
Hansen�ase, esquistossomose, doen�a de Chagas, leishmaniose, mal�ria, hepatites, filariose linf�tica... a lista � grande.
Com a emerg�ncia de sa�de p�blica criada pela covid-19, o combate a doen�as que mesmo antes da pandemia j� recebiam pouca aten��o piorou dramaticamente. Estas enfermidades costumam ser classificadas pela comunidade cient�fica como "doen�as negligenciadas".
O termo se refere a doen�as infecciosas que atingem um grande n�mero de pessoas e afetam principalmente as popula��es mais pobres.Segundo a Organiza��o Mundial de Sa�de, as chamadas doen�as negligenciadas podem afetar at� 1,6 bilh�o de pessoas em todo o mundo. Elas est�o principalmente na �sia, na �frica e na Am�rica Latina.
Mesmo antes da pandemia, elas j� recebiam poucos investimentos da ind�stria farmac�utica porque, para muitos especialistas, tanto os rem�dios quanto os tratamentos renderiam pouco lucro a laborat�rios.
Esta � a vis�o de Jadel Kratz, um especialista em doen�as negligenciadas que chefia a �rea de Pesquisa e Desenvolvimento da DNDI (Iniciativa Medicamentos para Doen�as Negligenciadas), uma entidade sem fins lucrativos que defende o combate a essas enfermidades.
Enquanto o mundo concentra esfor�os no combate � covid-19, pesquisas e estudos cl�nicos sobre as doen�as negligenciadas foram interrompidos. E faltam rem�dios para pacientes, afirma Kratz em entrevista � BBC News Brasil.
"Doen�as que estavam muito pr�ximas de serem controladas, ou erradicadas, ou de atingirem os objetivos de combate da OMS talvez tenham retrocessos", diz o pesquisador.
Ele alerta que iniciativas importantes para o diagn�stico destas doen�as em diversas universidades foram paralisadas com a pandemia. E aponta que elas s�o essenciais, j� que muitas das pessoas afetadas n�o t�m acesso ao sistema de sa�de e, no fim das contas, podem nem saber que est�o doentes.
As consequ�ncias podem ser graves, incluindo o risco de gerarem comorbidades que tornem as infec��es por covid-19 ainda mais graves, explica Kratz.
"S�o doen�as que t�m problemas de resist�ncia a medicamentos. Ent�o, se o paciente interromper o tratamento, aquele mesmo tratamento talvez j� n�o seja eficaz l� na frente."
Para Kratz, este cen�rio torna ainda mais importante o controle da epidemia de covid-19 o mais r�pido poss�vel.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista de Kratz � BBC News Brasil.

BBC News Brasil - Por que pesquisas em universidades e institui��es p�blicas s�o importantes para doen�as negligenciadas?
Jadel Kratz - A pesquisa acad�mica � importante em todas as �reas das ci�ncias da vida. Muitas das inova��es m�dicas e farmac�uticas come�am com a ci�ncia b�sica. Mas, mais ainda onde o modelo tradicional farmac�utico n�o est�. Uma vez que a ind�stria tem pouco interesse nessa �rea, por uma s�rie de raz�es, uma delas o lucro, as institui��es p�blicas que t�m essa miss�o assumem um papel ainda mais central.
� o caso da Fiocruz, que foi criada pensando nisso, e de fato � um dos centros de pesquisa mais relevantes para essas doen�as no Brasil.
BBC News Brasil - Como a pandemia afetou esse cen�rio no �ltimo ano?
Kratz - A real magnitude do impacto disso ainda est� sendo acessado. Historicamente, as doen�as tropicais negligenciadas, por exemplo Chagas, leishmaniose, tuberculose, hansen�ase, j� vem de um hist�rico de pouco investimento. O investimento � baixo, mas � relativamente est�vel. Sendo criativo, fazendo-se novos modelos, �s vezes a gente consegue avan�ar.
Mas, quando surgiu uma emerg�ncia m�dica do n�vel da covid-19, boa parte dos investimentos foi sugada. Os investimentos j� eram escassos e deixaram de estar dispon�veis para essas doen�as. A prioridade do financiamento para pesquisas em doen�as negligenciadas caiu, foi para outra �rea. E talvez os n�meros gerais de investimentos sejam menores no final porque talvez o mundo entre em crise. O dinheiro vai diminuir, apesar de todo mundo reconhecer agora que � importante fazer pesquisa biom�dica.
Al�m da diminui��o dos investimentos, as pr�prias condi��es para os estudos foram dificultadas. Os estudos cl�nicos normalmente s�o feitos em ambiente hospitalar e muito descentralizados. Os estudos cl�nicos para outras enfermidades pararam. Ou porque o hospital est� completamente lotado e precisa redirecionar todos os recursos para o atendimento emergencial ou porque ele foi fazer um estudo cl�nico para a covid-19. Tem levantamentos nos EUA que mostram que reduziu por volta de 80% o n�mero de estudos cl�nicos rodando..
Foram todos substitu�dos por estudos para covid-19 — v�rios deles mal desenhados, feitos na correria.
Nossos laborat�rios que desenvolvem novos medicamentos para Chagas e Leishmaniose tiveram que ficar por v�rios meses fechados na Unicamp. A gente tem projetos com parceiros na Unicamp, na USP, na UFRJ e muitos desses laborat�rios tiveram que fechar. Desde o n�vel mais b�sico, para entender como aquele parasita afeta o corpo, at� os estudos cl�nicos sendo feitos no ambiente hospitalar.
Vai atrasar ainda mais as pesquisas que j� est�o historicamente atrasadas.

BBC News Brasil - E a produ��o de rem�dios para essas doen�as?
Kratz - Um ponto importante � a interrup��o das cadeias, tanto de estudo quanto de suprimentos. Ent�o, n�o s� as pesquisas est�o paradas, como faltam medicamentos.
Muitas das doen�as tropicais n�o t�m uma maquinaria bem azeitada de produ��o. Um exemplo cl�ssico � a hansen�ase: as medica��es s�o antigas, n�o s�o ideais, t�m uma s�rie de efeitos colaterais negativos. Mas � importante que os pacientes tenham acesso a essas medica��es, mesmo que elas sejam imperfeitas.
Elas normalmente s�o baratas, antigas, n�o t�m um incentivo de neg�cio para a produ��o. Muitas vezes, as ind�strias que ainda fazem a produ��o desses medicamentos doam ou vendem a pre�os super baratos para o sistema de sa�de. Muitas pararam de produzir esses medicamentos porque foram produzir coisas mais urgentes. Ent�o, as cadeias foram interrompidas e os pacientes ficaram sem (rem�dios), como no caso da hansen�ase.
BBC News Brasil - Quando as coisas voltarem ao normal, ser� poss�vel recuperar esses projetos de onde pararam? Ou perde-se parte do que j� tinha sido feito e � preciso come�ar tudo de novo?
Kratz - A cadeia foi muito abalada e a gente n�o sabe quando isso vai retornar. Em estudos cl�nicos de campo foram interrompidos, aquilo se perdeu. Al�m disso, h� lacunas: a ci�ncia � feita por pessoas e elas passam por uma forma��o para chegar l�. Com a pandemia, vai ter muita lacuna de pessoal, de cientistas sendo formados. Gente que teve que postergar seu mestrado, suas pesquisas, sobretudo cientistas de in�cio de carreira.
As doen�as tropicais negligenciadas t�m um plano bastante estruturado de pesquisa, que � o roadmap (mapa de projetos futuros) da Organiza��o Mundial da Sa�de de controle e elimina��o de doen�as.
Isso envolve m�ltiplas estrat�gias, muitas delas de campo. Controle de vetores, melhora de infraestrutura, administra��o de medicamentos, diagn�stico, monitoramento de pacientes. E muitas vezes, especialmente no caso das doen�as negligenciadas, isso � feito na Unidade B�sica de Sa�de (UBS). Agora a UBS est� maluca controlando covid-19, n�o consegue fazer mais nada. Doen�as que estavam muito pr�ximas de serem controladas, erradicadas, ou de atingirem os objetivos de combate da OMS, talvez tenham retrocessos. Doen�as como tuberculose, mal�ria, Chagas, leishmaniose que t�m problemas s�rios de subnotifica��o e diagn�sticos, pioraram ainda mais, n�o h� d�vida. Doen�as como tuberculose, que mata na escala de milh�o de pessoas por ano, foram largadas ao ostracismo pela urg�ncia da pandemia.
BBC News Brasil - Ent�o o atendimento aos pacientes tamb�m foi afetado?
Kratz - Al�m do impacto nas pesquisas voc� teve o impacto nas estrat�gias j� implementadas de combate e controle. Sobretudo essas iniciativas grandes de diagn�sticos, achar os pacientes e trat�-los. E s�o doen�as que t�m problemas de resist�ncia � medicamentos. Se o paciente interrompe o tratamento no meio, aquele mesmo tratamento talvez j� n�o seja eficaz l� na frente. O impacto � claro, s� n�o est� mensurado ainda.
A gente pode pegar o exemplo cl�ssico da doen�a da Chagas, que � uma doen�a parasit�ria negligenciada que afeta principalmente regi�es pobres e com pouca infraestrutura no mundo. Muitas das pessoas moram em �reas end�micas, rurais, t�m baixa escolaridade, problemas associados � pobreza, n�o t�m acesso ao sistema de sa�de e acabam n�o diagnosticadas. O resultado disso � que o n�mero de pessoas que � de fato diagnosticado � baixo, mas a gente estima que haja 6 milh�es de pessoas com a doen�a no mundo. Nas regi�es end�micas, h� mais de 70 milh�es de pessoas em risco. E no fim, menos de 1% das pessoas que t�m Chagas acessam o tratamento. A lacuna do diagn�stico e tratamento � preenchida por grandes esfor�os: ter pessoas no campo, com kits de testagem adaptados, baratos, e com tratamento seguro e barato. E a pandemia afetou isso, n�o s� para Chagas, mas para outras doen�as.
E essas pessoas que deixam de ser diagnosticadas e tratadas continuam sendo reservat�rios da doen�a, o que pode contribuir para que outras pessoas se infectem, atrav�s dos vetores (no caso de Chagas, o barbeiro). N�o tratadas e n�o diagnosticadas, as pessoas podem desenvolver as formas mais graves e morrerem. E se infectadas por covid podem ter um agravamento do quadro por causa de comorbidades.

BBC News Brasil - Falando em comorbidade, como as pessoas com essas doen�as s�o afetadas pela covid?
Kratz - � dif�cil falar em n�meros, mas eu n�o tenho d�vidas que o que est� sendo feito para analisar a quest�o da comorbidade � insuficiente justamente pela quest�o de que a gente mal est� conseguindo controlar a pandemia. A doen�a de Chagas, por exemplo, tem uma liga��o super clara de comorbidade. Normalmente o paciente se infecta, tem um quadro agudo, com pouca mortalidade nesse est�gio — muitos dos pacientes nem percebem que pegaram. E depois aquilo cronifica, reduz a carga parasit�ria e uma parte desses pacientes, cerca de 20%, 30% v�o ter problemas card�acos associados ao trypanosoma cruzi. E o paciente pode nem saber que tem comorbidade, e a� pega covid e acaba tendo um quadro mais grave.
A covid n�o enxerga classes, mas se a comunidade mais pobre tem mais Chagas, ent�o ela est� propensa a ter quadros mais vulner�veis e casos mais graves de covid associados � comorbidade.
A covid � uma doen�a infecciosa que tem um componente forte do sistema imunol�gico no agravamento dos casos. A gente sabe que muitos dos casos graves n�o � a doen�a em si que agrava a situa��o da pessoa, mas a rea��o do sistema imunol�gico. Ent�o a pessoa ter um sistema imunol�gico funcionando plenamente ajuda que a doen�a n�o se agrave. E muitas das doen�as negligenciadas tamb�m afetam o sistema imune, como a leishmaniose.

BBC News Brasil - Tem alguma li��o que a pandemia pode trazer sobre a forma como fazemos ci�ncia que pode ajudar no combate �s doen�as negligenciadas no futuro?
Kratz - Essa pandemia mostrou o quanto � importante a pesquisa colaborativa, interdisciplinar e integrada. Ou seja, o qu�o importante � a colabora��o, que se manifesta atrav�s de ci�ncia aberta, compartilhamento de dados, financiamentos coletivos em vez daquele modelo fechado, pensando s� no lucro. A gente teve oportunidade de validar novas plataformas, como as vacinas de RNA. Se a gente pensar que o v�rus foi sequenciado em janeiro do ano passado e no final do ano a gente estava fazendo ensaio cl�nico de fase 3 (a fase mais avan�ada antes da libera��o para o p�blico), tudo isso em um ano... Isso vem para dar uma chacoalhada: sim, � poss�vel fazer mais r�pido, com qualidade, quando tem prioridade, financiamento e colabora��o.
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