
A pandemia mudou a cultura de trabalho, dando a muitos funcion�rios a oportunidade de trabalhar em casa pela primeira vez.
E, para alguns, n�o estar preso a um escrit�rio significa poder se mudar para uma cidade diferente ou at� mesmo para um novo pa�s.
Desde 2020, pelo menos 30 na��es come�aram a oferecer vistos de n�made digital, no modelo chamado "anywhere office" ("escrit�rio em qualquer lugar", em tradu��o livre).
A quest�o, por�m, come�a a ficar mais complexa quando os funcion�rios deixam de informar as empresas que est�o viajando — ou mesmo que se mudaram definitivamente de pa�s.
Ele voltou ao Brasil em outubro de 2021 – mas at� hoje nunca contou a ningu�m da empresa.
A decis�o de manter seu "anywhere office" �s escondidas, diz ele, se deve ao fato de existir uma lei na Uni�o Europeia em que n�o se pode ter servi�os de call centers fora dos pa�ses do grupo.
"A quest�o de receber em euro [daqui do Brasil] tamb�m foi um grande fator para mim. Mas o grande motivo de voltar foi que estava entrando em depress�o na Europa. Eu n�o estava muito feliz, a It�lia tem uma popula��o muito idosa e sentia saudades do Brasil", conta o jovem.

Um dos artif�cios que Diego utiliza para n�o haja desconfian�a da empresa � ter dois celulares: um com o n�mero do Brasil e outro com c�digo italiano. "Tamb�m ningu�m do trabalho tem minhas redes sociais, nunca passei para ningu�m, nem quando trabalhava presencialmente".
Todavia, o maior cuidado, afirma ele, tem que ser em rela��o � jornada de trabalho, pois � necess�rio sempre calcular o fuso hor�rio no momento de cumprir as demandas.
O local de trabalho ainda importa?
Uma pesquisa realizada pela consultoria de RH Topia revelou que at� 40% dos profissionais de gest�o de pessoas do Reino Unido e dos Estados Unidos descobriram que os funcion�rios tinham se mudado recentemente.Na mesma pesquisa, 66% dos funcion�rios nos Estados Unidos admitiram que n�o informaram o RH sobre todos os per�odos que trabalharam fora do local de origem e 94% acha que deveriam poder trabalhar de qualquer lugar se isso n�o afetar a entrega do trabalho.
Segundo Tais Taiga, job hunter (profissional que aconselha sobre mudan�as de emprego e carreira) e especialista em recoloca��o, muitas empresas ainda t�m uma cultura muito forte de microgerenciamento do profissional, querendo saber de onde o funcion�rio trabalha.

"Essa quest�o de ter o trabalho presencial, muitas vezes, vai fazer com que as empresas percam grandes talentos. Outro ponto � que o Brasil pode perder profissionais: muitos pa�ses est�o abrindo suas fronteiras para trabalhadores estrangeiros, pa�ses esses com moedas mais fortes e modelos mais flex�veis".
Para Karen*, que assim como Diego exerce sua fun��o do Brasil sem que sua empresa europeia saiba, um grande fator positivo � a flexibilidade de hor�rios que seu trabalho permite.
Como n�o � registrada — atuando em um modelo similar ao freelancer — ela n�o sentiu que devia a satisfa��o de avisar a empresa de onde estava trabalhando.
Mas, ainda sim, toma seus cuidados: possui dois n�meros de telefones e mant�m as redes sociais longe dos colegas de trabalho.
Karen diz que tem a inten��o de continuar por muito tempo na empresa.
E, apesar de ter que trabalhar muitas vezes de madrugada por conta do fuso hor�rio, ela n�o v� isso como algo ruim: "Tenho muito tempo do dia livre, talvez se eu quisesse voltar para a faculdade ou pegar meio turno de trabalho em outro lugar n�o seria um problema".
O fluxo de horas da trabalhadora depende da �poca do ano e, mesmo nos meses de menor demanda, Karen diz que o sal�rio ainda compensa se comparado ao de um operador brasileiro.
"Aqui no Brasil, consigo ter uma qualidade de vida melhor do que morando na Europa com o mesmo sal�rio".
Tanto Diego como Karen acreditam que n�o seriam demitidos se seus chefes descobrissem que est�o h� mais de um ano no Brasil. Mas, em todo caso, n�o querem arriscar.
Sou obrigado a contar para o meu chefe de onde estou trabalhando?
Para Juliana Inhasz, professora de Macroeconomia e Macroeconometria do Insper, a pergunta acima depende do contrato de trabalho vigente.Se o contrato de trabalho prev� que a pessoa trabalhe presencialmente, ainda que a empresa tenha em algum momento permitido o trabalho remoto, ela continua sendo um trabalhador presencial.
Por isso, caso haja uma troca de modelo, a pessoa deve pedir um aditivo no contrato, assim — se n�o houver nenhuma obriga��o presencial — ela tem o livre direito de se mudar de cidade ou at� mesmo de pa�s, comenta a professora.

"Quanto mais a gente aprofundar essa ideia de trabalho realmente remoto e, principalmente, o que � entendido como remoto pelos dois lados da rela��o, maior fica essa flexibilidade".
Juliana aponta que cada pa�s tem a sua legisla��o trabalhista vigente, por isso, � preciso ficar atento.
Algumas empresas podem estar sujeitas a impostos adicionais se os funcion�rios passarem um determinado per�odo de tempo — geralmente mais da metade do ano — em outro pa�s.
Al�m disso, tamb�m podem enfrentam multas se os funcion�rios trabalharem no exterior sem a permiss�o de trabalho adequada.
Para evitar esse risco, juntamente com as preocupa��es com seguran�a cibern�tica e seguran�a, muitas empresas pro�bem os funcion�rios de trabalhar no exterior.
"A pessoa pode estar fazendo com que a empresa esteja incorrendo em erros trabalhistas, mas na verdade por puro desconhecimento", esclarece a especialista.
"Estamos falando dessa quest�o quando h� contrato, mas � muito comum vermos cada vez mais a pejotiza��o [refer�ncia ao termo "PJ", ou pessoa jur�dica, quando trabalhadores que s�o terceirizados e emitem notas fiscais aos empregadores como empresas]. Ela n�o teria essa obriga��o, seria aut�noma. Nesse caso, s� precisa fazer as declara��es de imposto das presta��o de servi�os entre as partes e entender como funciona a declara��o do outro pa�s".
*As fontes dessa reportagem Diego e Karen falaram sob condi��o de anonimato para proteger suas carreiras, mas a BBC verificou suas identidades e empregos.