
O microbiologista John McConnell tem um privil�gio �nico: ler em primeir�ssima m�o os estudos que avaliam a seguran�a e a efic�cia das vacinas contra a covid-19.
O cientista � editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, revista cient�fica que publicou as mais importantes pesquisas sobre a pandemia e os imunizantes nos �ltimos meses.
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Ele � respons�vel por receber os manuscritos originais, enviados por laborat�rios e especialistas de v�rias partes do mundo, e encaminh�-los para o time de editores independentes, que faz a revis�o e a an�lise do conte�do antes da divulga��o.
Formado em microbiologia cl�nica e parasitologia pela Universidade East London, na Inglaterra, McConnell atua na The Lancet desde 1990.Em 2001, ele foi um dos fundadores e logo tornou-se editor-chefe da The Lancet Infectious Diseases, uma revista voltada 100% para as doen�as infecciosas.
No final de abril e no come�o de maio, o cientista foi convidado para uma s�rie de webin�rios no Brasil promovidos pela Elsevier, empresa de informa��o anal�tica respons�vel por diversas publica��es cient�ficas, incluindo a pr�pria The Lancet.
Numa entrevista � BBC News Brasil feita por e-mail, McConnell avaliou o atual ritmo de vacina��o no mundo e destacou que o fim da pandemia est� necessariamente vinculado �s a��es globais.
"Acredito que n�s conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que n�o percamos o foco. S� assim faremos que a luz no fim do t�nel n�o seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos", disse.
Sobre a situa��o particular do Brasil, o microbiologista entende que nosso pa�s precisa aliar duas estrat�gias: acelerar a imuniza��o e promover as medidas preventivas.
"As duas a��es precisam andar de m�os dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso ser� lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de interven��es n�o farmacol�gicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro", analisou.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Num feito in�dito, a humanidade conseguiu desenvolver, testar e aprovar v�rias vacinas contra uma mesma doen�a em pouco menos de um ano. Como o senhor avalia esse progresso?
John McConnell - Acho que � o culminar de muitos anos de trabalho no desenvolvimento das tecnologias, o que nos permitiu gerar v�rios tipos diferentes de vacinas, que agora est�o sendo aplicadas em bilh�es de pessoas.
Uma dessas tecnologias, que usa v�rus inativados, j� existe h� um s�culo ou mais. A tecnologia que utiliza as chamadas subunidades proteicas � aplicada �s vacinas contra a hepatite B, por exemplo, h� muitos anos.
E mesmo as vacinas de vetores virais, como as de Johnson & Johnson e AstraZeneca/Oxford, se valem de uma tecnologia que vem sendo usada em ensaios cl�nicos h� cerca de 20 anos, principalmente em tr�s imunizantes licenciados contra o ebola.
E, embora se acredite amplamente que as vacinas de mRNA, como as de Pfizer/BioNTech e Moderna, s�o novas e essa � a primeira vez em que se utiliza tal tecnologia, a verdade � que o trabalho de desenvolvimento de produtos semelhantes est� em andamento por quase 30 anos.
Antes da covid-19, havia vacinas em testes cl�nicos usando a tecnologia de mRNA contra doen�as como aids, zika e raiva, por exemplo.
Portanto, embora as vacinas de Pfizer/BioNTech e Moderna sejam as primeiras a usar essa tecnologia em uma escala muito grande em seres humanos, elas se baseiam em um conhecimento existente e bem testado.
Ent�o, de certa forma, tivemos sorte que a pandemia surgiu em um momento em que temos algumas formas muito bem estabelecidas de produzir vacinas, bem como um conjunto de novas tecnologias, para as quais havia um pouco de experi�ncia cl�nica.
BBC News Brasil - Como o senhor mesmo mencionou, temos diversas plataformas tecnol�gicas bem-sucedidas neste momento. Qual a import�ncia dessa variedade nos tipos de imunizantes?
McConnell - Nunca foi garantido que uma determinada tecnologia funcionaria, ent�o acho que era muito importante ter uma gama de tentativas diferentes, mesmo que, quando aplicadas na vida real, elas sejam compar�veis %u200B%u200Bem rela��o � efic�cia.
� importante ter vacinas que possam ser distribu�das de diferentes maneiras. Por exemplo, as vacinas de Pfizer/BioNtech e Moderna precisam de uma cadeia de frio para distribui��o que requer congelamento, enquanto as vacinas de AstraZeneca/Oxford e Johnson & Johnson requerem apenas geladeiras regulares. J� a vacina da Bharat Biotech pode ser mantida em temperatura ambiente.
Precisamos de uma gama de tecnologias que podem ser levadas para diferentes contextos ao redor do mundo.
Tamb�m � importante ter vacinas que possam ser modificadas conforme surgem novas variantes do coronav�rus. Algumas das tecnologias s�o mais facilmente adapt�veis do que as outras.
Devo acrescentar tamb�m que, ao usar diferentes formas de produ��o de vacinas, estamos aproveitando ao m�ximo as instala��es de fabrica��o dispon�veis em todo o mundo. Se depend�ssemos apenas da tecnologia de mRNA, n�o haveria nenhuma maneira de produzir doses suficientes para 2022 ou 2023, mesmo nos pa�ses de alta renda.
Se voc� espalhar as vacinas por diferentes tecnologias, poder� usar a gama de instala��es dispon�veis em todo o mundo.
BBC News Brasil - E como foi acompanhar tantas novidades e saber, em primeira m�o, os resultados de seguran�a e efic�cia das vacinas, que o mundo inteiro aguardava com tanto interesse?
McConnell - � uma grande honra ser o canal atrav�s do qual flui essas pesquisas incrivelmente importantes durante a maior emerg�ncia de sa�de p�blica do mundo nos �ltimos 100 anos.
� um verdadeiro privil�gio ver esse material e organizar sua revis�o antes da publica��o. Sinto-me realmente em uma posi��o honrada e espero que o que estamos fazendo enquanto editores tenha algum impacto em controlar a pandemia o mais r�pido poss�vel.
BBC News Brasil - Em alguns pa�ses, como Israel, Emirados �rabes Unidos e Reino Unido, a campanha de imuniza��o contra a covid-19 est� bem adiantada. O que essa experi�ncia de vida real nos revela sobre a efetividade das vacinas dispon�veis?
McConnell - As vacinas parecem ser ainda mais efetivas quando aplicadas a grandes popula��es do que nos ensaios cl�nicos. Os dados provenientes de Israel e do Reino Unido mostram cerca de 90% de efic�cia na preven��o de todas as formas de covid-19 para a vacina de Pfizer/BioNTech e algo em torno de 88% para a vacina de AstraZeneca/Oxford.
� bastante encorajador que as vacinas que est�o sendo usadas em todo o mundo pare�am ser amplamente eficazes contra as variantes do v�rus, particularmente em termos de preven��o de doen�as graves e morte, embora n�o necessariamente previnam a infec��o em si.
Se voc� olhar os gr�ficos, pode ver o quanto a taxa de novas infec��es diminui nas popula��es que foram vacinadas, em compara��o com aquelas que n�o receberam as doses ainda.
O Chile � um bom exemplo de como as vacinas est�o realmente funcionando. L� est� claro que os casos se estabilizaram ou est�o diminuindo nos indiv�duos que foram vacinados, enquanto continuam a aumentar naqueles que n�o foram imunizados.
O motivo do aumento de casos, portanto, n�o � o fato de a vacina eventualmente n�o estar funcionando, mas porque ela ainda n�o foi administrada em um n�mero suficiente de pessoas.
BBC News Brasil - Se, por um lado, a campanha deslancha em alguns lugares, outros pa�ses est�o lidando com a escassez ou a falta absoluta de vacinas. Como o senhor avalia essa desigualdade global?
McConnell - Existe um mecanismo global chamado Covax, que foi projetado para comprar vacinas e distribu�-las a pa�ses que n�o t�m condi��es de financiar seus pr�prios programas de vacina��o.
No atual momento, esse programa foi elaborado para ajudar a vacinar apenas 20% das pessoas nessas na��es de baixa e m�dia renda.
Na atual progress�o, levar� at� o final de 2023 para que as vacinas estejam dispon�veis para todas as pessoas do mundo.
� imperativo que outros pa�ses, quando tiverem vacinado totalmente as suas popula��es, disponibilizem as doses restantes aos governos que n�o t�m condi��es de pag�-las.
Alguns desses pa�ses mais ricos chegaram a contratar uma quantidade de vacinas suficientes para cobrir tr�s ou quatro vezes a sua popula��o total.

BBC News Brasil - O senhor acredita que � poss�vel resolver esse problema da desigualdade global?
McConnell - � muito importante que os governos levem em considera��o o interesse global para minimizar a quantidade de v�rus em circula��o em todo o mundo.
Quando os programas de vacina��o nesses locais estiverem conclu�dos, e com o planejamento para os refor�os necess�rios num futuro pr�ximo, os pa�ses com estoques remanescentes precisar�o considerar seriamente a doa��o de doses excedentes.
Enquanto o v�rus permanecer em circula��o, sempre existe a chance de ocorrer uma muta��o para a qual alguns imunizantes atuais podem n�o ser eficazes.
Deixo aqui uma sugest�o, sobre a qual n�o tenho opini�o formada ou dados suficientes. Mas ser� que dever�amos priorizar a vacina��o de crian�as, que n�o s�o particularmente suscet�veis a essa doen�a e � extremamente improv�vel que tenham sintomas graves ou morram? Ou dever�amos priorizar os idosos e pessoas vulner�veis %u200B%u200Bdos pa�ses de baixa e m�dia renda?
Para encurtar esse prazo de 2023, quando o mundo inteiro estar� vacinado segundo as proje��es atuais, precisamos nos fazer perguntas sobre nossas prioridades, e n�o apenas olhar para a realidade interna de nossos pr�prios pa�ses.
BBC News Brasil - Como o senhor v� a situa��o do Brasil? N�s temos um Programa Nacional de Imuniza��es reconhecido internacionalmente, mas a campanha contra a covid-19 avan�a lentamente…
McConnell - As vacinas parecem ser eficazes contra a variante P.1 e proteger at� mesmo contra as formas mais graves da doen�a. Parece que o n�mero de casos est� come�ando a diminuir no Brasil.
Agora, o �nico caminho a seguir no Brasil � combinar uma distribui��o ampla e r�pida da vacina com a continua��o das medidas de distanciamento f�sico. Isso tem se mostrado eficaz tanto em Israel quanto no Reino Unido.
As duas a��es precisam andar de m�os dadas. Depender inteiramente da vacina significa que o progresso ser� lento. Precisamos proteger as pessoas por meio de interven��es n�o farmacol�gicas, dando-as a oportunidade de serem vacinadas no futuro.
BBC News Brasil - Mesmo com as primeiras vacinas contra a covid-19 aprovadas, n�s temos uma s�rie de outras candidatas que continuam em estudo. Por que � importante ter mais op��es de imunizantes contra a covid-19?
McConnell - Pois bem, as vacinas que ainda est�o em desenvolvimento ter�o a oportunidade de modificar suas formula��es, para que sejam direcionadas contra as novas variedades do coronav�rus.
O maior problema � que simplesmente n�o h� vacina suficiente para todos. Atualmente, existem muitas f�bricas no mundo que produzem os imunizantes. Se os diferentes pa�ses possuem suas pr�prias instala��es de produ��o de vacinas e podem atender �s suas demandas, isso � extremamente importante para controlar a pandemia o mais r�pido poss�vel.
Al�m disso, h� tamb�m uma quest�o de pre�o. Alguns fabricantes, devido ao tipo de tecnologia que est�o usando, produziram vacinas muito mais baratas e de distribui��o muito mais f�cil do que aquelas que foram desenvolvidas pela Pfizer/BioNTech, por exemplo.
N�o consigo imaginar como todas as pessoas no mundo ser�o vacinadas se contarmos apenas com a vacina da Pfizer/BioNTech.
Assim como temos um arsenal muito amplo de antibi�ticos, por exemplo, acredito que precisamos de um arsenal variado de vacinas.

BBC News Brasil - Como a vacina��o ajudar� a tirar o mundo desta pandemia? O senhor j� v� alguma luz no fim do t�nel?
McConnell - Sim, certamente h� uma luz no fim do t�nel. Para os pa�ses que implementaram seu programa de vacina��o rapidamente, essa luz est� muito forte.
Israel j� reabriu completamente e o Reino Unido est� a caminho disso. A Fran�a teve que introduzir um novo bloqueio, mas a combina��o da vacina��o com as medidas de restri��o est� levando esse pa�s a uma posi��o em que poder� come�ar a aliviar as pol�ticas em breve.
At� mesmo os Estados Unidos est�o virando esse jogo, embora n�o seja a mesma realidade para todos os Estados. No entanto, os locais onde h� uma ampla aceita��o da vacina e onde as medidas de distanciamento f�sico t�m sido mais rigorosas est�o definitivamente evoluindo bem.
Alguns dados publicados pela autoridade de sa�de p�blica na Inglaterra (Public Health England), indicam que quase 70% de todos os doadores de sangue t�m anticorpos contra o coronav�rus.
Esses 70% s�o o n�mero estabelecido como a soropreval�ncia necess�ria para que exista uma imunidade coletiva. Ainda n�o podemos tra�ar uma linha r�gida sobre isso, mas acredita-se que essa seja uma taxa importante.
Tamb�m sabemos que menos de 20% dessa soropreval�ncia � causada pela infec��o natural. Ent�o, a maior parte disso veio da vacina��o.
Ainda precisamos de organiza��o e disponibilidade de uma variedade de vacinas, mas h� uma esperan�a real.
Essa luz ainda est� escura para pa�ses do Sul da �sia, como Paquist�o, Bangladesh e Nepal, que n�o t�m condi��es de pagar pelas vacinas. Nessa mesma linha, menos de 2% de toda a popula��o do continente africano j� recebeu suas doses. Portanto, algumas partes do mundo est�o muito atrasadas.
Acredito que n�s conseguiremos sair juntos dessa pandemia, desde que n�o percamos o foco. S� assim faremos que a luz no fim do t�nel n�o seja destinada apenas para ricos e afortunados, mas para todos.
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A COVID-19 � uma doen�a provocada pelo v�rus Sars-CoV2, com os primeiros casos registrados na China no fim de 2019, mas identificada como um novo tipo de coronav�rus pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) em janeiro de 2020. Em 11 de mar�o de 2020, a OMS declarou a COVID-19 como pandemia.