(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas DIREITO E INOVA��O

A hipervulnerabilidade do consumidor no ambiente digital

Marco legal europeu pode influenciar leis brasileiras sobre o tema


21/07/2022 06:00 - atualizado 20/07/2022 22:20

Logomarca do Parlamento Europeu ao fundo; à frente, uma tela de celular com as logomarcas das big techs google, apple, amazon, facebook, microsoft
Parlamento Europeu aprovou o que vem sendo chamado de marco legal das big techs (foto: JUSTIN TALLIS/AFP)
No artigo 170 da nossa Constitui��o encontramos os princ�pios que regem o exerc�cio da atividade econ�mica. Se de um lado ele abarca a promo��o de uma economia de mercado, de outro suas normas tamb�m buscam assegurar garantias sociais. A presen�a de princ�pios tidos como liberais (livre iniciativa, propriedade privada e livre concorr�ncia) ao lado de outros de car�ter mais social (valoriza��o do trabalho humano, justi�a social, fun��o social da propriedade e defesa do consumidor e do meio ambiente) deixa isso claro.

Dessa forma, a cria��o e a interpreta��o das leis para nosso conv�vio em sociedade devem seguir uma pondera��o harm�nica destes princ�pios. Diante das circunst�ncias, um ou outro poder� ganhar maior peso.

� o que ocorre nas rela��es de consumo. O legislador reconhece o consumidor como a parte mais fraca e pode criar regras que compensem este desequil�brio. Para isso, o C�digo de Defesa do Consumidor reconhece de forma expressa e como um de seus princ�pios a vulnerabilidade dos consumidores no mercado.

Na doutrina, j� � tradicional a classifica��o desta vulnerabilidade em seus aspectos t�cnico, jur�dico, informacional e socioecon�mico. O consumidor, comumente, n�o possui conhecimento espec�fico sobre o produto ou servi�o que vai adquirir (vulnerabilidade t�cnica), sobre as normas legais que se aplicam �quela rela��o (vulnerabilidade jur�dica), nem sobre todas as circunst�ncias em torno de uma determinada transa��o (vulnerabilidade informacional). Al�m disso, fica sujeito a um maior poder econ�mico de um fornecedor (vulnerabilidade socioecon�mica).

Um contrato assinado de livre e espont�nea vontade pode ser revisto judicialmente se nele forem identificadas cl�usulas abusivas, ou seja, que n�o respeitam essa vulnerabilidade.

Esse � o sistema do nosso C�digo, aplicado desde a d�cada de 1990, quando entrou em vigor. De l� para c�, visando-se uma adequa��o �s altera��es sociais e tecnol�gicas, seu texto sofreu diversas mudan�as.

Hoje, por�m, diante de uma nova conforma��o decorrente da sociedade da informa��o em que vivemos, na qual os dados passaram a apresentar um valor essencial para o desenvolvimento pessoal. Nela h� uma nova equa��o entre fornecedor e consumidor imposta pelas transa��es no meio digital.

O conhecimento dos custos de uma opera��o tradicional de compra e venda, por exemplo, deu lugar a um fornecimento de dados pessoais que exp�e o consumidor a riscos diversos (O crescimento exponencial de golpes virtuais no pa�s ilustra bem este cen�rio).

Por isso, aponta-se hoje na doutrina especializada a exist�ncia de uma hipervulnerabilidade do consumidor. Segundo Bruno Bioni, especialista em prote��o de dados, no ambiente digital houve um aumento do fosso da assimetria entre fornecedor e consumidor.

Esse aumento impacta sem d�vida na vulnerabilidade informacional, j� que os consumidores, em geral, n�o t�m conhecimento sobre o caminho seguido por seus dados pessoais. Grande parcela deles sequer sabe da ocorr�ncia dessa pr�tica de coleta de dados em contrapresta��o ao fornecimento de servi�os.

Pensemos no chamado perfilamento do consumidor. Baseando-se em dados como localiza��o geogr�fica, curtidas e postagens em redes sociais, algoritmos automatizados conseguem tra�ar um perfil comportamental do consumidor e, por meio de v�rias t�cnicas, influenciar na sua escolha de adquirir mais produtos e servi�os.

O C�digo de Defesa do Consumidor prev� que atributos como idade, defici�ncia e capacidade reduzida de compreens�o podem tornar alguns grupos mais vulner�veis.

Em raz�o disso, eles merecem um tratamento ainda mais diferenciado. Este seria o conceito de hipervulnerabilidade para parte da doutrina. Outros autores, por�m, entendem que o ambiente digital coloca todos os consumidores nessa condi��o e que, em raz�o disso, a  hipervulnerabilidade tem um car�ter objetivo. Como regul�-la, ent�o?
 

A LGPD E A NECESSIDADE DE MAIS REGULA��O

 
Atualmente a nossa lei mais importante para a prote��o dos dados � a Lei Geral de Prote��o de Dados (Lei 13709/18), nossa LGPD. Ela tem como um de seus fundamentos principais a autodetermina��o informativa, ou seja, suas regras visam garantir que o titular tenha conhecimento acerca da coleta e do fluxo de seus dados.
 
A LGPD tamb�m imp�e obriga��es aos controladores de dados. Eles devem fundamentar seu tratamento no consentimento do titular ou em outra base legal (coleta de dados para prote��o da sa�de, por exemplo).
 
Para se adequarem � lei, os fornecedores, ent�o, tiveram que rever seus termos de uso e pol�ticas de privacidade. Logo, para saber como seus dados est�o sendo tratados, bastaria que o consumidor os lesse e concordasse com as regras ali contidas.
 
Por experi�ncia pr�pria, sabemos que isso n�o vem funcionando. As raz�es s�o muitas. A complexidade e extens�o dos documentos, a quantidade de servi�os contratados diariamente e as altera��es constantes nos textos. Al�m disso, estes termos s�o verdadeiros contratos de ades�o: - ou o consumidor aceita o que est� ali descrito, ou n�o poder� usufruir do servi�o.
 
Tudo indica, portanto, que essa condi��o de hipervulnerabilidade do consumidor s� poder� ser amenizada com  a cria��o de novas leis que exijam mais transpar�ncia dos fornecedores/controladores de dados.  
 
No �ltimo dia 5 de julho, o Parlamento Europeu aprovou novos regulamentos sobre mercados e servi�os digitais. A nova legisla��o que vem sendo por aqui chamada de marco legal das big techs tem o prop�sito de impor maior controle e transpar�ncia � atua��o das plataformas digitais, tanto na esfera da concorr�ncia quanto na utiliza��o de dados dos usu�rios. Para isso, elas ser�o submetidas a auditorias independentes, permitindo que autoridades e pesquisadores autorizados tenham acesso aos pr�prios dados e ao uso de algoritmos.

Por aqui, temos adormecido no Congresso o PL 2630/20, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transpar�ncia (apelidado de PL das Fake News, em raz�o da sua origem). Ele trata das principais quest�es envolvendo a atua��o das plataformas digitais, dentre elas, o tema da liberdade de express�o.

Para tanto, prev� normas que determinam mais transpar�ncia das plataformas e uma esp�cie de corregula��o ou autorregula��o de suas atividades. Para a elabora��o de seus termos de servi�os, por exemplo, as empresas de tecnologia dever�o seguir diretrizes fornecidas pelo Comit� Gestor da Internet, �rg�o criado em 2003 que � composto por representantes dos setores p�blico, empresarial, do terceiro setor e da comunidade cient�fica e tecnol�gica.
 
No meio jur�dico, acredita-se que a aprova��o do PL 2630/20  poder� trazer maior prote��o ao consumidor nesse contexto em que vivemos, apesar da resist�ncia das grandes empresas de tecnologia.
 
Quem sabe a aplica��o da lei europeia sirva de espelho para nosso legislador.

  • O autor desta coluna � Advogado, Especialista e Mestre em Direito Empresarial. � s�cio fundador do escrit�rio Ribeiro Rodrigues Advocacia

  • Sugest�es e d�vidas podem ser enviadas para o e-mail [email protected] 

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)