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Estado de Minas VIOL�NCIA CONTRA AS MULHERES

As guerreiras que superaram abuso e tentativa de feminic�dio, crime em alta

V�timas de agress�es psicol�gicas e de tentativas de feminic�dio contam como conseguiram escapar e superar as marcas deixadas pelos ataques


05/03/2023 03:59 - atualizado 08/03/2023 08:35


“O que voc� fez para tomar 17 facadas? Nada, eu n�o fiz nada. Eu sou v�tima”, relata a advogada Ver�nica Suriani, de 41 anos. “Enquanto eu tiver voz, vou gritar. Enquanto eu tiver um lugar, uma porta aberta para ir, vou continuar lutando por pol�ticas p�blicas para mulheres” , diz Solange Rodrigues Barbosa, de 54, que viveu por 32 anos em situa��o de viol�ncia dom�stica e, das cinco modalidades desse tipo de crime listadas pela Lei Maria da Penha, foi v�tima de quatro.

Apesar de toda dor e sofrimento expl�citas em seus relatos, Ver�nica e Solange reuniram for�as para ressignificar as agress�es sofridas e lutar para que outras mulheres n�o passem pelos traumas que elas viveram. �s v�speras do Dia Internacional da Mulher, que ser� celebrado no dia 8, os dados da viol�ncia contra elas em Minas indicam que ainda h� um longo caminho a percorrer no que se refere � igualdade de g�nero.
 
Ver�nica sobreviveu a uma tentativa de feminic�dio em maio de 2022, quando sa�a do apartamento em que morava com os dois filhos e a bab� das crian�as. Ela foi esfaqueada na frente dos filhos e contou com a ajuda da bab� para se livrar de outros golpes. A advogada foi levada em estado grave para o Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII e at� hoje carrega sequelas f�sicas e emocionais da agress�o. O ex-namorado, Bruno da Costa Val Fonseca, que n�o aceitava o fim do relacionamento, est� preso e aguarda julgamento.
Ap�s a morte de um filho, o ex-marido de Solange desenvolveu uma depress�o que os levou a come�ar terapia de casal, na qual ela passou a perceber pequenos sinais de que vivia em um relacionamento abusivo. No processo de pedir o div�rcio, foi encaminhada � Defensoria Especializada na Defesa dos Direitos da Mulher em Situa��o de Viol�ncia de Belo Horizonte (Nudem-BH) e recebeu o aux�lio necess�rio para que pudesse superar os traumas vividos ao longo da rela��o.

Apesar de nunca ter apanhado do ex-marido, sofreu abusos moral, psicol�gico, patrimonial e sexual e, mesmo ap�s a separa��o, foi perseguida e teve sua medida protetiva violada tr�s vezes.

Tentativas de feminic�dio aumentam 

As hist�rias das duas s�o casos concretos de um quadro de viol�ncia captado pelas estat�sticas. Os n�meros mostram que os casos de tentativa de feminic�dio e os crimes desse tipo consumados t�m crescido em Minas. De acordo com levantamento da Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica de Minas Gerais (Sejusp), de 2021 para 2022, houve um aumento de 8% nos casos registrados no estado. Em 2023, apenas em janeiro, foram 25, contra 19 no mesmo per�odo do ano passado, um aumento de 32%.

Os n�meros de fevereiro s� devem sair na segunda quinzena deste m�s, mas apenas os casos de grande repercuss�o que ocorreram nas �ltimas duas semanas j� confirmam que os ataques � vida das mulheres persistem de maneira preocupante. Na quinta-feira (23/2), depois de uma discuss�o, o fisiculturista Weldrin Lopes de Alcantara, de 44, atirou quatro vezes contra a namorada, de 37, no Bairro Liberdade, Regi�o da Pampulha. Na segunda-feira (27/2), ele se entregou � pol�cia.
 
No s�bado (25/2), Luis Gustavo Lopes Silva foi preso suspeito da morte da namorada, Monique Ferreira da Costa. Ela desapareceu em 14 de fevereiro e, tr�s dias depois, o corpo da jovem foi encontrado pr�ximo � BR-040, na altura de Ouro Preto, Regi�o Central do estado. As investiga��es apontaram que a v�tima foi morta por estrangulamento, na noite de 13 de fevereiro, dentro do apartamento em que morava, no Bairro Jardim Industrial, em Contagem, na Grande BH.
 
O caso mais recente, at� a sexta-feira (3/3), � de uma mulher de 39 anos morta por atropelamento na madrugada de quinta-feira (2/3) no Anel Rodovi�rio, no Bairro Olhos D’�gua, Regi�o Oeste de BH. Segundo a Pol�cia Militar, a v�tima foi atropelada pelo pr�prio marido, que estava dirigindo um caminh�o. O homem fugiu do local.

Menosprezo do come�o ao fim

retrato de uma mulher de cabelos cacheados e com óculos em frente a um fundo escuro
(foto: Denys Lacerda/EM/D.A Press)
Solange Barbosa, 54 anos
“Em 1984, eu conheci o meu agressor. Foram 32 anos de relacionamento abusivo. Como eu vinha de uma fam�lia em que meu pai agredia minha m�e fisicamente, nunca entendi que estava num relacionamento abusivo. Em 2010, tivemos uma gesta��o gemelar e nosso filho veio com sopro no cora��o. Foi feita a cirurgia. Infelizmente ele faleceu. Com isso, meu ex-marido entrou num processo de depress�o que nos levou para uma terapia de casal. L� comecei a identificar a pessoa com quem estava casada. Em 2017, eu me separo dele. Nunca perguntei para Deus por qu�. Eu perguntava para Deus: para qu�? E a morte do meu filho, depois eu ressignifiquei com a minha sa�da de um relacionamento abusivo.
 
J� no primeiro m�s de namoro come�aram os controles, ele falava coisas comigo e se colocava muito acima de mim. Ele era muito inteligente e eu n�o, eu era burra. Essa era a palavra que ele usava. No namoro, j� vivi a (viol�ncia) sexual, por pr�ticas que eu n�o queria. Depois a patrimonial: juntei dinheiro para comprar um lote, sozinha, vendendo roupa como sacoleira.

Ele simplesmente disse: 'Estou com vergonha, n�s estamos comprando lote. Voc� est� com o dinheiro todo e eu n�o ajudei com nada.' Eu, inocente, respondi: 'Tem problema n�o, voc� ajuda na constru��o.' Em nome de quem que ficou esse im�vel? No nome dos dois, por que eu ainda dei sorte, podia ter ficado s� no dele. E se eu n�o tivesse passado pela experi�ncia (da perda) do meu filho, tinha feito bodas (de casamento) porque eu j� era doutrinada.
 
(Ele) fez amea�as de morte tanto contra mim quanto contra  as minhas filhas. Quebrou a medida protetiva tr�s vezes. Na primeira, usou pessoas que eu amo para ir at� a mim. Uma pessoa, muito preocupada, me disse: 'Solange, voc� vai morar na favela e l� o traficante escolhe quem vai estuprar e vai estuprar sua filha.' Veio a pandemia, ele teve COVID, e como tinha muitas comorbidades, faleceu em abril de 2021. Somente com a morte dele eu posso dizer que passei a me sentir 100% segura.”

Gratid�o por estar viva

retrato de uma mulher de cabelos loiros e com óculos em frente a um fundo escuro
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Ver�nica Suriani, 41 anos
“Conheci meu agressor em 2019. Tivemos dois anos de um relacionamento saud�vel. Tenho dois filhos fora desse relacionamento, ele era um grande parceiro tamb�m dos meus filhos, mas a viol�ncia come�ou exatamente em 15 de novembro de 2021. Est�vamos em uma festa de casamento, ele estava muito embriagado. T�nhamos que voltar de Moeda para Belo Horizonte. Eu voltaria dirigindo, ele concordou. Dentro do carro, ele me d� um tapa muito disfar�ado. Toma a chave da minha m�o e fala que eu estava estragando a festa dele. Empurra a minha m�o com a chave e machuca minha boca. Foi uma agress�o f�sica.
 
Fiquei muito abalada e tomei as medidas necess�rias na hora mesmo. Chamei a pol�cia, fiz boletim de ocorr�ncia, medida protetiva e o meu relacionamento terminou a�. Mas, comecei a sofrer outras viol�ncias. Ele mostrou o lado agressivo que n�o tinha se manifestado: ‘Se voc� n�o voltar para mim, vou te matar. Se voc� n�o voltar, vou me matar, cometer suic�dio.’ Ainda tem essa quest�o da culpa. O que eu poderia ter feito para n�o ter aquela agress�o, para ele n�o ter tanto ci�me? A v�tima n�o tem que justificar o que voc� fez para tomar 17 facadas. Nada. Eu n�o fiz nada. Eu sou v�tima.

"Ainda bem que foi filmado"

Ele divulgou fotos �ntimas minhas em grupo de trabalho, a gente trabalhava na mesma empresa. (No dia do ataque), saio com as crian�as e minha bab�. O Uber est� parado, elas entram no carro e eu s� lembro de olhar para tr�s e ele vir com a faca em punho. Ele corre atr�s de mim meio quarteir�o, atravesso a rua e ele me pega do outro lado. Ainda bem que foi filmado para n�o ter d�vida da materialidade do crime. Ainda bem que foi filmado para ningu�m falar que foi leg�tima defesa.
 
Tomei 17 facadas: duas no bra�o, uma no t�rax, uma na coxa e 13 nas costas. A� a gente v�, realmente, o que � a vulnerabilidade de um ser humano, como a vida passa nos olhos em fra��es de segundo. E s�o minutos. De tentar sobreviv�ncia mesmo, meio sem entender o que est� acontecendo. De repente, eu olho para mim, vejo sangue no bra�o, rosto boca. Eu falo: ‘Minha Nossa Senhora, n�o posso ir embora. Tenho dois filhos para criar.
 
Recebi alta muito r�pido, dois dias de interna��o eu volto para casa com mais de 70 pontos no corpo, com uma les�o no pulm�o, uma na coluna e uma no bra�o, que s�o tratadas at� hoje. Mas volto viva. A for�a de hoje � me apegar � gratid�o por estar viva, de forma nenhuma questionar por que eu passei por isso, por que meus filhos viram a m�e sangrando, por que tanta dor e tanto �dio.
 
Gra�as a Deus, meu agressor foi preso muito r�pido. Tenho esse outro privil�gio e acredito muito na recupera��o humana, sou muito humanista. Penso muito (na chance) de essa pessoa se reconstituir dentro do pres�dio, se tornar uma pessoa melhor porque um dia ele vai sair. E a liberdade dele n�o pode tornar minha pris�o, como vejo acontecer com v�rias mulheres que quando agressor volta para a sociedade, a paz delas acaba.
fotos de duas mulheres vítimas de violência
Solange Rodrigues e Ver�nica Suriani (foto: Fotos: Luiza Rocha e Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

O que � feminic�dio?

Feminic�dio � o nome dado ao assassinato de mulheres por causa do g�nero. Ou seja, elas s�o mortas por serem do sexo feminino. O Brasil � um dos pa�ses em que mais se matam mulheres, segundo dados do Alto Comissariado das Na��es Unidas para os Direitos Humanos.

A tipifica��o do crime de feminic�dio � recente no Brasil. A Lei do Feminic�dio (Lei 13.104) entrou em vigor em 9 de mar�o de 2015.

Entretanto, o feminic�dio � o n�vel mais alto da viol�ncia dom�stica. � um crime de �dio, o desfecho tr�gico de um relacionamento abusivo.

O que diz a Lei do Feminic�dio?

Art. 121, par�grafo 2º, inciso VI
"Considera-se que h� raz�es de condi��o de sexo feminino quando o crime envolve:
I - viol�ncia dom�stica e familiar;
II - menosprezo ou discrimina��o � condi��o de mulher."

Qual a pena por feminic�dio?

Segundo a 13.104, de 2015, "a pena do feminic�dio � aumentada de 1/3 (um ter�o) at� a metade se o crime for praticado durante a gesta��o ou nos 3 (tr�s) meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com defici�ncia; na presen�a de descendente ou de ascendente da v�tima."

Como denunciar viol�ncia contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar v�timas de abusos.
  • Em casos de emerg�ncia, ligue 190.

Onde procurar ajuda

A mulher em situa��o de viol�ncia de qualquer cidade de Minas Gerais pode procurar uma delegacia da Pol�cia Civil para fazer a den�ncia. � poss�vel fazer o registro da ocorr�ncia on-line, por meio da delegacia virtual. Use o aplicativo 'MG Mulher'.

Locais de atendimento e acolhimento �s mulheres

  • Centros de Refer�ncia da Mulher
    Espa�os de acolhimento/atendimento psicol�gico e social, orienta��o e encaminhamento jur�dico � mulher em situa��o de viol�ncia. Devem proporcionar o atendimento e o acolhimento necess�rios � supera��o da situa��o de viol�ncia, contribuindo para o fortalecimento da mulher e o resgate de sua cidadania.

  • Casas-Abrigo
    Locais seguros que oferecem moradia protegida e atendimento integral a mulheres em risco de morte iminente em raz�o da viol�ncia dom�stica. � um servi�o de car�ter sigiloso e tempor�rio, no qual as usu�rias permanecem por um per�odo determinado, durante o qual dever�o reunir condi��es necess�rias para retomar o curso de suas vidas.

  • Companhia de Preven��o � Viol�ncia
    Dar acolhimento e seguran�a � mulher v�tima de viol�ncia dom�stica. Trata-se do corpo militar que atuava na Patrulha de Preven��o � Viol�ncia Dom�stica (PPVD), criada em 2010, treinada para dar a resposta adequada � v�tima de viol�ncia dom�stica e atua em conjunto com outros �rg�os do Governo de Minas Gerais.

  • Delegacias Especializadas de Atendimento � Mulher (DEAMs)
    Unidades especializadas da Pol�cia Civil para atendimento �s mulheres em situa��o de viol�ncia. As atividades das DEAMs t�m car�ter preventivo e repressivo, devendo realizar a��es de preven��o, apura��o, investiga��o e enquadramento legal, as quais devem ser pautadas no respeito pelos direitos humanos e pelos princ�pios do Estado Democr�tico de Direito. Com a promulga��o da Lei Maria da Penha, as DEAMs passam a desempenhar novas fun��es que incluem, por exemplo, a expedi��o de medidas protetivas de urg�ncia ao juiz no prazo m�ximo de 48 horas.

  • N�cleos de Atendimento � Mulher
    Espa�os de atendimento � mulher em situa��o de viol�ncia (que em geral, contam com equipe pr�pria) nas delegacias comuns.

  • Defensorias da Mulher
    T�m a finalidade de dar assist�ncia jur�dica, orientar e encaminhar as mulheres em situa��o de viol�ncia. � um �rg�o do Estado respons�vel pela defesa das cidad�s que n�o possuem condi��es econ�micas de ter advogado contratado por seus pr�prios meios. Possibilitam a amplia��o do acesso � Justi�a, bem como, a garantia �s mulheres de orienta��o jur�dica adequada e de acompanhamento de seus processos.

  • Promotorias de Justi�a Especializada na Viol�ncia Dom�stica e Familiar contra a Mulher
    A Promotoria Especializada do Minist�rio P�blico promove a a��o penal nos crimes de viol�ncia contra as mulheres. Atua tamb�m na fiscaliza��o dos servi�os da rede de atendimento.

  • Servi�os de Sa�de Especializados no Atendimento dos Casos de Viol�ncia Dom�stica
    A �rea da sa�de, por meio da Norma T�cnica de Preven��o e Tratamento dos Agravos Resultantes da Viol�ncia Sexual contra Mulheres e Adolescentes, tem prestado assist�ncia m�dica, de enfermagem, psicol�gica e social �s mulheres v�timas de viol�ncia sexual, inclusive quanto � interrup��o da gravidez prevista em lei nos casos de estupro. A sa�de tamb�m oferece servi�os e programas especializados no atendimento dos casos de viol�ncia dom�stica.

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