Lan�ado em 2021, “Temporada” tem uma das vendagens mais expressivas da Mundar�u e est� na terceira reimpress�o. “P�radais”, romance mais recente de Melchor, tem tradu��o de Heloisa Jahn, que morreu em junho de 2022. “Ela enfrentou problemas de sa�de durante a tradu��o e faleceu pouco depois da entrega, ainda durante a edi��o do livro”, revela.
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Na cole��o “Nosotros!” est�o ainda obras do uruguaio Mario Benedetti (“Muito querido pelos leitores”) e dos guatelmatecos Eduardo Half�n (“Autor que conheci na cole��o ‘Otra l�ngua’, organizada pelo Joca Terron para a Rocco”) e Miguel �ngel Asturias, Nobel de Literatura de 1967. “Asturias � um autor que estava totalmente fora do radar e fazia tempo que n�o tinha edi��o no Brasil. Apostamos em nomes contempor�neos, mas tamb�m no resgate da tradi��o da literatura latino-americana. Temos orgulho disso”, afirma Silvia, novamente utilizando a primeira pessoa do plural.
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A editora planeja o lan�amento de mais um selo de n�o-fic��o: Manjuba. “Teremos hist�rias incr�veis como ‘Surazo’, que envolve fugitivos nazistas na Am�rica do Sul, ditaduras latino-americanas e guerrilha guevarista; ‘Uma sa�da honrosa’, de Eric Vuillard, sobre o fim do dom�nio colonial franc�s na Indochina; e ‘Oraci�n’, um livro sui generis em que Mar�a Moreno, autora que � refer�ncia na Argentina, disseca as �ltimas cartas de Rodolfo Walsh, autor de ‘Opera��o massacre’ – um dos meus livros favoritos – e um desaparecido pol�tico da mais recente ditadura argentina”, antecipa a editora.
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Autores brasileiros, por enquanto, n�o cabem na ed�cula onde foi instalada a Mundar�u, nos fundos da casa onde mora a editora, na Vila Madalena. “O volume de leitura seria muito maior e a parte da edi��o, muito mais pesada. Todo o processo demandaria muito mais tempo e eu n�o consigo, n�o tenho musculatura para esse acompanhamento de autores nacionais no momento”, reconhece Silvia, que lan�a de cinco a seis t�tulos por ano e prev� tr�s lan�amentos at� dezembro. “Sou praticamente sozinha na editora: fa�o todas as etapas, tirando a cont�bil. Muitas vezes falo no plural, mas o meu trabalho � sempre no singular.”
Entrevista/Silvia Naschenveng (Mundar�u)
“Tenho a oportunidadede garimpar t�tulos”
Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?
O mais tr�gico � a pouca valoriza��o da cultura e da educa��o e consequente pequeno n�mero de leitores. Com isso, as tiragens s�o baixas, o que encarece o livro, diminuindo as margens e as vendas, tornando as apostas em alguns t�tulos mais arriscadas. Somos um pa�s de 203 milh�es de habitantes e as vendas e tiragens m�dias nem de longe correspondem a esse potencial.
Quais os pr�ximos cap�tulos de sua editora?
Hoje nossa principal cole��o � a ?Nosotros!, iniciada em 2016 e dedicada � literatura latino-americana contempor�nea (ou quase); acabamos de lan�ar contos especulativos de Liliana Colanzi, “Voc�s brilham no escuro”, nosso 13º t�tulo na cole��o. Teremos agora importantes lan�amentos em outra cole��o, a Mundo Afora: “Leitura f�cil”, de Cristina Morales, autora espanhola desafiadora e iconoclasta; “Solenoide”, nossa segunda publica��o de Mircea Cartarescu, romeno que � dos mais significativos autores em atividade no mundo; Jacobo Bergareche, que com “Os dias perfeitos” consegue tratar de relacionamentos de forma honesta, emp�tica e apaixonada ao mesmo tempo, e ainda inclui literatura e Faulkner na equa��o. No entanto, nosso maior passo ser� o lan�amento de um selo de n�o fic��o, o “Manjuba”, coordenado por Michel Landa, que trar� t�tulos que abrange pol�tica, hist�ria, ensaios e jornalismo liter�rio.
Quais autores, nacionais ou estrangeiros, gostaria de ter sido a primeira a publicar no Brasil?
S� publicamos estrangeiros, e me sinto muito satisfeita em rela��o a v�rios autores que publicamos pela primeira vez no Brasil, creio que nossa balan�a esteja bastante positiva – n�o consigo deixar de sorrir ao me apresentar como a editora brasileira de autores como Mircea Cartarescu, Fernanda Melchor, Cristina Morales. A Mundar�u publica poucos t�tulos por ano, ent�o tenho a oportunidade de garimpar t�tulos, fazer curadoria. Mas, pensando em edi��es poss�veis, que quase aconteceram, gostaria de ter trazido “Tenho medo torreiro”, de Pedro Lemebel. Ou, saindo do reino do fact�vel, talvez quisesse ter uma rela��o como a de Raimund Fellinger, editor da Suhrkamp, com Thomas Bernhard.