
Estou profundamente deprimida por causa do coronav�rus. Tenho tido at� vontade de morrer. Por que a vida humana tem de ser t�o penosa?
Marilene, de Belo Horizonte
N�o s�o as circunst�ncias que nos tornam infelizes, mas a maneira de lidar com elas. Desejar passar pela exist�ncia completamente imunes � dor, ao envelhecimento, � doen�a, � morte, �s trai��es e injusti�as � querer ser Deus. Talvez seja este o nosso maior pecado: n�o aceitar a nossa humanidade, limitada, imperfeita, cheia de altos e baixos.
A vida nos oferece, por outro lado, momentos e situa��es muito prazerosos e felizes. A come�ar pela pr�pria vida, nos seus ingredientes b�sicos: respira��o, movimentos, capacidade de enxergar as cores, ouvir os sons, tatear os objetos, sentir os cheiros e usufruir dos sabores e dos seus ingredientes afetivos – amigos, sexo, companheirismo, admira��o, trabalho, religiosidade etc. As dores s�o inevit�veis, mas os prazeres tamb�m.
A depress�o � fruto de um modo de pensar dicot�mico e mecanicista que poderia ser assim formulado: ou minha vida � 100% em todos os aspectos ou � uma merda. Desqualificar tudo de bom que nos rodeia por causa de um fato grave que est� nos acontecendo � cegar-se para o fen�meno mais corriqueiro da vida de qualquer um de n�s. Viver � aprender a atravessar os vales e as montanhas, o bom e o ruim, a sa�de e a doen�a, os ganhos e as perdas.
Existe, por acaso, alguma luz sem sombra? Vida sem morte? Ganho sem perdas?
Nada no mundo � maior que a vida, que o desejo de reconstruir, de dar a volta por cima.
Nas mesmas circunst�ncias em que alguns sucubem, outros aprendem e seguem em frente. Idealizar uma exist�ncia sem nenhum trope�o, querer ter o controle de tudo � n�o reconhecer os pr�prios limites. � del�rio de onipot�ncia, � falta de humildade.
Quando a leitora diz sentir vontade de morrer, em vista de um fato grave que est� ocorrendo, h� um equ�voco no seu modo de ver a vida. Por que ela n�o se pergunta como lidar com esse fato, j� consumado, e sair dele engrandecida, mesmo machucada, e elaborar sua cicatriza��o? Provavelmente, h� perdas envolvidas e ela n�o quer perder nada.
� imposs�vel mudarmos nossa vida diante das circunst�ncias sem perder alguma coisa. S�o perdas, por�m, que nos levam a algum ganho a m�dio ou longo prazo. Estar na vida sem saber perder � a mesma coisa que estar na vida sem querer ganhar. O sofrimento diante de determinados fatos � muito natural: o choro, a tristeza, o luto fazem parte. O desespero � que � o problema. � a falta de paci�ncia de saber que ap�s qualquer crucifica��o vem sempre a ressurrei��o.
Talvez a vontade da leitora seja de morrer para a vida que ela tem levado, morrer para seu perfeccionismo, morrer para o seu modo de encarar o sofrimento humano.
Em outras palavras, sua vontade � de mudar.
Certa vez, um mestre, diante de um jovem muito deprimido, pediu-lhe que colocasse uma m�o cheia de sal em um copo d’�gua e bebesse. Ap�s o jovem atender o seu pedido, o mestre perguntou:
– Qual � o gosto?
– P�ssimo, respondeu o aprendiz.
Sorrindo, o mestre pediu-lhe que pegasse outra m�o cheia de sal e caminharam at� um lago. L� chegando, pediu-lhe que jogasse o sal no lago.
– Beba agora um pouco do lago, disse o velho. Enquanto a �gua escorria do queixo do jovem, o mestre perguntou:
– Qual � o gosto?
– Bom, respondeu o rapaz, nem sinto o gosto do sal.
– A dor na nossa vida, disse o mestre, � inevit�vel. Mas o sabor da dor depende de onde o colocamos.
Ao sofrer, devemos aumentar ao m�ximo a percep��o das coisas boas que temos na vida.
Deixemos de ser um copo. Tornemo-nos um lago.