
Estou completamente desiludida com a vida. Tenho tido tantas perdas, tantos problemas, tantas dores que tenho me perguntado: ser� esse o destino do homem?”
Cristina, de Patos de Minas
A vis�o budista da realidade humana muito nos tem a ensinar sobre o sofrimento. Conta-se que, nos tempos de Buda, uma mulher o procurou desesperada porque seu �nico filho havia morrido e pediu-lhe um rem�dio que pudesse ressuscitar seu filho.
Buda lhe prometeu fazer o rem�dio com uma �nica condi��o: que ela lhe trouxesse sementes de mostarda, ingrediente para a elabora��o do rem�dio. Essas sementes, por�m, deveriam vir de alguma casa na qual nunca tivesse havido uma morte. Afoitamente, a mulher desandou a procurar as sementes e visitou in�meras casas.
Todas as casas dispunham a fornecer-lhe as sementes de mostarda, mas quando ela perguntava se ali havia tido alguma morte, a resposta era sempre afirmativa. Ela n�o encontrou uma �nica casa que, em algum tempo, n�o havia sido visitada pela morte. Ao perceber que n�o estava s� no seu sofrimento, ela desistiu e voltou a Buda, que lhe falou: – N�o existe perman�ncia entre todas as criaturas vivas.
Na nossa condi��o humana, � imposs�vel viver sem sofrimento e sem perdas. Se o mundo fosse est�vel, permanente, seguro e, portanto, perfeito, n�o passar�amos por qualquer sofrimento. N�o � f�cil aceitar essa condi��o porque somos treinados desde a inf�ncia para uma grande ilus�o: a possibilidade de evitar a dor.
Quando a leitora assinala a sua desilus�o com a vida, na verdade ela est� desiludida com a vida que est� na sua cabe�a. Para quem quer ser Deus � uma enorme decep��o ser humano. Quando as pessoas t�m uma perda muito significativa elas se revoltam enfurecidas at� contra Deus. Deus, por acaso, nos prometeu uma vida sem morte? At� seu filho, na condi��o humana, foi crucificado e morreu.
� verdade que n�o � f�cil lidar com as perdas das pessoas que amamos. Que elas s�o inevit�veis, por�m, n�o podemos ter a menor d�vida. Lidar com os sofrimentos n�o � evit�-los e nem n�o sofrer com eles. Quando temos a consci�ncia de que eles fazem parte da nossa vida podemos atravess�-los com menos revolta.
O importante � n�o permanecer indefinidamente neles ou transformar o sofrimento em um jeito de viver. Expressar todos os sentimentos dolorosos diante das vicissitudes humanas nos ajuda a recompor nossa alma, nossa humildade e nossa disposi��o de nos abrir � vida, “apesar de”.
O importante � n�o permanecer indefinidamente neles ou transformar o sofrimento em um jeito de viver. Expressar todos os sentimentos dolorosos diante das vicissitudes humanas nos ajuda a recompor nossa alma, nossa humildade e nossa disposi��o de nos abrir � vida, “apesar de”.
Outra ilus�o, decorrente da cren�a na possibilidade de evitar o sofrimento, � acreditarmos que somos bons e que, portanto, merecemos ter somente coisas boas na vida. In�meras vezes, presenciei pessoas, �s voltas com crises decorrentes de s�rios problemas, se sentindo injusti�adas, magoadas e ofendidas pelo destino e pela vida, chegando ao absurdo de dizer coisas tais como “por que comigo?” ou “a vida est� em d�bito comigo”. N�o se trata de escolha pessoal e nem de merecimento. A imperman�ncia das coisas e dos seres viventes � estrutural no humano.
Muitas pessoas estar�o pensando que essa � uma vis�o pessimista do mundo. S� ser� pessimista esse modelo de olhar para os obsessivamente otimistas, os cegos. Os realistas apenas v�m o mundo como ele �, na dualidade da luz e da sombra, da vida e da morte, da sa�de e da doen�a.
E, � claro que, ao contr�rio de nos desanimarmos diante disso, essa realidade nos convida para outra postura: enfrentar o sofrimento humano que se traduz no envelhecimento, na doen�a e na morte, aprender como viver nessa situa��o, aliviar ao m�ximo a travessia e celebrar a parte boa da exist�ncia. J� que vou morrer, ent�o tenho a obriga��o de viver com inteireza e dignidade. A aceita��o do sofrimento como um fato natural na nossa exist�ncia nos fortalece, em vez de enfraquecer.
E, � claro que, ao contr�rio de nos desanimarmos diante disso, essa realidade nos convida para outra postura: enfrentar o sofrimento humano que se traduz no envelhecimento, na doen�a e na morte, aprender como viver nessa situa��o, aliviar ao m�ximo a travessia e celebrar a parte boa da exist�ncia. J� que vou morrer, ent�o tenho a obriga��o de viver com inteireza e dignidade. A aceita��o do sofrimento como um fato natural na nossa exist�ncia nos fortalece, em vez de enfraquecer.
A esperan�a n�o � a ilus�o de que tudo ser� mil maravilhas. Mas saber que sempre daremos conta da nossa condi��o humana, que nos prepara para alargar a vis�o de nossa exist�ncia e para nossa transcend�ncia na uni�o com algo maior, que vai al�m da condi��o humana.
E j� que algumas dores s�o necess�rias, aprenderemos tamb�m a n�o criar sofrimentos desnecess�rios, criados por n�s, por nossas vaidades e por nossas ilus�es. Ser feliz n�o � fechar os olhos para a realidade, mas enfrent�-la e abrir-se para uma travessia alegre, com luz no cora��o, nesse vale de l�grimas.