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Estado de Minas SA�DE

Aborto no Brasil: acesso prec�rio, estigma e morte

Ativistas questionam efetividade da criminaliza��o. Estudo estima que mais de 4,7 milh�es de mulheres j� tenham feito um procedimento no pa�sl


16/07/2022 04:00 - atualizado 16/07/2022 19:16


Imagine a seguinte situa��o: uma menina de 13 anos, abusada sexualmente pelo tio, acaba engravidando. Ela vive em Capelinha, no Vale do Jequitinhonha, que conta com um hospital. Com muito custo, essa menina consegue contar para a sua m�e. Marcadas pela viol�ncia, elas decidem interromper a gesta��o. Entretanto, ao buscar o servi�o de sa�de, a surpresa: o hospital mais pr�ximo que realiza o procedimento fica em Montes Claros, a 318 quil�metros de dist�ncia.

A pesquisa "Mapa do Aborto Legal" verificou em 2020 que dos 176 hospitais cadastrados no SUS para a realiza��o do aborto legal, somente 42 t�m feito o procedimento; cerca de 23% do total. Em Minas Gerais, s�o apenas cinco hospitais: 
 
  • Belo Horizonte
    Hospital J�lia Kubitschek (Rua Dr. Cristiano Rezende, 2745, Milion�rios)
    Maternidade Odete Valadares (Avenida do Contorno, 9494, Prado)
     
  • Montes Claros
    Hospital Universit�rio Clemente de Faria (Avenida Cula Mangabeira, 562, Santo Expedito)
     
  • Uberl�ndia
    Hospital de Cl�nicas de Uberl�ndia (Avenida Par�, 1720, Umuarama) 

  • Vi�osa
    Hospital S�o Sebasti�o (Rua Ten. Kummel, 36, Centro)

Arte com flores, embrião, espermatozoides, útero e figura renascentista com tons de roxo e rosa
Aborto voltou a ser debatido no Brasil com a aproxima��o das elei��es de 2022 (foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
No Brasil, o procedimento de aborto legal pode ser realizado em tr�s situa��es: em caso de uma v�tima de estupro, se a gravidez for de risco para quem gesta e de fetos diagnosticados com anencefalia. Fora essas exce��es, o procedimento de interrup��o da gravidez se configura como um crime no pa�s, e pode gerar at� tr�s anos de pris�o.  
A legisla��o que prev� o aborto como crime � o C�digo Penal de 1940. Desde ent�o, movimentos de mulheres buscam pela sua legaliza��o. De acordo com ativistas, a legaliza��o do aborto pode tirar o estigma sob a quest�o e facilitar o acesso inclusive para quem j� tinha o direito, que, com restri��o de hospitais que realizam o procedimento, n�o � garantido.
 
Entretanto, esse direito garantido vem sofrendo uma s�rie de ataques institucionais. Em junho de 2022, veio � tona o caso de uma menina de Santa Catarina, violentada sexualmente, que teve o acesso ao aborto legal negado por uma ju�za, al�m de ter sido mantida em abrigo por quase 8 semanas, sem atendimento m�dico.  



Ao mesmo tempo, o respons�vel pela Secretaria de Aten��o Prim�ria do Minist�rio da Sa�de, Raphael C�mara, preparou uma nova cartilha sobre abortamento, em que diz que "n�o existe aborto legal" no Brasil, contrariando o que diz a legisla��o. Al�m disso, prev� possibilidade de investiga��o criminal de v�timas de estupro e tamb�m de gestantes que estejam em risco de vida para a realiza��o do procedimento.  
 

Criminaliza��o e acesso legal 

Fachada da Maternidade Odete Valadares
A Maternidade Odete Valadares � uma das �nicas que realizam aborto em Minas Gerais nos casos legais (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press )

A argumenta��o de movimentos de mulheres que defendem a pr�tica toca em quest�es relacionadas � sa�de p�blica do pa�s. "O aborto est� entre as principais causas de mortalidade materna no nosso pa�s, e � uma morte evit�vel. Se essas mulheres tivessem acesso a meios e condi��es seguras de realizar o aborto, elas n�o iriam a �bito", conta Renata Regina, doula e ativista pelos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em BH. 

"A criminaliza��o faz com que, inclusive, mulheres que sofreram aborto espont�neo sejam tratadas com desconfian�a, como se tivessem provocado e, em decorr�ncia disso, mesmo mulheres que tiveram uma gesta��o planejada passam por uma intensa viol�ncia obst�trica em um momento de luto", completa a ativista. 
Para ter acesso � interrup��o da gesta��o, nos casos em que � legal atualmente, n�o � necess�rio apresentar boletim de ocorr�ncia no hospital. 

"O procedimento � por etapas: ao procurar o servi�o de sa�de, � feito um termo de relato circunstanciado do caso, com o maior n�mero de detalhes do crime sofrido. Depois s�o feitos exames f�sicos e ginecol�gicos, e o profissional emitir� um parecer t�cnico", explica Renata.

"Essa mulher ser� acompanhada por uma equipe multidisciplinar, em que tr�s integrantes autorizam o procedimento de aborto. Ela assina o termo, declarando que as informa��es s�o verdadeiras, e tamb�m um termo de que est� consciente e de acordo com a interrup��o da gesta��o", diz a doula.

"Mulheres comuns"

Aos 40 anos, ao menos 1 mulher em cada 5 j� realizou aborto uma vez na vida. S�o dados da Pesquisa Nacional de Aborto, de 2016, realizada por pesquisadores da Anis Instituto de Bio�tica e pela Universidade de Bras�lia (UnB). A estimativa � de que mais de 4,7 milh�es de mulheres j� tenham feito aborto ao menos uma vez na vida, segundo a Anis.


De acordo com a advogada Gabriela Rondon, do Instituto Anis Bio�tica, as mulheres que abortam "s�o comuns, de qualquer classe social, faixa et�ria, com filhos e que praticam alguma religi�o. O perfil majorit�rio de mulheres que praticam aborto n�o � de adolescentes, de mulheres que trabalham com o sexo, ou de mulheres que sejam distantes de n�s", explica.
 
O levantamento ainda apontou que 58% das mulheres que abortam no Brasil s�o pretas, pardas ou ind�genas e que 22% s�o escolarizadas at� a 4ª s�rie. E 82% das brasileiras que j� abortaram s�o cat�licas ou protestantes, sendo que 67% delas t�m filhos. 

"Quem vai procurar talo de mamona, medicamentos falsificados ou outras estrat�gias perigosas e depois ter medo de ir a um centro de sa�de por qualquer consequ�ncia, por medo de den�ncia, s�o as mulheres mais pobres e vulner�veis"

Gabriela Rondon, do Instituto Anis Bio�tica



A pesquisa concluiu que "h� tanto aborto no Brasil que � poss�vel dizer que em praticamente todas as fam�lias do pa�s algu�m j� fez um aborto - uma av�, tia, prima, m�e, irm� ou filha, ainda que em segredo. Todos conhecemos uma mulher que j� fez aborto".

A defesa da legaliza��o, segundo ativistas, � tamb�m para proteger mulheres mais vulner�veis.

Legalizar pode reduzir n�mero de abortos

"Tirar o tema do campo da puni��o e do estigma, tratar como quest�o de sa�de, inclusive para tratar de todas as complexidades relacionadas, poder acolher as mulheres que precisam e entender o que falhou no processo de preven��o, para evitar que ela tenha um segundo aborto e que outras mulheres n�o necessitem do aborto". � o que defende Gabriela Rondon, advogada e pesquisadora da Anis Instituto de Bio�tica. 

De acordo com especialistas e com um levantamento realizado pela "G�nero e N�mero" em 2018, em pa�ses que o aborto passa a ser legalizado h� um aumento no n�mero de procedimentos legais nos primeiros anos e em seguida a queda nos �ndices, com estabiliza��o. 

"Sendo criminalizado na maioria das vezes, muitas unidades de sa�de acabam n�o tendo profissionais especializados, al�m do estigma sobre o tema, que interfere na postura de cada profissional. Temos uma lei que garante o acesso, mas que n�o dialoga com o sistema de sa�de vigente"

Thays Campos, enfermeira obst�trica e doula em S�o Lu�s, no Maranh�o



O aumento inicial estaria relacionado n�o ao n�mero de abortos, mas sim de abortos legais, computados pelo sistema de sa�de. Quando se fala em procedimentos clandestinos, pouco se sabe oficialmente da quantidade de abortos realizados.

Para Rondon, o amplo acesso aos m�todos contraceptivos "s� � poss�vel quando o Estado para de amea�ar as mulheres e trat�-las como inimigas da pol�tica de sa�de sexual e reprodutiva e de fato as acolhe."

Na casa do vizinho… 

Manifestação em Santa Fé, Argentina
Mulheres argentinas ocuparam as pra�as das cidades com len�os verdes pelo direito ao aborto legal, em 2020 (foto: Lara Va/Divulga��o)
Em um intervalo de um ano e meio, mais tr�s pa�ses latino-americanos legalizaram ou descriminalizaram o aborto. � o caso da Argentina (2020), do M�xico (2021) e da Col�mbia (2022). Com press�o de movimentos populares, especialmente feministas e de mulheres, as aprova��es aconteceram por via judicial ou legislativa.

"Na pr�tica, o objetivo � reconhecer que a aplica��o da lei penal para o tema do aborto em determinadas circunst�ncias n�o � adequada e viola direitos. As duas vias podem ter resultados muito semelhantes, mesmo por processos distintos", explica a pesquisadora da Anis.

Nos Estados Unidos, recentemente a Suprema Corte reverteu uma decis�o hist�rica, conhecida como Roe vs. Wade, de 1973, que garantia o acesso ao aborto em todo o pa�s. Por seis votos a tr�s, agora n�o h� essa prote��o do direito e cada estado tem autonomia para estabelecer as regras e restri��es para realizar a interrup��o da gravidez.  

Manifestação em Washington DC
Ativistas nos EUA come�aram protestos ap�s derrubada do direito ao aborto, em 24 de junho de 2022 (foto: Nicholas Kamm / AFP)


"Isso pode gerar um cen�rio de bastante desprote��o, e tamb�m de tr�nsito entre os estados para que as mulheres consigam acessar o aborto nos estados que ainda permitem", afirma Gabriela Rondon.

No Brasil, uma proposta de descriminaliza��o do aborto at� a 12ª semana est� sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que realizou audi�ncia p�blica sobre o tema em agosto de 2018. Entretanto, ainda n�o h� previs�o para a ADPF 442 ser votada pelos magistrados.
 
Em 2021, 100% dos projetos de lei na C�mara dos Deputados foram contr�rios � interrup��o da gravidez. 
 

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